Seguidores

8 de julho de 2025

Beleza

O belo é estético, é íntimo, é relativo, é interativo. O belo é único e é insano porque é meu. O seu belo também será seu, não se preocupe. Mas também o belo é bélico nas guerras insanas. Há muito me incomoda a origem da beleza e da guerra resultarem homógrafos homófonos tão distintos, tão opostos. Coisas de uma rica língua neolatina. A belonave é de triste guerra, não de nobre paz. Pena que a paz não seja tão ligeira como seu palíndromo, o zap, em que mensagens fluem em velocidade próxima à da luz, arrastando coisas das mais diversas, incluindo a beleza. Sim, muito lixo é transportado pelas ondas cibernéticas, mas aos olhos e ouvidos atentos restará uma boa dose de boniteza ali. E nem precisa ser um quadro de Renoir ou uma sinfonia de Beethoven, nem mesmo um poema de Leminski, nem uma escultura de Rodin. A arte é bela pelo que desperta, não pelo que é. O ser belo é predicado, restando ao sujeito da observação a responsabilidade pelo verbo que lhe dará existência.

Pureza rima com beleza, às vezes na íntegra, outras, apenas nas sílabas. O belo puro, desprovido de essência, será insípido e incipiente se não estiver atrelado a sentimentos. E sentimentos profundos mesclam vivências e, portanto, não podem avocar pureza. A substância pura não possui outra junto a si, ensina a ciência. Algo insano resulta de tal análise, da bela análise que se faz, ao cometer a heresia de dizer que a bela viva será impura. Exemplos? Raul Seixas foi, quer dizer, é o maluco beleza criativo em todas as modalidades da expressão cultural humana. Usava seu corpo esguio como escultura da revolução que pregava, pintava quadros musicais psicodélicos nas letras e rascunhos que produziu, filmou a vida de todos em quadros fantásticos de acordes, previu o passado, descerrou o futuro, e o dia de hoje nunca foi tão real e cruel em suas sinfonias. Dançava, cantava, recitava, dizia, amava e sofria. Era belo e fazia o belo. Completaria 80 anos no sábado retrasado.

De defeitos também resulta o belo. O cinema, por exemplo, somente existe devido a uma falha de nossos olhos que retêm uma imagem por milésimas frações de segundo, antes de apagá-la por completo e absorver outra. Com isso, à razão de 24 quadros por segundo, produz-se em nossas retinas a imagem em movimento. Tal beleza cinematográfica ainda coloca Cidadão Kane como um dos melhores filmes de todos os tempos. Essa lista vai se modificando ao longo dos anos em que antigos espectadores e críticos deixam de existir para dar lugar aos mais jovens que têm outras experiências de sensibilização artística. Novamente, é o belo pessoal que aflora. Registro, como não poderia deixar de ser, que completamos 40 anos do filme De Volta para o Futuro, obra do produtor Steven Spielberg e do diretor Robert Zemeckis. Se o belo é também guerra, que o seja de efemérides pessoais. Junto ao clássico filme de ficção científica, lembro que um dia na semana que passou foi de aniversário de Franz Kafka e tudo o que ele significou. Por fim, é fundamental a proteção da beleza, seja ela qual for. Por isso o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas aprovou, por unanimidade, a instalação de gradis no entorno do Centro de Convivência a ser reinaugurado nesta semana, após longa obra de revitalização. Foi feito um abaixo assinado on-line para que seja dado apoio a tal medida: https://chng.it/xrVCpX9KFd.

Autor: Professor Adilson Roberto Gonçalves – Publicado no Blog Três Parágrafos.

Nenhum comentário: