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26 de setembro de 2020

O mentiroso e a musa!

Só de Juliette Gréco, que quase todo mundo se lembra quando se fala em existencialismo.

Jurei a mim mesmo que evitaria tocar em política esta semana. Criei até um mantra inspirado em Vinicius – “Porque hoje é sábado” – para mais suavemente superar a síndrome de abstinência e reforçar a desconfiança de que o varejo noticioso nos está envenenando o espírito, comprometendo nossa saúde mental. 

Jurei, mas fraquejei, e aqui estou, capitulante, a escapulir de pautas mais arejadas (um panegírico do grande ator Michael Lonsdale, que nos deixou na segunda-feira, por exemplo), por não ter afinal superado as pressões da indignação. Pressões que atingiram seu pico na manhã de terça-feira diante da torrente de mentiras e leviandades despejada por Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU e do rodízio de adulações que ao seu discurso se seguiu.

Foi uma semana de mentiras, bravatas e desvairado puxa-saquismo. Uma semana de bolsonarite “tous azimuts”, como dizem os franceses, a quem tiro o chapéu, não tanto de condolências pelas mortes de Lonsdale e Juliette Gréco, mas por terem sido eles os primeiros a sacar a mendacidade do capitão, juntando-o aos mais notórios “menteurs” do picadeiro internacional, como Trump, Putin, Boris Johnson, Erdogan, etc., na revista Magazin Littéraire, de novembro de 2018. 

Notaram a data? Em cima das eleições presidenciais daqui. Os outros já estavam no poder, o paraquedista não. Clarividência jornalística é isso aí. 

Na última edição da revista de humor Charlie Hebdô, Bolsonaro é caricaturado a obrar, sorridente, uma “bolsocaca” sobre o lábaro estrelado e todo o planeta. E o Charlie nem tomara conhecimento ainda do discurso na ONU.

Desde o golpe de 64, a imprensa francesa nunca nos deixou na orfandade. Detalhes palpitantes em Liberdade Vigiada (Record), de Paulo César Gomes, que aqui comentei em junho do ano passado. 

Inclusive por negar que o Brasil tenha passado 20 anos sob uma ditadura militar, o general Mourão na certa odeia a imprensa estrangeira, em especial, quero crer, a francesa. E com redobrada intensidade desde que virou vice do presidente mais escrachado, urbi et orbi, da história do País. Ele não se cansa de reclamar da existência de “uma campanha internacional contra o Brasil para atacar o governo”. Disse isso em agosto do ano passado e repetiu a ladainha às primeiras reações da mídia estrangeira ao papelão de Bolsonaro na ONU. É o mimimi padrão dos autoritários paranoicos. 

Um mimimi nem sempre vem acompanhado de ameaças de retaliação, geralmente bravatas risíveis e inconsequentes como a que fez o general Augusto Heleno, ao prometer retaliar qualquer país que boicotar o Brasil por questão ambiental. Retaliar como? “Mandando o Abraham Weintraub morar no país que fizer o boicote?”, perguntou alguém na internet. 

Se os dicionários definem polêmica como sinônimo de discussão ou “disputa em torno de questão que suscita muitas divergências”, pega mal qualificar de polêmico o que os mesmos dicionários definem como “afirmações contrárias à verdade a fim de induzir a erro”. Lamentável que, a essa altura do naufrágio, a gente ainda tenha de esclarecer a diferença entre bafo de boca e opinião polêmica a quem não deveria ter mais qualquer dúvida a respeito.

Nossos jornais deveriam atentar mais para a distinção entre lorota e controvérsia. Nada de naturalizar o destampatório mendaz do capitão e folclorizar seu jeito tosco de ser, pensar e falar. Vamos chamar as coisas por seus verdadeiros e indiscutíveis nomes, devidamente traduzidos em todas as línguas, inclusive nas faladas naqueles países onde também se mente muito. 

