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26 de novembro de 2018

Escola sem partido!

Lei é como elefante numa loja de cristais no que diz respeito a costumes e afetos!

Arte: Ricardo Cammarota - Folhapress
Não sou simpático à lei da Escola sem Partido. Sou professor há 22 anos. Ela pode virar um belo sistema randômico de censura. Pais de alunos são imprevisíveis. Um dia posso estar falando de darwinismo e um pai evangélico considerar que estou pregando ateísmo. Um dia posso estar dizendo que a espécie humana reproduziu e sobreviveu porque a maioria dela é heterossexual e algum aluno filho de um casal gay pode me acusar de homofobia. 
Você duvida? Se sim é porque anda alienado da realidade ridícula que o mundo está vivendo. As mídias sociais tornaram o ressentimento uma categoria política de ação. Os ressentidos perderam a vergonha na cara. Não gosto de leis, não confio em juízes, promotores ou procuradores. 
O Ministério Público com frequência nos considera cidadãos hipossuficientes e decide processar você por descrever a relação entre peso e massa na lei da gravidade numa aula —e essa lei não respeitaria as sensibilidades de pessoas vulneráveis psicologicamente devido ao maior peso delas.
Minha oposição à lei da Escola sem Partido não é porque eu não saiba que grande parte dos professores prega marxismo e similares em sala de aula. Prega sim. E a universidade não é um espaço de debate livre de ideias. Isso é um fetiche, para não dizer diretamente que é uma mentira deslavada. 
A universidade é um espaço de truculência na gestão, na sala de aula, nos colegiados, no movimento estudantil. Lobbies ideológicos ou não dilaceram as universidades quase as levando à inércia produtiva —principalmente nas “humanas”. 
Quem discordar da cartilha de esquerda é “fascista”. Minha oposição à Escola sem Partido é porque ela é uma lei. Sei. Ficou confuso? Vou repetir: minha oposição à Escola sem Partido é porque ela é uma lei. Com ela, aumentaríamos o mercado para advogados e a justificativa pra mais gasto com o Poder Judiciário. 
Quem a defende parece não entender que lei em matéria de costumes é como um elefante em loja de cristais. Outra área em que lei é como um elefante em loja de cristais é no campo dos afetos.
Meu argumento, ao contrário do que podem pensar inteligentinhos de direita e de esquerda, é profundamente conservador, no sentido que o conceito tem na filosofia britânica a partir do século 19 o conceito sem a palavra surge no final do 18 com Edmund Burke (1729-1797), a palavra surge na França nos primeiros anos do século 19, segundo o historiador das ideias Russel Kirk (1918-1994).
No sentido filosófico, e não no debate empobrecidos das militâncias, ser conservador é ser cético em matéria de invenções políticas, econômicas, sociais ou jurídicas. Um temperamento conservador, como diria Michael Oakeshott (1901-1990), filósofo conservador britânico fundamental para o assunto, desconfia da fúria “racionalista” de se inventar, por exemplo, leis que interfiram sobre hábitos e costumes (estes, sim, pérolas para um cético em política).
Aliás, pouco se sabe entre nós sobre o que é, no sentido erudito e conceitual, ser conservador. Qual a razão de não sabermos? Pergunte aos professores e coordenadores de escolas e universidades. A bibliografia escolhida por eles é, na imensa maioria das vezes, uma pregação em si. 
Alunos de escola, de graduação e pós-graduação, constantemente, são boicotados em sua intenção de conhecer outros títulos que não seja a cartilha com Marx e seus avatares. A lei da Escola sem Partido é uma solução ruim para um problema real. A crítica a ela, sem reconhecer que sua motivação é justificada, presta um enorme desserviço ao debate. 
Com isso não quero dizer que professores marxistas de história mentindo pura e simplesmente ou restringindo o acesso a múltiplas “narrativas” (como é chique falar agora) sejam a principal questão no Brasil de hoje em dia. 
Existem muitas outras, como economia, corrupção, violência urbana, e outras mais. Mas, a formação educacional ideologicamente enviesada, por exemplo, faz muita gente “educada” abraçar movimentos como o Lula Livre, achando lindo.
A educação piorou muito depois que os professores resolveram pregar em sala de aula em vez de ensinar rios e capitais dos estados e países. Simples assim. Mas aumentar o mercado jurídico no país é um engano grave. Já somos presas demais do crescente lobby jurídico para não ver isso.

Autor: Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

25 de novembro de 2018

Juízes e Presidentes!

É inaceitável que o Uruguai considere perseguido político alguém que a Justiça investiga como suposto ladrão.

O ex-presidente do Peru Alan García, cercado pela Justiça por causa de supostos casos de má gestão e recebimento de propinas durante seu segundo governo em conexão com a construção do metrô de Lima, optou por procurar asilo na Embaixada do Uruguai alegando ser alvo de “perseguição política”. 
O pretexto é simplesmente grotesco, porque no Peru de hoje não há um único preso político e ninguém é perseguido por suas ideias ou filiação partidária; e provavelmente nunca houve tanta liberdade de expressão e imprensa quanto a que existe hoje no país.
Claro, o outro lado da moeda é que os quatro últimos chefes de Estado estão sujeitos a investigação judicial por suspeita de roubo e são investigados pelo Poder Judiciário, com ordens de apreensão de seus bens, ou notificação de fugitivos. Ao mesmo tempo, o ex-ditador Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão por seus crimes, está refugiado no setor de cuidados intensivos da Clínica Centenário de Lima, de onde, caso saia, retornará para a prisão da qual o tirou um imerecido indulto do ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski. 
O ex-presidente do Peru Alan García alega a existência de um clima 'de perseguição política' no país desde que Martín Vizcarra assumiu o Executivo em março Foto: EFE/Ernesto Arias
Este último, também sob ordem de prisão, é alvo de uma investigação judicial por lavagem de dinheiro, como o ex-presidente Ollanta Humala, que, com sua mulher Nadine, passou dez meses em prisão preventiva. Outro ex-presidente, Alejandro Toledo, fugiu para os Estados Unidos quando foi descoberto que tinha recebido cerca de US$ 20 milhões em propinas da Odebrecht e é agora objeto de um pedido de extradição feito pelo governo peruano.
Esta coleção de presidentes suspeitos de corrupção – aos quais me acuso de ter promovido e votado, acreditando serem honestos – justificaria o mais grave pessimismo sobre a vida pública do meu país. E, no entanto, depois de passar oito dias no Peru, volto animado e otimista, com a sensação de que, pela primeira vez em nossa história republicana, há uma campanha eficaz e corajosa de juízes e procuradores para verdadeiramente punir os líderes e funcionários públicos desonestos, que se aproveitaram de seus cargos para cometer crimes e enriquecer. É verdade que nos quatro casos até agora há apenas uma presunção de culpa, mas os indícios, especialmente em relação a Toledo e García, são tão óbvios que é muito difícil acreditar em sua inocência.
Como em boa parte da América Latina, o Poder Judiciário no Peru não tinha reputação de ser aquela instituição incorruptível e sábia, responsável por zelar pelo cumprimento das leis e punir os crimes; nem para atrair, com seus salários medíocres, os juristas mais capazes. Ao contrário, a má reputação que o rodeava, fez supor que um bom número de magistrados carecia da formação e da conduta devida para distribuir a justiça e merecer a confiança do cidadão. 
No entanto, de uns tempos para cá, uma revolução silenciosa vem sendo operada dentro do Judiciário, com o surgimento de um punhado de juízes e promotores honestos e capazes, que, correndo os maiores riscos, e apoiado pela opinião pública, conseguiu corrigir essa imagem, confrontando os poderosos – nos campos político, social e econômico – em uma campanha que levantou os espíritos e encheu de esperanças uma grande maioria dos peruanos. A corrupção é hoje na América Latina o maior inimigo da democracia: a correo por dentro, desmoraliza a cidadania e semeia desconfiança nas instituições que parecem nada mais do que a chave mágica que transforma os crimes, delitos e privilégios em ações legítimas. 
O que aconteceu no Brasil nos últimos anos foi um anúncio do que poderia acontecer em todo o continente. A corrupção havia se espalhado para todos os cantos da sociedade brasileira, comprometendo igualmente empresários, funcionários, políticos e pessoas comuns, estabelecendo uma espécie de sociedade paralela, submetida aos piores conchavos e imoralidades, nos quais as leis eram sistematicamente violadas em toda parte, com a cumplicidade de todos os poderes.
Contra este estado de coisas levantou-se o povo, liderado por um grupo de juízes que, sob a lei, começou a investigar e sancionar o envio para a cadeia daqueles que pelo seu poder econômico e político se acreditavam invulneráveis. É o caso da Odebrecht, uma empresa toda poderosa que corrompeu pelo menos uma dúzia de governos latino-americanos para conseguir contratos para obras públicas bilionárias – sem suas famosas “delações premiadas” os quatro ex-presidentes peruanos estariam livres – e tornou-se pouco menos que o símbolo de toda aquela podridão. 
É isso que explica o fenômeno Jair Bolsonaro. Não que 55 milhões de brasileiros tenham se tornado fascistas da noite para o dia, mas que uma imensa maioria dos brasileiros, fartos da corrupção que havia se tornado o ar que o Brasil respirava, decidiu votar pelo que eles acreditavam ser a negação mais extremada e radical do que foi chamado de “democracia” e era, pura e simplesmente, uma “delitocracia” generalizada. O que acontecerá agora com o novo governo do caudilho abracadabra? Minha esperança é que pelo menos dois de seus ministros, o juiz Sérgio Moro e o economista liberal Paulo Guedes, moderem e se unam para agir dentro da lei e sem reabrir as portas à corrupção.
Seria uma vergonha o Uruguai conceder asilo a Alan García, que não está sendo investigado por suas ideias e ações políticas, mas sim por delitos tão comuns como receber subornos de uma empresa estrangeira que competia por contratos multimilionários para obras públicas durante sua administração. Seria como fornecer uma fachada de respeitabilidade e vitimismo a quem – se for verdade aquilo do qual ele é acusado – contribuiu de maneira flagrante para desvirtuar e degradar a democracia que, com justiça, este país sul-americano se ufana de ter mantido em grande parte da história. 
O direito de asilo é, sem dúvida, a mais respeitável das instituições de um continente tão pouco democrático quanto o foi a América Latina, uma porta de fuga contra ditaduras e ações terroristas para silenciar os críticos, calar as vozes dissonantes e liquidar os dissidentes. No Peru, conhecemos bem os tipos de regimes autoritários e brutais que semearam muito da nossa história com sangue, dor e injustiça. Mas, precisamente porque estamos cientes disso, não é justo nem aceitável que num período como o atual, em que, em contraste com essa tradição, haja um regime de liberdades e respeito pela legalidade, o Uruguai conceda a condição de “líder politicamente perseguido” a um dirigente que a Justiça investiga como suposto ladrão.
Os juízes e procuradores peruanos que ousaram atacar a corrupção na pessoa dos últimos quatro chefes de Estado têm um apoio da opinião pública que o Judiciário jamais teve em nossa história. Eles estão tentando converter a realidade peruana em algo semelhante ao que o Uruguai representou por muito tempo na América Latina: uma democracia de verdade sem ladrões.

