O conteúdo
deste artigo foi extraído do meu novo livro “A democracia dos ausentes – Um exercício
de cidadania”.
“Com uma democracia desrespeitada, ela acaba não sendo
representativa para milhões de brasileiros, que muitas vezes acabam se abstendo
de votar, anulando seus votos ou os deixando em branco. Isso promove o
afastamento também da participação no processo democrático, deixando de
acompanhar, fiscalizar e cobrar os atores da democracia no país.
“Segundo
a opinião pública, os eleitos não representam os eleitores”, observa Rupak
Patitunda, um dos responsáveis pela pesquisa Ipsos. “A democracia no Brasil,
desta forma, não é representativa.”
Somente
um em cada dez cidadãos veem o Brasil como um país onde a democracia é
respeitada. Para 86%, isso não acontece. “A própria democracia, o que se espera
de seu conceito, não é respeitada”, avalia o pesquisador. “Existe uma
expectativa sobre o regime que não é atendida pelos seus clientes.”
A
percepção de desrespeito às normas democráticas pode estar relacionada à ideia
de desigualdade. Para 96% dos entrevistados, todos devem ser iguais perante a
lei, mas somente 15% consideram que essa regra é devidamente observada no
Brasil. Isso na minha opinião pode inserir o Poder Judiciário, em boa parte
responsável pela desigualdade e pela impunidade.
É quase
consensual a noção de que a corrupção é um entrave para que o país alcance um
nível mais avançado de desenvolvimento. Nove em cada dez eleitores concordam
com as avaliações de que “o Brasil tem riquezas suficientes para ser um país de
primeiro mundo”, de que “o Brasil poderia ser um país de primeiro mundo se não
fosse a ação da corrupção” e de que “o Brasil ainda pode ser um país de
primeiro mundo quando acabar com a corrupção”.
O
brasileiro em geral, não se sente representado pelos vereadores de suas
cidades, na maioria das vezes desconhece os deputados estaduais de seu Estado e
o que estão fazendo, e vê muito distante os deputados federais e os senadores.
Essa percepção de distância e da nulidade de seus atos em prol do povo
brasileiro leva a descrença, a desconfiança da certeza de que esses conjunto de
atores da nossa democracia ganham salários aviltantes, possuem vantagens
inalcançáveis da totalidade da nação e ainda por cima tem desempenho pífio. Se
acrescentarmos os índices de corrupção, fraudes, facilitação de ascensão de
carreiras aos apaniguados e parentes fica impossível para o cidadão comum
apoiar essa classe política nacional.
O
brasileiro há muito tempo percebeu que a classe política desconhece a ética e
ao contrário pratica o que chamo de desvios éticos...
Segundo o
Professor Humberto Dantas, docente da USP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)
“Quando a população detecta uma falta de zelo com a coisa pública, ela,
automaticamente, observa esses desvios como um desrespeito aos princípios
democráticos”.
Dantas
afirma ainda que “a sociedade está conseguindo identificar as estruturas,
dentro do Legislativo e do próprio Judiciário, que visam apenas a beneficiar
seus próprios membros, e que estariam agindo apenas para manter privilégios e
um certo espírito corporativo”. Ou seja, a população acredita que a classe
política representa apenas ela própria, e não a sociedade como um todo.
O
cientista político destaca que o próprio conceito de democracia ainda não é algo
claro para uma considerável parcela dos brasileiros. “Acho muito relevante a
gente tentar entender o que as pessoas acham que é democracia. Pela minha
experiência, elas têm uma dificuldade para traduzir uma definição básica de
democracia”, diz.
A palavra
“democracia” nasceu na Grécia, especificamente na cidade-Estado de Atenas, no
período clássico, sendo composta pelos radicais “demos” e “kratos”, que
significam, respectivamente: “povo” e “governo”. De forma geral, a democracia é
definida, desde a antiga Grécia, como “governo do povo”, ou “governo popular”,
em contraposição a outras formas de governo, que também remontam à Idade
Antiga, como a Aristocracia, a Monarquia, a Diarquia, a Tirania, a Oligarquia,
entre outros. Entretanto, quando pensamos em democracia no mundo contemporâneo,
temos que rever ou pensar em algumas coisas.
A
democracia moderna, tal como a concebemos hoje, isto é, pautada em ordenamentos
jurídicos e instituições políticas sólidas, que representam os três poderes
(Executivo, Judiciário e Legislativo), só se tornou possível após a derrocada
do Antigo Regime Absolutista, na transição do século XVIII para o século XIX.