Quanto ao puxa-saquismo, nenhum outro áulico palaciano superou, neste setembro negro parte 2, o general Luiz Eduardo Ramos. Dias antes da lorotança negacionista na ONU, o ministro-chefe da Secretaria de Governo atribuiu ao chefe os mesmos poderes divinos de Zeus, Tupã e outros deuses da chuva, noves fora João Nuvem Negra, o pluvioso personagem dos quadrinhos de Ferdinando Buscapé.

O fato de ter chovido no Pantanal depois que o presidente o sobrevoou no fim de semana não autorizava seu mais falastrão auxiliar a propalar um milagre daquela magnitude. Mas ele o fez, difundindo de quebra a ilusão entre os seguidores da seita de que, na ocasião apropriada, o “rain maker” do Planalto irá multiplicar pães e peixes, com a mesma facilidade com que multiplicou praticamente por 10 o valor real do auxílio emergencial, em sua fala na ONU. Se fizer parte da agenda do presidente caminhar sobre as águas do Paranoá, é de se esperar que reserve o espetáculo para mais perto das eleições de 2022. 

Para não dizer que não falei de Juliette Gréco, morta na quarta-feira aos 93 anos de idade. Não era minha cantora francesa favorita, mas era quem foi: a Simone de Beauvoir da canção, a Edith Piaf dos existencialistas. Quando O Ser e o Nada, de Sartre, chegaram às livrarias, Juliette tinha apenas 16 anos. Já gostava de cantar, mas ainda teria de esperar uma década para tornar-se a musa da Rive Gauche, o rouxinol das enfumaçadas caves de Saint-Germain-des-Prés. Macambúzia, sempre vestida de preto, parecia uma viúva de guerra a remoer suas dores em canções que até quando davam bom-dia falavam em tristeza. Mesmo hoje, quando se fala em existencialismo, é só dela que quase todo mundo se lembra de imediato – depois, bien sûr, de Sartre e Simone.

Juliette confessou não ter lido quase nada do que Sartre escreveu. Assimilou o que julgava suficiente sobre a essência e a existência do ser humano ouvindo o próprio filósofo em festas e mesas de bar. Uma das razões da popularidade do existencialismo foi a forma mundana como seus luminares viviam. Eram boêmios e até na hora de trabalhar preferiam se acantonar em bares, cafés e restaurantes.

Autor: Sérgio Augusto é jornalista e escritor, autor de “Esse mundo é um pandeiro – Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo.

23 de setembro de 2020

Os dois modelos!

Para que o modelo do progresso funcione é preciso acabar com a corrupção; mas para muitos Estados, isso é impossível. Os casos da Venezuela e da Alemanha são exemplos de escolha sobre pobreza e prosperidade

 

Uma das teses mais controversas do liberalismo hoje é que, pela primeira vez na história da humanidade, os países podem escolher ser pobres ou prósperos. Nunca antes isso foi possível, porque a prosperidade dependia sempre da quantidade de recursos com que uma nação contava, de sua situação geográfica e de sua força militar. Mas no mundo globalizado de nosso tempo, se sabe perfeitamente quais são as políticas que criam empregos e fortalecem economicamente um país, e as que o empobrecem e afundam. Os casos antinômicos da Venezuela e da Alemanha podem nos servir de exemplo.

O caso da Venezuela é conhecido por todo mundo. Era um dos países mais ricos do planeta, porque, resumindo, se trata de um imenso lago de petróleo e outros minerais, que não faz muitos anos atraía uma imigração gigantesca, para a que sobrava trabalho, e o país progredia a passos de gigante, apesar da corrupção e das transgressões de seus Governos, o que permitiu ao comandante Chávez e seu “socialismo do século XXI” conquistar o poder em eleições que provavelmente foram livres. Nunca mais o seriam, evidentemente. Atualmente, a Venezuela morre de fome, se afoga na corrupção, e pelo menos cinco milhões de venezuelanos fugiram do país, a pé, com suas malas e filhos, para sobreviver. É óbvio que o socialismo, do passado e do presente, não garante a prosperidade, e sim a miséria, a curto e longo prazo. Por isso a Rússia e a China deixaram de ser socialistas e praticam, na verdade, um capitalismo de compadrio, com ampla margem na vida econômica à empresa privada e à concorrência, mas uma estrita rigidez na esfera política, onde o velho sistema autoritário persiste quase intacto.