Autor: Mário Vargas Llosa – Prêmio Nobel de Literatura
Tradução de Cláudia Bozzo – Publicado no jornal O Estado de SP.

23 de novembro de 2018

A força do insignificante!

O Brasil, apesar de todos os pesares, continua vivo e funcionando, à espera de dias melhores!
 
Ainda era um estudante. Caminhava com um grupo de colegas a mais de dois mil metros nas montanhas dos Picos de Urbión, na província de Soria, na Espanha. De repente, uma névoa espessa nos envolveu e quase não conseguíamos nos ver. Sem falar, percebemos o perigo que corríamos. A noite estava caindo e não podíamos nos mover por medo de cair em um precipício. O frio começava a açoitar nossos corpos jovens. É nesses momentos que um pequeno detalhe pode ser tudo. De repente um colega mais arrojado conseguiu andar alguns metros e vislumbrou uma luz que parecia ser um fogo. Quase às cegas, nós o seguimos.
A coisa mais primitiva do mundo, a mais essencial, um fogo aceso dentro de uma minúscula cabana de um pastor de ovelhas iria nos salvar. O pastor, cujas mãos pareciam raízes, nos fez sentar junto ao fogo. Esquentou uma tigela de leite. Tirou um pedaço de pão duro de dentro de um saco. O banquete estava servido. Confortada nossa fome, aquecidos pelo fogo, esperamos, quase sem falar, que amanhecesse e o nevoeiro se dissipasse e que pudéssemos voltar ao acampamento. Muitos anos se passaram. Nunca esqueci a sensação que tive ao constatar que o elemental, uma chama, uma tigela de leite quente e um pedaço de pão duro, podem, em sua insignificância, se tornar de repente um sonho de felicidade.
Hoje vivemos em uma sociedade em que o que importa é o grandioso. Os superlativos primam. Na política, na religião e na economia. Tudo é medido em trilhões e quintilhões. O que você escreve nas redes vale a pena se as curtidas abundam. Não importa se te leram, se o que você escreveu fez alguém pensar ou simplesmente sorrir. O que conta é o volume. Não há espaço para a essência.
O insignificante, o invisível, o que germina em silêncio, não tem lugar na mesa milionária do esbanjamento. Nada mais sem valor do que um grão de arroz ou de trigo perdido entre os dedos. Mas esse grão, junto com outros milhões, permite alimentar a humanidade. Poucas coisas são tão insignificantes e frágeis quanto uma lágrima. Unidas, resumem, no entanto, toda a dor e felicidade do mundo. O que nos faz estar vivos não é o que aparece, mas o invisível que se move dentro do nosso corpo, dos átomos às bactérias.
A história de cada um é um acúmulo de fragilidades. Ninguém nasce super-homem, sábio ou herói. A luta nos curte e fortalece. Entramos na vida insignificantes. Nada mais frágil do que um recém-nascido. Chora perdido em um mundo desconhecido e hostil. Aprende a andar caindo. O que nos fascina nele é a capacidade de superar sua fragilidade. Sorrimos quando o vemos sair correndo sem cair. Nos emociona quando pronuncia a primeira palavra vencendo a barreira que o introduz na sociedade do Homo Sapiens.
Toda a nossa vida é uma corrida de obstáculos. Dizemos às crianças, nos lugares de perigo, que se tomem pelas mãos. Juntos somos mais fortes. Multiplicando insignificâncias, cruzamos melhor as barreiras que a vida nos coloca.
Do insignificante nasceu o mais sublime do ser humano. Com um punhado de letras, que não chegam a 30 nas línguas latinas, o Homo Sapiens foi criando, ao longo dos séculos, seus monumentos literários. Foi à mão de uma mulher ou de um homem que gravou a primeira palavra em uma tabuleta de argila. Desde então o mundo não foi mais o mesmo.
Com a linguagem e a escrita, também criamos algo ao mesmo tempo tão pequeno e grandioso quanto às metáforas e os símbolos. Nas palavras, como na vida, o mais significativo geralmente é o que brilha menos. Às vezes, as palavras com menos sílabas são as mais carregadas de força simbólica. Nada mais expressivo do que um sim ou um não. Ou uma interrogação.
A sociedade de hoje se engana quando despreza o normal e corre em busca do surpreendente. Equivoca-se quando prostitui a força dos símbolos. As mãos juntas são, por exemplo, a maior expressão da convivência. A mão fechada, o punho, nos evoca presságios de guerra. Com a mão aberta, se abençoa. Para poder empunhar uma arma, precisamos fechá-la.
As coisas mais belas da natureza costumam ser flor de um dia. É esse gesto insignificante de piscar, frágil como um cristal, que revela que existimos. Neste Brasil agitado e perplexo, o mais significativo é que a roda do cotidiano funcione às 24 horas do dia para que todos possam comer, mobilizar-se, ter luz e água. E se divertir. Não são os grandes feitos o mais importante, mas esses 207 milhões de pessoas que vivem sua vida feita de tristezas e alegrias, sem claudicar.
Tudo isso porque a força de eros e da vida acaba sendo, como dizia Freud, mais poderosa do que a morte. A consciência das pessoas é mais saudável do que os seus deslizes. A verdade do que vivemos é maior do que todas as fake news que o poder tenta colocar sobre nossos ombros. O Brasil, apesar de todos os pesares, continua vivo e funcionando, à espera de dias melhores.
A minúscula cabana daquele pastor na montanha, com o fogo aceso e sua acolhida amistosa no meio de um nevoeiro que poderia ter sido mortal, me lembra ainda hoje que muito do que lutamos para conquistar não vale a sensação que produz a força do essencial e do inesperado.