Com a Revolução Francesa e, depois, a Era Napoleônica, surgiram na Europa
alguns dos alicerces do que viria a ser o nosso modelo de regime democrático: a
formação de grandes centros populacionais, em virtude da Revolução Industrial;
a noção de povo associada a uma nação; a soberania política da nação passou a
ser vinculada a esse povo, e não mais ao rei; e a instituição do voto, ou
sufrágio universal, como parte do sistema representativo direto.
A
democracia desenvolvida em Atenas não era considerada o melhor dos governos
possíveis (como é hoje o nosso modelo de democracia), e isso por um motivo
razoavelmente simples: apenas uma fração mínima dos “homens livres” integrava a
vida política de Atenas. Mulheres, escravos, estrangeiros e outras categorias
sociais não tinham direito de participar das deliberações da Assembleia
(Ekklesia). A experiência da democracia ateniense tinha como preocupação
fundamental, antes de qualquer coisa, evitar a tirania – pior forma de governo
para época. Do mesmo modo, a forma de governo aristocrático também cumpria esse
papel.
O sistema
político brasileiro pode ser chamado de representativo, mas a nossa
Constituição Federal de 1988 permite uma ampla participação popular que, caso
fosse efetivamente aplicada, poderia colocar-nos no patamar de democracia
participativa, inclusive prevendo a possibilidade de uma iniciativa popular
legislativa.
Alguns estados
dos Estados Unidos exercem a participatividade semidireta, e um bom exemplo de
país que exerce a democracia participativa é a Suíça. Já a democracia direta
não existe mais a nível nacional na contemporaneidade devido à sua
inexequibilidade perante a ampliação do conceito de cidadania.
Sistematicamente,
democracia e ditadura são termos opostos. Não é o simples fato de haver escolha
política em um país (eleição) que o torna, automaticamente, uma democracia.
Muitas ditaduras permitem eleições para que o processo político pareça mais
legítimo. Porém, a ausência de participação popular na política e outros
fatores podem denominar o que chamamos de ditadura. Para ser considerado,
efetivamente, uma democracia, um país deve conter, entre outras coisas:
Liberdade
de expressão e de imprensa;
Possibilidade
de voto e elegibilidade política;
Liberdade
de associação política;
Acesso
à informação;
Eleições
idôneas.
A não
observância dos fatores anteriores, somada a outros fatores, como a derrubada
de uma constituição legal sem a formação de uma Assembleia Constituinte, pode
indicar a existência de uma ditadura.
Como
tantas outras coisas no Brasil, a relação entre democracia e política aqui é
complicada. Na Primeira República, ou República Velha, tivemos um período provisório
comandado por setores militares (1889 – 1894). Um período em que a chamada
“política café com leite” deu início a um longo conchavo entre líderes de São
Paulo e Minas Gerais para a presidência do país.
Em 1930,
uma chapa liderada pelo paulista Júlio Prestes, é indicada e eleita. Porém os
políticos mineiros não aceitam a eleição, iniciando a Revolução de 1930, que
acaba com a república e inicia a Era Vargas. Uma característica da Primeira
República era o voto de cabresto, em que os coronéis locais mandavam e
fiscalizavam as pessoas quando votavam, criando uma fraude que descaracteriza a
legitimidade do processo democrático. O desejado “voto impresso” me faz lembrar
desses coronéis.
A
democracia só foi restabelecida no Brasil em 1945, e, em 1964, o país vive
outro golpe contra a república brasileira e contra a democracia. Trata-se do
golpe civil-militar que impôs um regime de exceção entre 1964 e 1985,
suspendendo direitos civis e a constituição, impondo a censura contra a
imprensa e fechando, por alguns momentos, o Congresso Nacional.
Em 1985,
a ditadura militar acaba, mas deixa como marca as eleições indiretas para
presidente. Há a prevalência de um grande movimento, iniciado ainda no fim da
ditadura, que se chamava “Diretas Já!” que pedia o reestabelecimento de
eleições diretas para presidente. Em 1988, acontece a Assembleia Constituinte
que cria a Constituição Federal de 1988 e restabelece a possibilidade da democracia
plena, reforçando direitos e promovendo a igualdade.
O
respeito a essa democracia, até mesmo por parte de representantes do
Legislativo, do Judiciário e do Executivo, e por parte da população civil,
ainda é um problema, pois temos visto a violação sistêmica dos valores
constitucionais por parte de políticos eleitos pelo povo e por parte do próprio
povo. Em meio a altos e baixos, a democracia brasileira segue oscilando.