A Alemanha, por outro lado, é um país que prospera a cada dia, e em todos os sentidos. Acabo de ir para lá, após sete meses, e voltei a ficar surpreso com o espetáculo de uma antiga Alemanha Oriental em plena efervescência, onde ressuscitam os velhos palácios e se constroem arranha-céus por todos os lados, onde ninguém parece morrer de fome, onde a democracia funciona em todos os níveis e onde a maioria da população parece contente com seu destino. O Governo de coalização, que Angela Merkel ainda preside, ainda que possua discrepâncias e conflitos em seu interior, parece firme e as próximas eleições não devem mudar, em seu conjunto e apesar do coronavírus, que ali parece perfeitamente controlado, esse período de estabilidade e progresso vivido pelo país.

O que fez a Alemanha para estar como está? Escolheu ser próspera, ou seja, estimulou a empresa privada, a concorrência e a poupança, integrou sua economia aos mercados mundiais, e o desenvolvimento econômico que vem experimentando por longos anos lhe permitiu ser muito independente ―o país mais rico da União Europeia, de fato― ainda que, em matéria de energia, ainda dependa da Rússia, com quem a une um tratado preocupante. Mas, no que concerne ao seu europeísmo, às suas políticas de imigração e ao seu respeito pela legalidade, não há nada a que criticar e sim muito o que imitar.

É fácil seguir o modelo alemão? Não é e, por isso, muitos países que quiseram ser prósperos não podem seguir seus passos. Qual é o problema? Basicamente, a corrupção. É o caso da América Latina, sem dúvida. A corrupção está tão profundamente arraigada em seus Governos, seus ministros e funcionários roubam tanto e o roubar é uma prática tão estendida em quase todos os Estados, que é de todo impossível estabelecer uma economia de mercado que funcione de verdade e exista uma concorrência séria e genuína em seu seio. Para que o modelo do progresso funcione é preciso acabar com a corrupção, ou reduzi-la a sua mínima expressão, e isso, para muitos Estados, é simplesmente impossível. Os que conseguiram, como Hong Kong, antes de voltar a ser parte da China, e Singapura, Coreia do Sul e Taiwan, progrediram sem travas e acabaram com a fome e o desemprego. E a democracia começou a funcionar neles (no caso de Singapura, de maneira mais limitada).

Por outro lado, a transição de uma economia sequestrada pela corrupção, onde os ministros, os chefes militares e os meros funcionários enchem os bolsos de maneira ilegal, não é nada fácil. É preciso apoio popular e jornalístico incessante, um poder judicial que aja de acordo com as leis, e governantes convencidos e corajosos que acreditem no modelo e o coloquem em prática sem vacilos e temores. E, principalmente, uma opinião pública que acredite nele e o respalde. Nem tudo se desenvolve no campo econômico. Pelo contrário; uma economia próspera não basta para criar magicamente uma sociedade onde a maioria da população se sinta confortável. É preciso ao mesmo tempo uma verdadeira igualdade de oportunidades que só uma educação pública de altíssimo nível pode oferecer, que garanta, em cada geração, um ponto de partida uniforme. Isso foi uma realidade na França antes do que em qualquer outra parte e o foi também ―surpreendam-se― na Argentina, desde o século passado, quando o modelo educativo criado às margens do rio da Prata pelos herdeiros de Sarmiento causava a admiração de todo o mundo.

O curioso é que, apesar do evidente, os ataques ao que o modelo bem-sucedido representa são a cada dia mais intensos e vêm sobretudo de países que tentaram aplicá-lo e não conseguiram por múltiplas razões, especialmente, por um setor público populista e demagógico que questiona o sistema por motivos supostamente morais. Lá, a maior dificuldade para que os países sigam o modelo que traz progresso é semântica: um problema de palavras. Assumir o “capitalismo”, requisito essencial, é simplesmente impossível para a maior parte dos países, pois a esquerda em geral, e a esquerda comunista em particular, hoje minúscula, conseguiu criar em torno a essa palavra ―capitalismo― uma sensação de injustiça e desigualdade, de patifaria e egoísmo, que a faz impronunciável, ou, melhor dizendo, a associa a um complexo de inferioridade que impede os que, secretamente, acreditam nela, de pronunciá-la e ainda menos promovê-la. Frequentemente, é o caso dos próprios empresários, que se envergonham do que são e representam.