Autor: Juan Arias - El País

22 de novembro de 2018

Da medicina e seus antigos problemas!

“Loucos são apenas os significados não compartilhados.
A loucura não é loucura quando compartilhada”.
Zygmunt Bauman

Depois do final da eleição voltou à discussão no país a questão do “Programa Mais Médicos”. Infelizmente, a discussão não gira em torno da medicina, do atendimento aos necessitados abaixo da linha da pobreza e que estão completamente desamparados há muito tempo, mas sim, em torno de ideologia barata, demagogia inútil e sem que sejam apontados caminhos a serem percorridos a partir de 2019.
A verdade desde há muito anos é que os médicos recém-formados sempre preteriram os Estados menos desenvolvidos, as cidades mais distantes e acabaram se concentrando no Sul e Sudeste do país. Mesmo assim, dentro do Estado de SP, as regiões mais pobres como o Vale do Ribeira, sofrem até hoje com a ausência de médicos brasileiros em várias especialidades.
O Brasil conta com 450 mil médicos com CRM ativo no país (dados de 2018), número que está aumentando nas maiores taxas já vistas na história. Os programas eleitoreiros do governo fizeram com que várias vagas fossem abertas em faculdades do país inteiro e que houvesse flexibilização para a entrada de médicos estrangeiros no país sem o Revalida, exame que comprova a proficiência desses profissionais na área médica.
Em 2018, a perspectiva é de que se formem cerca de 25 mil médicos no país, o que daria um acréscimo de 5,5% ao ano. A expectativa era que esses profissionais se interiorizassem, mas a necessidade de especialização e atuação em um mercado cada vez mais competitivo faz com que os recém-formados permaneçam nos grandes centros.
Os profissionais que conseguem se destacar acabam em consultórios particulares ou criam clínicas para poderem se especializar. Oferecer um bom serviço técnico é uma obrigação, somada a necessidade de oferecer uma excelente experiência para o paciente com o seus serviços.
O Brasil tem um déficit enorme de médicos por habitantes. Embora este quadro tenha melhorado um pouco nos últimos anos com a disseminação de novos cursos, ainda não é o suficiente para ocupar as vagas ociosas pelo país.
Temos aproximadamente 310 (Trezentos e dez) faculdades de medicina, o que o nos torna o primeiro no mundo em quantidade de vagas nesta área. Essa extensão visa suprir o interior do país, onde há maior dificuldade de preencher os espaços. Entretanto, não há por parte do governo nenhuma estratégia inteligente e eficaz que consiga fazer com que os médicos recém-formados se interessem por exercer sua profissão no Norte, Nordeste e Centro Oeste do país.
Atualmente, a taxa de médicos por 100 mil habitantes aumentou para 10,35 e a tendência é melhorar. Bem próximo dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que hoje é estipulado em 10,56. O indicador é ótimo, sobretudo se consideramos países como EUA com 6,5 e Suíça com 9,4.
Esse índice melhora porque há mais médicos se formando do que se aposentando. A previsão para até 2020 é que 32 mil médicos se formem por ano. Em 2016, já foram 21.109 médicos formados e lançados para o mercado de trabalho. O contrassenso está no fato de que o Interior do país concentra cerca de 70% da população do Brasil, mesmo assim, têm apenas 1,23 médicos a cada cem mil habitantes, enquanto os grandes centros possuem 4,84 médicos por cem mil habitantes.
A situação se reflete nas regiões, onde o Sudeste possui 42% da população e tem 55,4% de médicos, contra o Nordeste que tem 27,8% da população e 17,4% dos médicos. As mais equilibradas são o sul, com 14,3% da população e 15% dos médicos, e o Centro Oeste, com 7,7 da população e 7,9% médicos do país.
O novo governo que tomará posse em janeiro de 2019, precisará fomentar políticas públicas que possam estimular a fixação de profissionais de medicina nas regiões menos assistidas. Para isso, é preciso não apenas levar os médicos para estas regiões com salários dignos e compatíveis, mas, dotar estas regiões com infraestrutura, bons hospitais, acesso a programas de educação continuada e as formas adequadas de trabalho para que eles possam exercer a medicina em condições excelentes.
Fontes: IMedicina, CRM, Jornal O Estado de SP.

Autor: Rafael Moia Filho - Escritor, Blogger e Gestor Público.

18 de novembro de 2018

Stan Lee, um mestre do marketing que diluía a autoria!

Criador, falecido aos 95 anos, fez dos super-heróis um mito (dos negócios).

É cedo para avaliar o impacto de Stan Lee, falecido na segunda-feira aos 95 anos, na cultura popular do século XX. Sua figura mitificada como criador dos super-heróis mais famosos e reconhecidos dos quadrinhos da hoje todo-poderosa produtora cinematográfica Marvel Comics, um paradoxo talvez, mas que representam à perfeição esse particular personagem cheio de nuances e contradições.
Lee soube mudar a forma de se fazer quadrinhos mudando o foco dos personagens e dos artistas a um editor transformado em estrela absoluta: além de sua discutida contribuição à criação de ícones como o Homem-Aranha e o Quarteto Fantástico, o sucesso de Lee foi criar um sistema onde a genialidade de Jack Kirby e Steve Ditko, autênticos mestres do lápis e verdadeiros cocriadores (em muitos casos, criadores únicos) das séries, ficava em segundo plano.
Seu “Stan Lee apresenta” — como indicam ainda hoje os cabeçalhos de apresentação dos quadrinhos da empresa — se assentava em um “método Marvel” que diluía totalmente a autoria entre uma azeitada equipe criativa onde seu nome estava acima dos outros. Mas, principalmente, Lee foi um mestre inovador do marketing no comic-book, cujos sucessos e acertos devem ser comparados mais com empresários famosos como Lee Iaccoca do que com os mais reconhecidos artistas do gênero.
É verdade que um desses grandes acertos, se pode ser atribuído a ele algum mérito criativo, foi levar seus super-heróis de sua editora à realidade, conseguindo tornar verossímil o fato contraditório de que um homem e uma mulher de pijama com superpoderes sejam “mais humanos”; mas é provável que esse sucesso não seja nada comparado a outro mais importante: criar a primeira “rede social” da história, o Universo Marvel, um espaço reconhecido em que os fãs se envolveram com os personagens e o editor através das cartas dos leitores onde Lee conversava com informal proximidade com os leitores, aumentando sua lenda e aproveitando para colocar as bases do quadrinho como eixo da futura transmídia.
Sua muito discutível gestão da autoria dos personagens e da empresa, que faliu nos anos noventa, nunca estragou sua imagem: Lee sabia se vender e se recriar continuamente como um de seus personagens, um autêntico super-herói dos quadrinhos que transpôs a realidade para se recriar, ele mesmo, em um símbolo da cultura popular do século XX projetado através de suas pontas cinematográficas no século XXI.