Com o
avanço da tecnologia existem várias possibilidades de os eleitores acompanharem
os eleitos e participarem da fiscalização e cobrança pelos seus atos. Existem
além dos sites amplamente divulgados das Câmaras, Assembleias, Câmara Federal,
Senado, Portais dos governos municipais, estaduais e do federal, a
possibilidade através de aplicativos instalados nos seus celulares. Vejam
alguns exemplos:
Sr.
Cidadão
Com o
slogan “Monitore o trabalho do seu político” o Sr. Cidadão permite acompanhar
quantos políticos quiser ao criar uma conta no aplicativo, recebendo de volta
algumas notificações sobre as atividades deles nas casas legislativas. Assim, é
só escolher quais políticos tem interesse em monitorar e ficar por dentro dos
votos, gastos, receitas, bens e dados de campanhas eleitorais. O serviço é
gratuito. Disponível para sistemas Android.
Meu
Deputado
Este app
permite que se possa acompanhar os deputados federais com apenas alguns toques.
É possível ver informações referentes a presenças em sessões, despesas e votos
em algumas leis, além de disponibilizar um ranking com filtros personalizados
que permite visualização dos maiores gastos mensais por categoria, estado,
partido e mês/ano. Disponível para sistemas Android e iOS.
Colab
O
aplicativo Colab incentiva que o cidadão seja mais ativo e participe das
decisões de sua cidade. Se intitulando como uma rede social para cidadania, o
app é transparente e aberto para todas as cidades do Brasil, permitindo uma
ponte para que o usuário possa se conectar diretamente com a Prefeitura de sua
cidade e promete muito mais. Disponível para sistemas Android e iOS.
Tá de
Pé?
Lançado
pelo grupo Transparência Brasil, o aplicativo Tá de Pé permite ao cidadão
monitorar a construção de escolas e creches públicas financiadas pelo Governo
Federal em todo o país. O projeto foi vencedor do Desafio Google de Impacto
Social em 2016 no voto popular, e surgiu depois que os criadores descobriram
que das 7.453 obras de escolas e creches públicas financiadas pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 29% estão paralisadas e 17%
atrasadas, o que representa 46% das obras que ainda precisam ser entregues. Com
isso, já foram desperdiçados pelo menos R$ 1,5 bilhão.
Após
baixar o app, o Tá de Pé fornece uma lista de obras próximas ao usuário, que
poderá, por meio do aplicativo, tirar fotos e enviar informações sobre o andamento
da construção, de forma anônima e segura. As fotos serão analisadas por
engenheiros parceiros da Transparência Brasil e, se forem constatados indícios
de atraso, a organização entrará em contato com a prefeitura responsável pela
execução da obra. Caso a prefeitura não responda, outras instâncias serão
acionadas como Câmara Municipal, o Ministério da Educação e até mesmo a
Controladoria-Geral da União. Disponível para sistemas Android.
Meu
Município
Segundo o
portal, o domínio é 100% público e gratuito. O site organiza e disponibiliza de
forma simples os dados de todos os municípios brasileiros de maneira fácil de
acompanhar e comparar como, por exemplo, monitorando o quanto uma prefeitura
arrecada e gasta do dinheiro público.
Câmara
dos Deputados
O próprio
órgão do governo disponibiliza no site oficial da Câmara Federal, além das
notícias, outras informações e serviços com muitos dados como a biografia,
discursos e presença em plenário, posições em votações e projetos apresentados.
Além disso, o cidadão pode se cadastrar em um Boletim Eletrônico e receber
quinzenalmente notícias do deputado escolhido via e-mail.
Senado
O site do
Senado também possui um espaço que disponibiliza interação entre cidadão e a
política. Em uma aba específica, chamada de e-Cidadania, o internauta pode
opinar sobre projetos de lei da Casa, participar de debates sobre estas
matérias e, até mesmo, propor uma nova lei.
Ranking
dos Políticos
Esta é
uma organização civil que monitora o desempenho dos 513 deputados federais e 81
senadores desde 2012, quando foi lançado. O portal surgiu depois que seus
fundadores encontraram dificuldades para se informar sobre o histórico dos
parlamentares, como votações, presenças em sessões e despesas. De acordo com o
site, o objetivo é fornecer informações sobre quem é quem no Congresso Nacional
por meio de três bandeiras: Anticorrupção, Anti-Privilégios, Voto Consciente.
Detector
da Corrupção – Vigie Aqui
Uma das
mais interessantes e importantes ferramentas da atualidade, o Detector da
Corrupção traz informações judiciais de 850 políticos, reunindo dados de
parlamentares relacionados à administração pública de tribunais de todo o País.