Aí está um dos grandes paradoxos de nosso tempo: o sistema que trouxe modernidade, prosperidade e, principalmente, liberdade aos países mais adiantados do mundo, costuma ser impronunciável e nenhum líder político respeitado se atreveria no terceiro mundo a promover uma fórmula “capitalista” ―palavra maldita― a seus eleitores, pois o mais provável é que teria bem poucos. A esquerda conseguiu essa confusão mental que hoje impede, sobretudo nos países subdesenvolvidos, de aproveitar essa extraordinária possibilidade de arrancar a pobreza e o subdesenvolvimento de dezenas, ou centenas, de países da terra, que, paralisados pelo suposto socialismo que por fim traria a igualdade, a solidariedade e os bons rendimentos a sua população, se afundam cada vez mais, como a Venezuela, na corrupção e na miséria.

A possibilidade de escolher entre a pobreza e a riqueza está sempre ali, como possibilidade teórica. Mas, na prática, o socialismo continua triunfando sobre o capitalismo, pelo menos no papel e nos discursos. A este não lhe importa, porque tem a sensação ―a segurança― de que o futuro lhe pertence. Os outros se contentam, enquanto continuam empobrecendo, não com adquirir o progresso, e sim com o triunfo de uma só palavra.

Autor: Mario Vargas Llosa – El País.

Foto: Fernando Vicente

18 de setembro de 2020

Bolsonaro: o político de Schrödinger!

Um exemplo metafórico para explicar uma característica única na recente política brasileira.

O físico Erwin Schrödinger desenvolveu em 1935 um experimento mental no qual, teoricamente, um gato seria colocado dentro de uma caixa com partículas radioativas circulando ou não dentro do espaço no qual o bicho se encontra. Pela lógica da mecânica quântica, se o gato for considerado uma partícula, ele estaria ao mesmo tempo vivo e morto. Esse paradoxo seria aplicado ao observador de fora tornando o estado quântico do gato válido apenas se o observador consegue ver o que está acontecendo.

Bom, salvo todas as distâncias entre a mecânica quântica, esse exemplo pode ser usado metaforicamente para explicar uma característica única na recente política brasileira e o contínuo fenômeno Jair Bolsonaro, mesmo após dois anos à frente de seu governo.

Na política, o comportamento de uma pessoa é definido pela observação de suas ações, narrativas, histórico de ideias, desejos futuros e percepção de quem está de fora. Bolsonaro conseguiu se inserir em um perfil único dentro da política no qual ele é e não é um político ao mesmo tempo.

A bomba nuclear da Lava Jato eliminou grande parte do meio político que carregava um comportamento relativamente previsível de suas ações e posicionamentos. A hecatombe que dissolveu nomes políticos históricos foi um marco nacional na guerra contra a corrupção e (parcialmente) contra a impunidade. A narrativa pós-Lava Jato desenvolvida por Bolsonaro ancorou-se na rejeição da política tradicional e na inauguração de uma “nova forma de fazer política”.

Na prática, vimos que a política tradicional não foi inteiramente eliminada, nem ocorreu uma a criação de uma nova forma de fazer política. Bolsonaro não representa um grupo, representa a si mesmo com um incrível poder de fluidez entre o que era visto como a “velha política” e a percepção do que é a “nova política”.

Quando ocorre alguma vitória relevante por parte do governo (e reformas, aprovações complexas no Congresso etc.), o presidente adota a linha de que isso só foi possível por conta da sua habilidade de construção de uma nova forma de fazer política. Quando surge uma derrota (em vetos, rejeições por parte do Congresso, crises e demissões), Bolsonaro habilmente se esquiva e coloca falhas na conta da velha política.