Autor: Álvaro Pons 

16 Motivos para pensar que, efetivamente, os japoneses são de Marte!

Reflexões de um grupo de viajantes principiantes no país asiático sobre as peculiaridades, raridades e curiosidades de um destino turístico que não parece deste mundo!
Faz um mês que estou viajando pelo Japão para fazer uma série de reportagens e acompanhar dois grupos do El Pais Viajes. Não é a primeira vez que venho guiando viajantes em sua primeira visita a este país asiático e sempre adoro ver suas reações e gestos quando descobrem as peculiaridades de uma nação inclassificável. Eu me atreveria a dizer que é única no mundo. Tanto que possivelmente não seja deste, mas do espaço exterior. Perguntei a alguns desses viajantes o que lhes causou a maior surpresa entre as singularidades japonesas. Estas são algumas delas:
1. Um país sem lixeiras (nem lixo no chão)!
No Japão, as crianças são educadas desde pequenas para não jogar o lixo na lixeira e a levá-lo para casa. É por isso que quase não há latas de lixo em espaços públicos. Se você tem um papel, uma embalagem ou uma ponta de cigarro leva no bolso até chegar em casa. E ainda assim, não se vê nada jogado nas calçadas. Um grupo de marcianos.
2. Você deixa a bicicleta na rua e no dia seguinte ela está no mesmo lugar!
O índice de furtos na rua é ínfimo. Em cidades superpopulosas como Tóquio as bicicletas são deixadas nas calçadas, na porta do prédio, com um simples bloqueador de roda (nem mesmo presas com um cadeado a um poste ou uma cerca). E na manhã seguinte, lá continuam. É verdade que é proibido deixá-las em qualquer lugar. Têm de ser guardadas em estacionamentos próprios para bicicletas, que são pagos.
Bicicleta estacionada na rua sem grandes medidas de segurança. Paco Nadal
3. Não se fuma na rua, mas é permitido nos restaurantes!
É proibido fumar na rua enquanto se caminha porque você pode incomodar ou queimar outro transeunte. Você só pode fumar em áreas demarcadas e sinalizadas da via pública, onde há cinzeiros. No entanto, você pode fumar em restaurantes, se assim o proprietário definir. Ou seja, há restaurantes livres de fumo, outros com área para fumantes e – menos – os com 100% de direito a fumar.
4. Um país sem gorjetas!
Não se dá gorjeta para nenhum serviço, e isso é até malvisto. Se alguém deixar cinco ienes do troco na mesa, o garçom persegue a pessoa até a porta para lhe dizer que esqueceu uma coisa.
5. Não há carros estacionados na rua!
No Japão, é proibido estacionar em espaços públicos. Se você tem um carro ou tem garagem própria ou o leva a um estacionamento público (que custa uma nota). A multa é de 18.000 ienes (650 reais) e você não verá à noite nenhuma cidade com ruas lotadas de carros bem ou mal estacionados.
6. No trem não se fala no celular!
O Shinkansen é o sistema nacional de trens-bala que une todo o país em velocidades só comparáveis apenas a sua eficiência e pontualidade. A bordo é proibido falar no celular para não atrapalhar outros viajantes. Mas o mais incrível é que todos obedecem. Como no trem de alta velocidade na Espanha.
7. Cachorros- bebê!
Para um amante de animais de estimação, o cão ou gato se torna um membro da família. Mas a relação cachorro-dono no Japão rompe todos os limites. Não sei se é pela complicação em ter (e criar) uma criança (o Japão é um dos países com menor taxa de natalidade e um terrível problema de envelhecimento da população) ou por qual estranha razão, mas a verdade é que há uma multidão de casais, muitos deles jovens, tratando seus cães como se fosse bebê, incluindo levá-los em cestos ou carrinhos de bebê.
8. Prevenir, melhor que curar!
Nos genes japoneses está escrito que a prevenção é a melhor maneira de evitar males maiores. Qualquer obra pública – mesmo que seja mudar três peças lajotas da calçada – é uma concentração de barreiras de proteção e luzes de advertência coordenados por um exército de trabalhadores usando capacete, óculos de segurança, uniformes e coletes reflexivos. Dois ou mais deles são encarregados de sinalizar a obra para pedestres ou motoristas, se for o caso, apesar da exibição de luzes coloridas, pois pode ser que ainda não as tenham visto.
9. Filas silenciosas!
Para um japonês, fazer fila faz parte da rotina diária. E eles fazem isso de uma maneira ordenada, silenciosa e paciente, sem que ninguém sequer pense em furar. O japonês é muito ligado a seguir as novas tendências. Se uma sorveteria se tornou moda, ele não hesitará em passar uma hora na fila ao ar livre para pegar seu precioso (e possivelmente superestimado) sorvete.
10. Banheiros públicos, limpos e gratuitos!
Em nenhum outro país do mundo os viajantes que me acompanham viram tantos banheiros públicos e gratuitos. E, ainda por cima, limpos como uma balsa. Mesmo no meio do mato, na estrada para Nakasendo (rota histórica que liga Edo/Tóquio a Quioto) vimos um dia destes um solitário em uma área despovoada e que, para surpresa de todos, ao abrir a porta tinha luz, papel higiênico e um vaso tão limpo que você poderia se sentar nele. De marcianos.
11. Um cartaz para cada situação!
Os japoneses não falam nenhuma outra língua estrangeira. Mas há cartazes que explicam tudo. Uma oferta esmagadora de decretos explicativos como se a população fosse composta de crianças de dois anos de idade. De um mapa sobre a situação dos mictórios e vasos sanitários em um banheiro de estrada até como usar um elevador.
12. Ruas sem nome!
Não pergunte por que, mas nas ruas japonesas o nome não é colocado em uma placa. Nem, pelo menos, no início e no final, como no restante do mundo. Isso significa que, se você não for um carteiro, encontrar um endereço será a tarefa dos super-heróis da Marvel. Graças a Deus, existe o Google Maps.
13. Sexo sem penetração!
A indústria do sexo é muito poderosa no Japão. Isso deu origem ao fuuzoku annai-jo (literalmente, lugares de informação gratuita), escritórios que informam sobre o lazer adulto e noturno em um bairro, do passeio mais singelo ao sexo pesado. Pode ser a contratação de um host ou hostess (companhia masculina ou feminina para conversar, se vestir de acordo com suas fantasias ou sair para jantar acompanhado/a, tudo muito naif e sem sexo ou toques) ou o passeio de um adulto com uma adolescente vestida de colegial. Também sexo em seus vários graus legais (no Japão sexo por dinheiro só é ilegal se houver penetração).
14. Tudo é reciclável!
Nas comunidades do bairro, a gestão de lixo é muito rigorosa. O lixo orgânico é retirado todos os dias, mas o reciclável só uma vez por semana, de acordo com as normas locais. Por exemplo: terça-feira, papel; quarta-feira, plásticos e embalagens, etc. Se você não cumprir, os seus vizinhos te chamam a atenção com muita raiva.
15. Religião pelo civil!
A sociedade japonesa é muito moderna, tecnológica e consumista. Mas não hesitam em fazer fila de duas horas ordenadíssimas, claro – no dia de um festival religioso em um templo específico só para cumprir a tradição de jogar algumas moedas no santuário, bater palmas duas vezes e fazer uma reverência diante do altar.
16. Bondade em abundância!
Mas se algo impressiona um viajante novato no Japão acima dessas 15 razões anteriores, é a gentileza do povo. Este é um ditado clássico de muitos países, mas no Japão não é um tópico. É a pura realidade. Peça informações, diga que não entende o cardápio em um restaurante ou entre em um banco para perguntar se trocam dinheiro e eles vão te atender com um sorriso e uma série de genuflexões que farão você se sentir o rei do mambo. Apesar de você não ter entendido nada do que eles dizem, porque nem Deus fala inglês.
NOTA: Todos esses comentários podem levar à conclusão de que nos deparamos com a sociedade perfeita. Mas não é assim. A primazia do público sobre o privado, a elevada auto exigência no trabalho, as relações pessoais frias e rígidas também geram problemas sociais. Mas esse seria outro debate. Entenda estes 16 pontos como percepções simples de um viajante que descobre as curiosidades de um país estranho. Sem pretensões de filosofar sobre a complexa sociedade japonesa.

Autor: Paco Nadal – El País

12 de novembro de 2018

Os muros de pedra e os muros invisíveis!

Muros foram sempre um símbolo do medo. Atualmente os muros invisíveis são ainda mais graves, porque nos separam espiritualmente!