Para ter acesso a plataforma, basta instalar o aplicativo no celular e tirar
uma foto da imagem de um político ou buscar pelo nome dele. Então, as
informações sobre o candidato aparecem na tela.
Além
disso, a ferramenta dá a possibilidade de que se instale uma extensão no
navegador de internet e, assim, sempre que um político condenado, processado ou
investigado aparecer na página, o plugin deixará grifado o nome dele de roxo.
Ao passar o mouse por cima do nome ainda dá para conferir a ficha judicial
dele.
Pardal
O Pardal
é um aplicativo criado pela Justiça Eleitoral para que os eleitores possam
atuar como fiscais no combate à propaganda eleitoral irregular. O aplicativo
possibilita informar irregularidades em tempo real. Na ferramenta é possível
enviar fotos e vídeos para comprovar as denúncias feitas.
Além do
aplicativo para celular, a plataforma tem uma versão para web, é
disponibilizada nos sites dos tribunais regionais eleitorais para
acompanhamento das notícias de irregularidades.
Vigie
Aqui (Google Chrome)
Criado
pelo site Reclame Aqui, o Vigie Aqui é um plugin para Google Chrome que alerta
o usuário a respeito de candidatos não tão confiáveis. Sempre que o nome de um
político condenado, processado ou investigado aparecer na página, a extensão
vai grifar o nome de roxo.
#TemMeuVoto (web);
Este é
uma web app, o que significa que ele abre pelo navegador do PC ou do celular.
Com o #TEMMEUVOTO, o usuário só precisa responder a sete perguntas que dão um
direcionamento a respeito das suas posições políticas. Em seguida, a plataforma
exibe os candidatos que mais se encaixam no seu perfil.
Poder do
Voto (Android e iOS);
Este app
disponível para Android e iOS permite acessar uma ficha completa a respeito de
políticos cumprindo mandato ou não. Com ele, você pode acompanhar as leis em
votação no Congresso, como o político que você segue votou e pode expressar sua
opinião sobre os posicionamentos dele.
Appoie
(Android e iOS);
Mais um
app para Android e iOS. Assim como o Poder do Voto, este aqui permite acompanha
o trabalho de políticos em exercício ou que já passaram pelo Congresso. Ele
também tem uma ferramenta de “match” que mostra quais candidatos têm mais a ver
com o seu perfil.
Transparência
Brasil
O
trabalho dessa organização não governamental é dividido em duas áreas:
monitoramento das instituições e advocacy. A iniciativa representa a sociedade
civil nos conselhos de Transparência da Controladoria Geral da União, do Senado
Federal e do governo do Estado de São Paulo.
Site
Gênero e Número que lançou uma plataforma para facilitar a busca de candidatas
mulheres aos cargos no executivo e legislativo. A ferramenta possibilita
filtrar candidaturas femininas por cargo, partido e etnia. A ação faz parte do
Observatório 50-50, uma iniciativa coletiva que une diferentes organizações da
sociedade civil para fortalecer os processos democráticos, acompanhar as
esferas de poder e ampliar o debate sobre política e gênero.
Segundo o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as candidaturas femininas nas eleições de
2018 alcançaram 30,7% dos registros de matrículas, 8.435 do total de 27.485.
Pela legislação, 30% é o percentual mínimo de candidatas por partido. Nas
eleições de 2014, foram 8,1 mil, o que representou 31,1%.
No pleito
de 2018, o Centro-Oeste foi a região com maior percentual de mulheres na
disputa eleitoral (31,14%), seguido respectivamente pelo Sudeste (31,02%), Sul
(30,84%), Nordeste (30,30%) e Norte (29,75%).
Esses são
alguns exemplos, mas provavelmente existem outros que servem para ajudar o
cidadão e o eleitor a acompanhar, fiscalizar e poder cobrar os políticos
eleitos. Ajudando o cidadão a participar da vida política do país. Apenas com
um smartphone você pode acessar qualquer um deles e se manter informado sobre
os candidatos, seus trabalhos, performance e os governos em sua cidade, seu
estado e no país. Somem a isso os sites, os canais de TV fechadas que
transmitem conteúdo das câmaras municipais, assembleias legislativas e
congresso nacional. Informação existe e mecanismos são muitos para que o
eleitor esteja informado e possa acompanhar de perto o que acontece no país em
termos de políticos e partidos. Falta na verdade é vontade de querer participar
e mudar o que está acontecendo no país há anos.
Autor:
Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger, Analista Político e Graduado em Gestão
Pública.