Ao mesmo tempo, ele é um político que rejeita a política como forma de se fortalecer politicamente. Esse paradoxo não é necessariamente uma construção planejada por parte do presidente, mas um comportamento intuitivo baseado no perfil do eleitorado robusto que o apoia. Assim, a política se torna um mecanismo de aprovação e uma justificativa para as falhas produzidas pelo governo.

Entre investidores estrangeiros, essa postura aparece um pouco confusa, pois, como mencionei em outros artigos, a previsibilidade (ou o mais próximo que se pode chegar a ela) é o combustível essencial para investir em um ambiente incerto e complexo como o Brasil.

A política, na visão do investidor, precisa navegar de forma quase desinteressante para que os atributos particulares das oportunidades de investimento se tornem atrativas. Quando o ambiente político se torna imprevisível, toda a cadeia de oportunidades incorpora essa imprevisibilidade e adiciona barreiras de análises para investimentos.

A personificação do liberalismo na figura de Paulo Guedes não ocorreu espontaneamente pelo lado dos investidores. Essa personificação foi construída por Bolsonaro ao longo da campanha, colocando um excesso de responsabilidade no ministro, levando investidores a ouvir e ler cada frase do ministro como uma bússola indicando que pode acontecer no Brasil no caminho para um ambiente melhor de negócios.

À medida que Guedes encontra dificuldades de executar o que diz e, principalmente, tem em Bolsonaro um aliado conceitual, mas não prático, o investidor inclui promessas como fatores de risco e não mais como fatores de oportunidade. A distância entre o que é dito e o que ocorre é grande e segue aumentando. Bolsonaro consegue se proteger, pois, como mencionado acima, ele consegue convencer seu eleitorado de que ele é parte integral da solução e apenas uma vítima do fracasso de suas próprias políticas.

As reformas sairão de uma forma ou outra. Os elementos aprovados da reforma tributária e da reforma administrativa cairão no saldo positivo do presidente por conta da habilidade intuitiva de incorporar vitórias. Já os elementos positivos excluídos das reformas cairão no saldo negativo do Ministério da Economia, não por culpa deles, mas pela configuração política que o presidente conseguiu criar.

Paulo Guedes foi eleito como o para-raios do que não avança, enquanto Bolsonaro se fortalece como o para-raios do que avança. Essa divisão tende a ser injusta com o Ministério da Economia, pois Ministério e Presidência são uma unidade indissociável na criação do governo Bolsonaro.

Quando o presidente se torna um político que rejeita a política, ele se encontra no melhor dos mundos, pois desenvolveu o mecanismo de colheita positiva e ao mesmo tempo de distribuição dos equívocos na figura dos Ministérios, Congresso e Judiciário.

Autor: Thiago de Aragão – Publicado no Estado de S. Paulo.

QAnon, a nova teoria da conspiração que se prepara para entrar no Congresso dos EUA!

Movimento nascido no lado obscuro da Internet foi classificado como “ameaça terrorista” pelo FBI, mas ganha a aprovação da Casa Branca e já começa a reunir seguidores até no Brasil.

         Apoiador de Trump exibe sinal do QAnon durante comício do presidente americano,  em 2018. Rick Loomis.

 
         Tudo é delirante. Surrealista como dizer que Barack Obama ― um traidor e terrorista ―, pediu asilo em Mônaco. Doloroso como a afirmação de que o chef Anthony Bourdain se suicidou em 2018, ao saber que seria preso por pedofilia. Absurdo como dizer que a casa da celebridade Oprah Winfrey foi revistada em busca de crianças abusadas. Ridículo como dizer que, na realidade, Tom Hanks não teve covid-19, mas foi preso na Austrália e enviado para os Estados Unidos. Triste como a história de que o senador John McCain não morreu de câncer no cérebro, mas foi executado. Demencial como a crença de que toda essa elite mundial, formada por pedófilos, é esperada na prisão de Guantánamo, que já foi ampliada para receber pelo menos 60.000 pessoas para as quais existe um mandado de prisão.