Numa noite de 9 de novembro, há 29 anos, o mundo despertou com a alegre notícia de que o Muro de Berlim, de 130 quilômetros, conhecido como “muro da vergonha”, tinha começado a ser derrubado, permitindo que as duas metades da cidade dividida voltassem a se abraçar. Se as muralhas de pedra, da chinesa até as de hoje, passando pela romana de Adriano, foram sempre um símbolo do medo em relação ao inimigo, atualmente os muros invisíveis são ainda mais graves, porque também nos separam espiritualmente.
Os muros de pedra e cimento que continuam sendo erguidos no mundo revelam a incapacidade de saber viver fisicamente em liberdade, enquanto os muros invisíveis das ideologias que nos separam, às vezes até mesmo entre amigos e familiares, são construídos com a incapacidade de dialogar e de aceitar quem é diferente.
Se os muros físicos simbolizam a incapacidade de resolver as diferenças usando os instrumentos das democracias modernas, os muros invisíveis que erguemos por não saber ler a angústia e as razões do outro podem nos conduzir a rupturas mais profundas e mais difíceis de consertar.
Hoje, mais perigosos do que os muros físicos são os muros invisíveis que dividem as classes sociais, que separam os privilegiados do asfalto das periferias dos excluídos, os que possuem tudo daqueles que não têm um mínimo para viver com dignidade. São também os muros invisíveis que se tentam levantar, por exemplo, nas escolas e universidades entre alunos e professores. Já não se trata da antiga luta de classes que separava os trabalhadores dos patrões, e sim da que divide uma sociedade onde estão desaparecendo os limites entre liberdade e barbárie, entre grosseria e cultura, entre quem não abre mão de pensar e quem preferiria nos impor um pensamento único.
Não há muro pior do que o levantado entre o saber e a ignorância, que separa os satisfeitos dos desesperados, os que se sentem donos da verdade daqueles que a buscam as tropeções, conscientes de que ela não existe em estado puro. Existem só fragmentos dela, que o pensamento e o coração de cada um vão montando para desenhar seus sonhos. E querem que lhes deixem fazer isso livremente, sem dogmas ideológicos ou religiosos.
Derrubado o Muro de Berlim naquele 9 de novembro de 1989, enquanto a liberdade corria pelas ruas e praças da cidade, centenas de artistas anônimos se juntaram para criar, nos pedaços do muro ainda em pé, a maior tela de pintura do mundo como expressão da grande festa da liberdade.
Não era fácil ultrapassar aquele muro de cimento nem mesmo com permissões oficiais. Consegui atravessá-lo seis meses antes que fosse derrubado. Lembro-me da incômoda liturgia a que fui submetido antes de poder passar de carro para o outro lado. Pude ver de perto o horror daquelas cercas eletrificadas e as mandíbulas ferozes dos cães policiais. Mais tarde eu soube, com dor, que aqueles animais adestrados para matar, testemunhas dia e noite de tantos medos, desapareceram sem que se soubesse seu paradeiro. Tudo ali, enquanto existia o muro, estava coberto pelo luto da segregação. Aberta a primeira brecha de liberdade, centenas de artistas voluntários chegaram para revestir os pedaços do muro com as cores da felicidade.
Quando os espaços para que possamos nos expressar são fechados, está sendo morto o que o Homo sapiens tem de mais nobre, sua capacidade de criar e inventar. É bom lembrar disso nestes tempos de ansiedade e perplexidade que sacodem o Brasil, que se esforça para não perder valores e liberdades que custaria tanto recuperar.

Autor: Juan Arias – Publicado no Jornal El País

10 de novembro de 2018

A última pá de cal no Judiciário!

Infeliz da geração cujos juízes
merecem ser julgados.
Texto Judaico

A história que irei transcrever a seguir nos dá a exata dimensão de como nosso país está imerso na mediocridade, com praticas antigas que remontam tranquilamente ao Século XVIII. A vítima desta vez foi um juiz e não um cidadão comum, o que é ainda mais preocupante.
Após ser condenado à pena de aposentadoria compulsória, por uma série de condutas que não chegam nem perto do nível de gravidade exigido para este tipo de pena, o juiz Fernando Cordioli está indo ao STJ contra a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e pretende ir à Organização dos Estados Americanos - OEA caso sua demanda não surta efeito.
Fernando Cordioli foi empossado juiz em 2007 em Santa Catarina e passou por 13 comarcas como juiz substituto sem reclamações. Em 2010, começou a aparecer na imprensa catarinense após algumas decisões que proferiu, sendo a de maior repercussão uma matéria que narrava como ele foi, pessoalmente, apoiado pela PM e um Promotor de Justiça para dar cumprimento a uma sentença que determinava a demolição da casa de um vereador de Joaçaba que estava em área de APP (Área de Preservação Permanente, com restrições para a construção de edificações).
Foi promovido para a cidade de Otacílio Costa - SC e, por conta de sua atuação pouco disposta a respeitar o interesse de pessoas poderosas (Políticos e Empresários) da região, foi advertido por um funcionário de que "sua cabeça estava a prêmio". Diante disso, o juiz se inscreveu para a comarca de Canoinhas, promoção a que tinha direito, mas acabou sendo recusado sem justificação e, em vez disso, teve que responder a um Procedimento Administrativo Disciplinar em 2013.
Em resumo, ele foi acusado de instabilidade emocional, pelo simples fato de que estava agindo em nome da lei e punindo severamente aqueles que não agiam de acordo com as leis. Isso por incrível que possa parecer incomodou e muito as autoridades do próprio sistema judiciário, que deveriam dar guarida e proteção aos seus membros que estivessem agindo em consonância com esta pratica salutar.
Principalmente por que ao longo dos últimos anos tem sido frequente as acusações de participações de desembargadores e juízes na venda de sentenças, crimes de peculato e outras formas que denigrem a imagem da Justiça brasileira. Estes juízes fora da lei não são condenados, mas afastados mantendo todas as suas regalias e vencimentos em aposentadorias milionárias.
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ em Santa Catarina, decidiu afastar o Juiz Fernando Cordioli por 49 votos contra 13, alegando instabilidade emocional e o obrigando a passar por avaliação psiquiátrica. Por instabilidade devemos entender que o Juiz Cordioli enfrentava o Ministério Público quando este engavetava processos movidos contra ricos e poderosos de seu Estado. Ele afirmava que o MP facilitava a ida dos coronéis da política catarinense e só prendiam os chamados por ele de PPP (Pretos, pobres e prostitutas)
Cordioli era chamado de Juiz Coragem, por expor em seus processos os desvios morais e de ética de membros do judiciário, advogados e do MP. Em outras ações ele mandava leiloar carros, imóveis de políticos e empresários corruptos em praça pública para reverter o dinheiro desviado dos cofres públicos. Em 2012 agiu desta forma contra o Prefeito da cidade de Palmeira - SC, leiloando três automóveis do mandatário da cidade em praça pública.
Esse rigor do juiz Fernando é denominado pelo CNJ de instabilidade, ou seja, cumprir a lei, ser rígido com todos, inclusive com os poderosos da elite política do Estado?. Se dotar a justiça de agilidade como todos os brasileiros desejam há décadas é ser instável emocionalmente, como seria bom se o Brasil tivesse centenas de juízes nesta condição apontada pela CNJ.
Autor: Rafael Moia Filho - Escritor, Blogger e Gestor Público.

7 de novembro de 2018

Zygmunt Bauman: Estamos isolados em rede?

“As relações humanas não são mais espaços de certeza, tranquilidade e conforto espiritual. Em vez disso, transformaram-se numa fonte prolífica de ansiedade. Em lugar de oferecerem o ambicionado repouso, prometem uma ansiedade perpétua e uma vida em estado de alerta. Os sinais de aflição nunca vão parar de piscar, os toques de alarme nunca vão parar de soar." - Zygmunt Bauman