Só mais uma observação. Kim Jong-un, na verdade, não é um tirano cruel com o povo norte-coreano. Ele foi colocado em Pyongyang pela CIA! Mas o grande salvador, Donald Trump, o libertou em 2018. Agora, um sósia ocupa seu lugar. Bem-vindo ao mundo do QAnon, a mais nova teoria da conspiração surgida na internet.

Teses delirantes que vivem de espalhar mentiras nunca foram um artigo em falta na internet. O QAnon, no entanto, está próximo de colocar uma representante no Capitólio, o congresso dos Estados Unidos, nas eleições de novembro. Marjorie Taylor Green, que concorre pela Geórgia, poderá fazer parte da instituição no próximo ano. Green, seguidora do QAnon e recentemente definida por Trump como uma “futura estrela republicana”, defende delírios como que Obama contratou pistoleiros da gangue criminosa salvadorenha MS-13 para matar o membro do Comitê Nacional Democrata Seth Rich (sua morte está no centro de centenas de teorias conspiratórias), assassinado aos 27 anos com dois tiros nas costas, em 2016. Ela será a candidata republicana em um distrito tradicionalmente controlado pelos conservadores.

Em maio de 2019, o FBI declarou que o QAnon representa uma ameaça de terrorismo doméstico. Apesar disso, Donald Trump deixou clara sua aprovação ao movimento. Com isso, o grupo de seguidores do grupo tem crescido, na esteira de um presidente que alimenta as teorias mais bizarras, uma economia em queda livre e a solidão de muita gente viciada em conspirações, agravada pelo confinamento forçado em resposta à pandemia do novo coronavírus.

A candidata republicana Marjorie Taylor Greene, que pode se tornar a primeira seguidora oficial do QAnon no Congresso dos EUA. John Bailey - AP

O chuvoso mês de agosto em Washington estava terminando quando um repórter perguntou ao presidente dos EUA o que pensava de QAnon. Trump não hesitou muito: declarou que não sabia muito sobre o movimento a não ser que são pessoas que gostam dele, e ficou grato. “São pessoas que amam nosso país”, acrescentou. Mas a questão do jornalista tinha uma segunda parte. Quando perguntou a Trump se ele estava ciente de que o movimento acreditava que ele estava secretamente salvando o mundo de um culto satânico de pedófilos e canibais, Trump, longe de ficar chocado, simplesmente respondeu: “Eu não tinha ouvido isso. Mas isso se supõe que seja uma coisa boa ou ruim? Quero dizer, se eu puder ajudar o mundo em seus problemas, estou desejoso de fazê-lo”.

Arma da extrema direita

O QAnon não tem nenhum líder conhecido ou ideologia oficial para além das mentiras e das conspirações das quais se alimenta. Seu nome é a soma de duas ideias. O Q é a letra que designa o nível mais alto de acesso a informações confidenciais do Departamento de Energia dos EUA. Mas ninguém sabe qual pessoa na realidade seria Q. E, como seus seguidores operam na sombra e agem covardemente atrás do anonimato, ao Q acrescentaram “Anon”, abreviação de anônimo.

O grupo nasceu no final de 2017, quando começou a ser usado pela extrema direita, e ganhou espaço no 4chan e no 8chan, dois gigantescos fóruns da Internet ― hoje fechados ―, nos quais não havia filtros e seus usuários participavam anonimamente. A missão de QAnon é clara: acabar com um suposto projeto diabólico dirigido por uma elite pedófila global, formada, entre outros, por George Soros, a família Rothschild e Angela Merkel (que, na verdade, é neta de Adolf Hitler). Nessa rede maligna também militam políticos democratas de destaque, atores de Hollywood e até o Papa Francisco, como "provam” os escândalos de pedofilia da Igreja Católica. Porque a principal tarefa dessa rede de malvados, além de destruir a civilização judaico-cristã para impor uma Nova Ordem, é traficar crianças, que são estupradas e assassinadas em cerimônias secretas. São mentiras, é claro, mas os seguidores do QAnon parecem levar suas “viagens” a sério.

Um exemplo é o episódio conhecido como pizzagate, em dezembro de 2016, quando um homem de 28 anos dirigiu desde a Carolina do Norte para entrar em uma popular pizzaria da capital americana armado com um fuzil AR-15. Edgar Maddison Welch estava convencido de que ali havia um cartel escondido, dirigido por Hillary Clinton e John Podesta (irmão de seu ex-chefe de campanha), que traficava crianças para escravizá-las sexualmente ou vendê-las.

Mesmo no Brasil o movimento ensaia os seus primeiros passos. Em algumas das recentes manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília, houve a presença de pessoas com camisetas ostentando o Q do grupo. Também há uma tendência crescente de referências à supostas “ameaças representados pelos pedófilos” em posts em redes sociais de apoiadores do presidente. É uma ala que, por exemplo, ajudou a campanha de difamação contra o youtuber Felipe Neto, um dos críticos de Bolsonaro com maior alcance no país.

Em julho deste ano, grupos de extrema direita nas redes sociais começaram a espalhar uma montagem com um tweet falso em que o influenciador citaria a frase “criança é que nem doce, eu como escondido”. Muitos dos retweets traziam a hashtag #qanon. Pouco depois, o ministro do STF Celso de Mello e o grupo Movimento Brasil Livre (MBL) também foram alvo de montagens parecidas.


Mensagens cifradas

No mundo real, o receio entre os serviços de segurança é que a proximidade da eleição presidencial americana, no dia 3 de novembro, pode levar os extremistas a aderir a uma das teorias da conspiração talvez mais perigosas da história, a ponto de que seus seguidores poderiam não respeitar o resultado eleitoral em caso de derrota de Trump, o homem chamado para acabar com esse com esse suposto complô. Existem precedentes. QAnon já protagonizou atos violentos por parte de supremacistas brancos, inclusive o tiroteio na sinagoga de Pittsburgh, em outubro de 2018, que matou 11 pessoas, e o massacre de El Paso, em agosto de 2019, com 22 mortes.

Há cada vez mais seguidores que agitam bandeiras ou vestem camisetas com o grande Q que representa QAnon nos comícios de Trump. Buscam mensagens cifradas na boca de seu líder. Por exemplo, quando em um discurso na Flórida disse quatro vezes o número 17, o grupo pensou que se referia ao Q, a décima sétima letra do alfabeto.

Isso corresponde à forma pela qual o grupo se comunica, que costuma ser por meio de mensagens cifradas chamadas crumbs (migalhas) ou drops (gotas) no 8kun, um fórum de mensagens anônimas que substituiu o 8chan ― fechado no ano passado por ser um ninho de extremistas. Entre eles estava o autor do massacre de Christchurch, na Nova Zelândia, que deixou 51 cadáveres.

O início na relação do QAnon com a Casa Branca originou-se de um encontro com famílias de militares em que Trump disse: “Talvez esta seja a calmaria que antecede a tempestade”. Foi aí que quiseram entender que Trump havia sido enviado para destruir o chamado Deep State, a sociedade secreta “incrustada nas instituições e controlada pelas elites globais e democráticas para traficar crianças”. 

Então aconteceu o “despertar”, quando os membros desse grupo, que se autodenominam red-pilled (em referência ao filme Matrix, quando aqueles que tomam a pílula vermelha veem como realmente é o mundo) saíram das sarjetas da Internet e começaram a ser vistos nos comícios do candidato republicano à reeleição para a Casa Branca. Em fevereiro deste ano, havia cerca de 155.000 red-pilled. Em junho, esse número já ultrapassava um milhão. E segue aumentando desde então.

Autora: Yolanda Monge – El País

14 de setembro de 2020

Um nome que poucos conhecem no Brasil!