Em tempos líquidos, a crise de confiança traz consequências para os vínculos que são construídos. Estamos em rede, mas isolados dentro de uma estrutura que nos protege e, ao mesmo tempo, nos expõe. É isso mesmo? O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro Medo líquido, diz que estamos fragilizando nossas relações e, diante disso, nos contatamos inúmeras vezes, seja qual for a ferramenta digital que usamos, acreditando que a quantidade vai superar a qualidade que gostaríamos de ter.
Bauman diz que, nesses tempos líquidos-modernos, os homens precisam e desejam que seus vínculos sejam mais sólidos e reais. Por que isso acontece? Seriam as novas redes de relacionamento que são formadas em espaços digitais que trazem a noção de aproximação? Talvez sim, afinal a conexão com a rede, muitas vezes, se dá em momentos de isolamento real. O sociológo, então, aponta que, quanto mais ampla a nossa rede, mais comprimida ela está no painel do celular. “Preferimos investir nossas esperanças em 'redes' em vez de parcerias, esperando que em uma rede sempre haja celulares disponíveis para enviar e receber mensagens de lealdade", aponta ele.
E já que as novas sociabilidades, aumentadas pelas pequenas telas dos dispositivos móveis, nos impedem de formar fisicamente as redes de parcerias, Bauman diz que apelamos, então, para a quantidade de novas mensagens, novas participações, para as manifestações efusivas nessas redes sociais digitais. Tornamo-nos, portanto, seres que se sentem seguros somente se conectados a essas redes. Fora delas os relacionamentos são frágeis, superficiais, “um cemitério de esperanças destruídas e expectativas frustradas".
A liquidez do mundo moderno esvai-se pela vida, parece que participa de tudo, mas os habitantes dessa atual modernidade, na verdade, fogem dos problemas em vez de enfrentá-los. Quando as manifestações vão para as ruas, elas chamam a atenção porque se estranha a formação de redes de parceria reais. “Para vínculos humanos, a crise de confiança é má notícia. De clareiras isoladas e bem protegidas, lugares onde se esperava retirar (enfim!) a armadura pesada e a máscara rígida que precisam ser usadas na imensidão do mundo lá fora, duro e competitivo, as 'redes' de vínculos humanos se transformam em territórios de fronteira em que é preciso travar, dia após dia, intermináveis conflitos de reconhecimento."

Autor: Zygmunt Bauman - Fronteiras do Pensamento

6 de novembro de 2018

O que é (exatamente) a inteligência emocional?

As emoções transformaram o cérebro dos mamíferos há mais de 200 milhões de anos e perpetuaram uma poderosa influência que se mantém viva em nossa espécie

Jovens beijam-se em Madri com a Catedral de Almudena ao fundo. 
Foto Luis Sevillano
A expressão "inteligência emocional" está incluída hoje no léxico de muitos, tanto de pessoas comuns quanto de intelectuais ou celebridades. Até mesmo ministros usam a expressão em seus comentários e alertas. Mas nem todo mundo se refere à mesma coisa quando usa essa expressão. Para alguns, a inteligência emocional é algo como um tipo de inteligência mais avançada do que a clássica, ou seja, do que a inteligência analítica, medida em testes que fornecem resultados em quociente numérico.
Há também aqueles que se referem à inteligência emocional pelo lado negativo, como uma incapacidade de controlar as emoções: "Comporta-se como se não tivesse inteligência emocional". Também não faltam aqueles que acreditam ser um novo tipo de inteligência recém-inventada, pois, afinal de contas, o conceito de inteligência não é absoluto, tal como a altura ou o peso de uma pessoa, pois sempre depende do critério do observador. Outros, por sua vez, sequer sabem a que se referem quando falam sobre esse tipo de inteligência. Talvez, por tudo isso, valha a pena tentar esclarecer o conceito.
Há alguns anos, a popular revista Time colocou na capa de uma de suas edições uma pergunta escrita em letras garrafais e dirigida ao público em geral: "Qual é o seu quociente de inteligência emocional?". A própria revista, em letras muito menores, respondia: "Não é o seu quociente de inteligência. Nem sequer é um número. Mas a inteligência emocional pode ser o melhor preditor de sucesso na vida, redefinindo o que significa ser inteligente". Foi à época em que o jornalista Daniel Goleman havia publicado seu conhecido e bem-sucedido livro Inteligência Emocional, fazendo com que muitos acreditassem que ele tinha criado ou descoberto esse (novo) tipo de inteligência.
O conceito também serviu para que muitos ousassem desafiar a evolução biológica do cérebro e as habilidades mentais, colocando a emoção à frente da razão, dando primazia à primeira. Certamente, as emoções transformaram o cérebro dos mamíferos há mais de 200 milhões de anos e perpetuaram uma poderosa influência que se mantém viva em nossa espécie até os dias atuais. Mas, em muito menos anos, embora não poucos, cerca de 60 milhões, o cérebro dos primatas desenvolveu o neocórtex, o córtex cerebral moderno, um acúmulo de neurônios altamente organizados e capazes de dominar o resto do cérebro. Esse desenvolvimento conferiu, embora nem sempre notemos, primazia à razão, ou seja, a capacidade de dominar os sentimentos.
O desenvolvimento ocorreu de uma maneira muito especial, que tampouco costumamos perceber. Como um sujeito fabuloso e perspicaz, a razão se propôs a dominar a emoção usando suas próprias armas: uma emoção só pode ser eliminada por outra emoção, outra emoção que seja mais forte e poderosa e/ou incompatível com a qual se deseja eliminar.
Qualquer pessoa que tenha sofrido uma crise sentimental, como ser abandonada por seu parceiro, sabe muito bem que a melhor maneira de superar essa crise não é tanto subestimar a perda, e sim iniciar um novo romance. E, para isso, para despertar emoções incompatíveis com as indesejáveis, é para o que serve a razão. Bem usada, a razão sempre será mais poderosa do que as emoções. Tanto a razão quanto a emoção fazem parte do sistema funcional que é a mente humana. Vão juntas e dependem uma da outra. A inteligência emocional é a capacidade de lidar com as emoções usando a razão. As emoções são o exército indispensável que continuamente mobiliza a razão.
Quem soube disso antes e melhor não foi o jornalista Daniel Goleman, nem os psicólogos John Mayer e Peter Salovey, da Universidade Yale (EUA), estudiosos modernos do conceito. Foi o imperador romano Marco Aurélio (121-180 dC), que ficou conhecido como o sábio e verdadeiro pai da inteligência emocional. Em seu imperecível trabalho, Meditações, excelente tratado sobre a inteligência emocional, inclui a frase que todas as faculdades de Psicologia deveriam esculpir com um martelo e cinzel sobre o mármore de sua fachada: "Nossa vida é o que nossos pensamentos fazem dela".
Ninguém captou melhor a essência evolutiva da mente humana do que este grande filósofo da Roma Antiga; a capacidade de raciocínio para modificar as emoções, a maneira de ver as coisas, embora não possamos mudá-las.
Essa capacidade, afirma Marco Aurélio, está sempre ao nosso alcance para facilitar a vida. Usando o neocórtex, podemos fazer com que nosso raciocínio, nossas emoções e nosso comportamento se encaixem. Esse encaixe é a verdadeira essência da inteligência emocional, uma capacidade mental tão antiga quanto o próprio Homo sapiens.
Mas quem não deseje voltar a tempos tão remotos, ainda resta à possibilidade de educar sua inteligência emocional seguindo os passos do autor clássico espanhol mais lido e traduzido depois de Cervantes, o jesuíta Baltasar Gracián (1601-1658). Sua obra A Arte da Prudência, publicada em 1647 e traduzida em vários idiomas, às vezes em belos formatos de papel bíblico e fita de referência, é um dos melhores tratados sobre inteligência emocional que podem ser lidos atualmente.
Como relatado pelo EL PAÍS em 16 de dezembro de 1993, seu autor nunca poderia imaginar que uma de suas traduções nos EUA, de 1992, venderia mais de 100.000 cópias. Além disso, e respondendo a uma pesquisa do The New York Times, a escritora Gail Godwin recomendou a leitura da obra a políticos aspirantes às eleições presidenciais naquele país. Na Espanha ou no Brasil, o mesmo conselho também poderia servir.

Autor: Ignacio Morgado Bernal é diretor do Instituto de Neurociências da Universidade Autônoma de Barcelona. Barcelona: Ariel, (2010).

5 de novembro de 2018

Um déficit inaceitável!

Não tenha medo de ter opiniões excêntricas.
Toda opinião hoje aceita já foi, um dia, excêntrica.
Bertrand Russell

Não existe governo perfeito, porém, há muito tempo, ouvimos governantes e partidos políticos reclamarem do tempo disponível para fazerem as transformações necessárias, reformas, enfim, governar com qualidade deixando para a posteridade marcas de suas gestões.
É fato que um período de 24 anos é muito mais do que suficiente para que um partido político, com vários gestores, possam realizar muitos trabalhos em prol de uma sociedade.
No caso de SP, existe uma quebra desse paradigma, visto que, em 1995 o PSDB subiu ao poder no Estado mais rico da nação com Mário Covas, reeleito em 1998, morto em 1999, foi substituído por seu vice Alckmin, reeleito em 2002. Em 2006, assume José Serra, voltando novamente Alckmin em 2010 para ficar até 2018.
A saga não para, tendo João Dória vencido novamente as eleições para ocupar o mesmo cargo de 2019 a 2022. Se completar a gestão a frente do governo do Estado estarão por vinte e oito anos governando o mesmo Estado ininterruptamente.
A Coreia do Sul, depois de ver seu país dividido por uma guerra é um exemplo concreto de que este período de tempo é mais do que suficiente para grandes realizações. Até 35 anos atrás, os sul-coreanos eram mais pobres do que os brasileiros. O PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país asiático era inferior ao do Brasil. Hoje, não há comparação possível e os números daquele país asiático são três vezes mais altos: em torno de 27.200 dólares contra 8.600 dólares do Brasil, segundo o Banco Mundial.
Além do exemplo da Coreia, podemos incluir a Arábia Saudita, China, Índia, Indonésia, Japão, Chile, México, Turquia e Malásia. Vinte e quatro anos é um período demasiado para ser desperdiçado como foi feito na gestão tucana em SP. Um exemplo péssimo de má gestão ao longo da linha do tempo desde 1995.
Muitos são os exemplos que poderiam ser elencados e discutidos neste espaço, mas ficarei com a segurança pública. Quando assumiram o governo paulista, os efetivos da Polícia Militar e Civil eram suficientes para combater a criminalidade.
Hoje, passados vinte e quatro anos, temos um déficit de vinte e cinco mil policiais nas duas corporações. Justamente quando percebemos um crescimento assombroso das organizações criminosas em todo país e em particular no Estado de SP. Como combater a criminalidade largando com um déficit de tantos homens? Pior ainda, sem ter havido no mesmo período investimentos em tecnologia de ponta para poder integrar a força policial com a Polícia Federal.
Falta mão de obra, falta tecnologia e até coisas mais simples de serem repostas como equipamentos básicos (Coletes, Armas de grosso calibre para combater em igualdade de condições as organizações criminosas, treinamento e salários dignos).
É impossível aceitar qualquer desculpa para um partido que durante tantos anos pensa em economia e joga no lixo a segurança da população com medidas estapafúrdias e sem sentido algum. Éramos para ter em SP, caso o PSDB tivesse trabalhado com seriedade, uma segurança digna dos países de primeiro mundo como Canadá, Austrália, Japão, etc.
Porém, ao reclamar, lembramos que uma parcela considerável da sociedade paulista está feliz com esses números apresentados acima. Visto que, deram seus votos de confiança ao mais fraco e pior dos políticos do PSDB para continuar a saga da gestão tucana no Estado de SP em 2018.
Uma eleição estranha na medida em que o país guindou ao cargo um candidato liberal de extrema direita, muito bem votado no Estado de SP, porém, sem nenhum vinculo com o PSDB, tanto em seu futuro governo como nas suas ideias liberais. Tanto isso é verdade, que ele não recebeu Dória ao final do primeiro turno, demonstrando que não se sentia a vontade ao seu lado e de seu partido. 

Autor: Rafael Moia Filho - Escritor, Blogger e Gestor Público.

3 de novembro de 2018

A nova era Bolsonaro chegou!

Que semana... A sociedade civil brasileira tem o direito de pedir serenidade ao futuro chefe de Estado. E suas entidades têm o dever de controlar abusos e incoerências dos eleitores. O candidato antissistema precisa repensar o que diz, afinal, ele é sistema agora.
Quatro alunos da Faculdade de Economia e Administração (USP) entraram com roupas militares, armas e as placas “a nova era está chegando” e “está com medo petista safada?” na faculdade e tiram fotos. A USP já identificou três e abriu sindicância.
Aluno da universidade de Bragança Paulista foi preso ao entrar com canivete, rifle de airsoft e bastão, e ameaçou colegas. A Guarda Civil o prendeu em flagrante. A universidade abriu uma sindicância para apurar. O aluno negou as ameaças, mas não explicou as armas.
Quatro apoiadores do presidente eleito invadiram assembleia do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, em Camboriú (SC). O empresário Emílio Dalçoquio, de Itajaí, exaltou-se e deu vivas ao ditador chileno Augusto Pinochet: “Matou quem tinha que matar”.
Segunda-feira, estudante do curso pré-vestibular Oficina do Estudante, de Campinas, levou uma arma de brinquedo e ameaçou os colegas. Disse que voltaria para matar estudantes homossexuais. Foi expulso.
Mãe jornalista de Natal (CE) fantasiou o filho de escravo para o Halloween da escola e postou fotos. Chegou a maquiar as costas do garoto com marcas de chicote. Queria abrasileirar a festa, contou: “Não leiam livros de história do Brasil. Eles dizem que existiu escravidão de negros no País, mas isso é mentira”. Pediu desculpas depois e apagou as fotos. O MP ainda não decidiu se instaura processo.
Deputada estadual recém-eleita, professora Ana Campagnolo, abriu um canal de denúncias na internet para fiscalizar “professores doutrinadores” que, em sala de aula, tivessem “manifestações político-ideológicas”. O juiz Giuliano Ziembowicz, da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, determinou que a deputada retirasse a publicação, pois “fere o direito dos alunos de usufruírem da liberdade de expressão da atividade intelectual em aula, que deve ser exercida sem censura.”.
O governador eleito do Rio, Wilson Witzel, pediu desculpas à família de Marielle Franco, depois de apoiar a quebra da placa de rua com o nome da vereadora do PSOL executada.
A Marcha do Chola Mais foi agendada pelo Facebook para “cantar e comemorar” a vitória de Bolsonaro pelas ruas da USP. Um dos organizadores, deputado estadual eleito (PSL-SP), Paulo Douglas Garcia, cofundador do movimento Direita São Paulo, não estuda na instituição. Rolou empurra-empurra.
Estudante da Faculdade de Direito do Mackenzie postou vídeos afirmando “estar armado com faca, pistola, o diabo, louco para ver um vagabundo com camiseta vermelha para matar logo”, e “essa negraiada vai morrer”. Pediu desculpas depois, disse que foi uma “bobagem”, um “impulso”, uma “fala completamente equivocada”: “Acabei externando nessas palavras completamente equivocadas, erradas, a pessoas que não tinham nada a ver com a minha indignação. Pelo contrário, não sou uma pessoa racista, muito menos violento”. O MP de São Paulo abriu inquérito.
Ele foi suspenso da faculdade e mandado embora da firma em que trabalhava, DDSA Advogados, que soltou: “Tomamos conhecimento, na tarde de hoje, de vídeo que circula nas redes sociais com declarações efetuadas por acadêmico de Direito que fazia estágio no escritório e imediatamente o desligou de seus quadros. O escritório repudia veementemente qualquer manifestação que viole direitos e garantias estabelecidos pela Constituição Federal”.
Jair Bolsonaro, por três décadas, criou um repertório grande de declarações misóginas, homofóbicas, racistas, somadas a ataques à imprensa e discurso de ódio, que avalizam o comportamento dos seus aliados.
Apoiadores de Bolsonaro entraram na Universidade de Brasília para comemorar a vitória do ex-capitão. Convidados a se retirar, quebraram o pau com estudantes do ICC (Instituto Central de Ciências). A segurança interveio.
Assessor parlamentar de imprensa do presidente eleito entrou num grupo no WhatsApp formado por jornalistas que cobriam a campanha e escreveu: “Vocês são o maior engodo do Jornalismo do Brasil! LIXO”. Escreveu depois: “Gostaria de apresentar minhas sinceras desculpas junto aos jornalistas brasileiros, que por ventura se sentiram atingidos, no tocante ao meu excesso verbal. Agi de forma rude e equivocada para mostrar minha insatisfação na cobertura jornalística do cenário político nacional”.
O ministro Luís Roberto Barroso anunciou que STF se unirá em defesa de negros, gays, mulheres e da liberdade de expressão: “O Supremo pode ter estado dividido em relação ao enfrentamento da corrupção. Muitos laços históricos difíceis de desfazerem, infelizmente. Mas em relação à proteção dos direitos fundamentais, ele sempre esteve unido”.
O grupo Ninguém Fica Pra Trás abriu conta no site de contribuição coletiva: “O ódio pode estar mais forte do que nunca, mas nossa resposta começa aqui, e agora. Vamos nos unir nesta enorme campanha de financiamento coletivo para apoiar iniciativas que acolhem pessoas vítimas de violência, intolerância, misoginia, homofobia e racismo... A eleição de Bolsonaro tem um efeito grave e imediato: o aumento dos crimes de ódio sobre grupos que foram hostilizados em seus discursos. Mulheres, negras e negros, população LBGTQI, povos tradicionais e refugiados sempre sentiram na pele os efeitos da intolerância – mas agora, com um presidente que incita o ódio publicamente, essas vidas estão ainda mais ameaçadas”.
A Associação Nacional de Jornais, OAB, ABI, Repórteres Sem Fronteiras, Federação Nacional dos Jornalistas, Comitê de Proteção aos Jornalistas e outras entidades repudiaram a entrevista ao Jornal Nacional em que o candidato eleito voltou a atacar a Folha de S. Paulo e afirmou que “por si só, esse jornal se acabou”.
Na quinta-feira, na sua primeira coletiva, foi vetada a presença de representantes dos jornais Estado, Folha, O Globo e agências internacionais. Que semana...