Ele foi professor, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista político chileno que, logo após o golpe militar que elevou Pinochet ao poder em 11 de setembro de 1973, foi preso, torturado por vários dias, fuzilado e que teve seu corpo abandonado numa favela.
No dia seguinte, cerca de 600 professores e estudantes da Universidade Técnica do Estado (UTE), em Santiago, faziam vigília no campus. O grupo manifestava seu apoio ao presidente Salvador Allende, deposto na véspera por um golpe militar patrocinado por Augusto Pinochet quando foi conduzido ao Estádio Chile. Era um ginásio de esportes no qual se realizavam shows, partidas de vôlei e basquete que tinha sido convertido desde o dia anterior em centro de detenção e quartel general da repressão. Entre os presos estava um conhecido compositor de cabelo encaracolado, logo identificado por um dos soldados. “Não o tratem como mulherzinha”, orientou o oficial. Seu nome era Víctor Jara.
Professor da Faculdade de Comunicação da UTE, Víctor Jara militava no Partido Comunista, havia apoiado a eleição de Allende pela Unidade Popular em 1971, e firmava-se como o maior nome da canção de protesto em seu país. Instantes depois de pisar no Estádio, foi brutalmente espancado. Seu rosto vertia sangue quando lhe esmigalharam também as mãos, a coronhadas, diante de todos. Seus torturadores afirmavam fazer aquilo para que ele nunca mais empunhasse um violão.
Cinco dias após a prisão, Víctor Jara foi assassinado. O laudo emitido após a autópsia, feita quando localizaram o cadáver num matagal, indicou uma porção de ossos quebrados e 44 marcas de balas. Antes de morrer, conseguiu redigir um poema entregue aos companheiros de cárcere que providenciaram cópias e conseguiram preservá-lo, dando-lhe mais tarde o título de Estádio Chile.
Trinta anos depois, em setembro de 2003, o mesmo Estádio Chile foi nomeado Estádio Víctor Jara. Filho de lavrador, Víctor Jara tocava e cantava num grupo de música folclórica quando conheceu Violeta Parra, na segunda metade dos anos 1950, e foi convencido por ela a continuar insistindo na carreira. Em 1965, já tinha gravado um disco com o conjunto quando passou a frequentar a Peña de los Parra. Seus dois primeiros LPs como artista solo foram lançados em 1967.
Aos poucos, a canção folclórica e os temas rurais foram cedendo espaço para a música de protesto, mais urbana e, ao mesmo tempo, profundamente alinhada às bandeiras políticas da época. Víctor apoiou o líder vietnamita Ho Chi Min, citando-o nominalmente em plena guerra fria na canção “El Derecho de Vivir en Paz“. Grava “Cruz de Luz”, de Daniel Viglietti, solidarizando-se com o padre e guerrilheiro colombiano Camilo Torres. Monta um repertório com canções em homenagem a Pancho Villa, Che Guevara e Salvador Allende. Musica o poema de Neruda “Aquí me Quedo“: “Eu não quero a pátria dividida / cabemos todos na minha terra”.
Mais conhecido como compositor de “Te Recuerdo Amanda”, gravada por Mercedes Sosa, Joan Baez, Ivan Lins e muitos outros, Víctor Jara registrou sua missão na primeira estrofe da canção “Manifesto“: “Eu não canto por cantar/ nem por ter uma voz bonita/ Canto porque o violão/ tem sentido e razão.”
Essa história exemplifica o que foi o período sangrento da ditadura comandada pelo assassino General Pinochet. Lamentavelmente o presidente do Brasil em visita àquele país elogiou o general Pinochet, contrariando qualquer lógica que possa existir no mundo diplomático.
Pinochet protagonizou o golpe militar e a ditadura sangrenta que durou quase 17 anos no Chile, entre 1973 e 1990, matando mais de três mil pessoas no país. Na ditadura chilena, lideranças de esquerda e intelectuais foram assassinados pelo Estado, e quase 40 mil foram torturados de acordo com relatórios produzidos por comissões da verdade após o fim do regime.
Pinochet é visto como uma figura nefasta por muitos chilenos, imagem que se consolidou internacionalmente devido aos milhares de crimes ocorridos sob a ditadura.

Autor: Rafael Moia Filho: Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.