Autor: Marcelo Rubens Paiva, escreve para o jornal O Estado de S. Paulo.

30 de outubro de 2018

A nova era dourada das distopias!

Séries de televisão, romances e filmes parecem ratificar que estamos em uma era de ouro das distopias!

A primeira utopia da literatura é a de Thomas Morus: uma ficção em que um dos marinheiros de Américo Vespúcio conta que encontrou a república perfeita na ilha de Utopia. Tudo começou ali, em 1516. Como escreveu Jill Lepore na revista The New Yorker, “a utopia é o paraíso; a distopia, o paraíso perdido”. Assim, uma segue a outra irremediavelmente, ou melhor, a utopia, a sociedade ideal, já contém sua própria distopia. Lepore afirma que estamos na era de ouro da distopia. Traça uma cronologia do romance distópico, que surge como resposta aos utópicos. Em 1887, a escritora Anna Bowman Dodd publicou A República do Futuro, uma distopia socialista ambientada em Nova York no ano de 2050. As pessoas não têm muito que fazer e passam o dia na academia, obcecadas pela forma. Como acontece em um dos capítulos de Black Mirror – uma das séries que lideram a volta da distopia tecnológica –, a distopia é a academia.
No fundo, poderíamos pensar as distopias não mudaram tanto ao longo de dois séculos. Ou, com outras palavras, o caminho da humanidade, em sua maior parte, foi quase sempre na direção do progresso e o mundo é melhor do que era. Isso é demonstrado por livros como O Otimista Racional, de Matt Ridley, ou Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism and Progress, de Steven Pinker.
Por mais difícil que seja acreditar, estamos mais perto do que nunca do paraíso e, portanto, o espaço para a catástrofe é maior. As distopias podem ser apocalípticas ou não, aparecerem acompanhadas por um cenário de guerra ou não, mas em todas o que acontece é que a liberdade do indivíduo foi sacrificada para alcançar uma suposta perfeição.
Os romances distópicos por excelência (Nós, de Levguéni Zamiátin, publicado em 1924; Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, em 1932; 1984, de George Orwell, em 1949) são parábolas políticas. Os horrores vistos na Segunda Guerra Mundial dispararam os cenários apocalípticos e as possibilidades das sociedades autoritárias que as distopias exploraram.
Depois veio a crítica do consumismo e do conforto que banalizaram tudo (Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, publicado em 1953, ou O Reino do Amanhã, de J. G. Ballard, em 2006). A Guerra Fria foi um terreno fértil para as distopias cheias de super-heróis e ameaças nucleares. Nas distopias de meados do século XX, Lepore vê a rejeição ao Estado liberal. A historiadora explica que, para cada dilema atual, há um romance distópico.
Em 1985 foi publicado O Conto da Aia, romance de Margaret Atwood que faz parte do que ela chama de “ficção especulativa”. É uma distopia feminista que se transformou em série de televisão em 2017. Por casualidade, começou a ir ao ar pouco depois da chegada de Donald Trump à Casa Branca e à manifestação das mulheres em reação. Naquele protesto havia uma faixa com o seguinte lema: “Make Margaret Atwood fiction again” (Façam que Margaret Atwood seja ficção novamente). No romance de Atwood houve um golpe de Estado nos Estados Unidos que devolveu o país aos princípios do puritanismo do século XVII.
A série faz referências ao presente (Uber, Estado Islâmico) para que o paralelismo seja mais evidente. É uma sociedade vigiada, militar e teocrática, mas com uma particularidade: encontrou uma solução para o problema que o mundo enfrenta com a infertilidade provocada pela poluição ambiental.
Em Gilead (esse é o nome, depois da guerra, dos Estados Unidos), as mulheres férteis são sequestradas, suas orelhas são grampeadas por um brinco (como se fossem gado, pois de fato o são) e são vestidas de vermelho. Depois de eficientes sessões de lavagem cerebral que, claro, incluem torturas físicas e amputações– são enviadas às casas designadas para serem estupradas (e fecundadas) pelo chefe da casa uma vez por mês. A ideia é uma interpretação literal da Bíblia, verdadeira constituição da nova ordem. A questão que inevitavelmente surge é: como isso pôde acontecer? No prólogo da reedição do romance, Atwood explica que “sob determinadas circunstâncias, qualquer coisa pode acontecer em qualquer lugar”.
Perguntada sobre se o Conto da Aia é uma profecia, a escritora canadense diz que é, em vez disso, uma “antiprofecia: se esse futuro pode ser descrito em detalhes, talvez não chegue a acontecer. Mas tampouco podemos confiar muito nessa ideia bem-intencionada”. Nisso Atwood tem razão: no site Electric Literature, Andy Hunter reuniu algumas das previsões que aparecem em livros de ficção científica (a lista tem desde engenharia genética, tanques ou energia solar até a bomba atômica e a espionagem massiva dos Governos) e não é absolutamente reconfortante.
Por outro lado, o esquete de Muchachada nui sobre as previsões fracassadas do filme De Volta para o Futuro é um bom antídoto. Em parte, a função das distopias é fazer uma advertência do que o futuro pode trazer: é uma das leituras do romance Rendición, de Ray Loriga, em que a transparência e limpeza da cidade de vidro que permanece isolada da guerra são sinais inconfundíveis da ausência de emoções, isto é, da perda de humanidade. Os romances de Philip K. Dick são entre outras coisas, uma advertência sobre para onde a proliferação tecnológica e a artificial nos levam.
Neste mês chegou a continuação do filme Blade Runner, ambientada em 2049 – o filme de Ridley Scott acontece em 2017 e no romance Androides sonham com Ovelhas Elétricas? o futuro distópico é em 1992. Além disso, está sendo preparada uma série que adapta alguns dos romances de Dick. Mas também Wall-E, o filme da Pixar, tinha um alerta em forma de distopia com uma história de amor entre dois robôs.
O auge das distopias não se deve a Trump, mas não deixa passar a oportunidade de demonstrar o quanto é capaz de criar um cenário apocalíptico. Na verdade, elas nunca se foram. Embora tenham picos, como em Jogos Vorazes, uma trilogia juvenil que foi um sucesso literário antes de ser levada ao cinema. O que acontece, de acordo com Lepore, é que a distopia (e seus leitores) também têm uma classificação ideológica: durante o primeiro ano da presidência de Obama, A Revolta de Atlas, de Ayn Rand, vendeu meio milhão de exemplares e no primeiro mês de Trump na Casa Branca 1984 foi um dos livros mais vendidos na Amazon.
Para Lepore, a distopia deixou de ser uma ficção de resistência e se tornou uma ficção de submissão. Seu sucesso responde à incapacidade – em parte resultado da preguiça e da covardia – de imaginar um futuro melhor e revela um desencanto também em relação à política: “De esquerda ou de direita, o pessimismo radical de um distopismo incessante contribuiu para desmantelar o Estado liberal e enfraquecer o compromisso com o pluralismo político”.

Autora: Aloma Rodríguez é escritora e jornalista. Seu último livro é Los Idiotas Prefieren la Montaña (Xordica).