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8 de janeiro de 2020

"Salário-esposa" vai custar R$ 455 mil à Prefeitura de São Paulo em 2020...

O nome soa estranho em 2020. Em 1967, quando foi criado, talvez nem tanto. O chamado "salário-esposa" surgiu como um benefício a ser pago ao servidor público da cidade de São Paulo, homem, cuja mulher não trabalha. Existe até hoje e, em 2020, vai custar R$ 455 mil aos cofres públicos, conforme publicado no Diário Oficial do Município do dia 31 de dezembro de 2019. Em 2018, a estimativa é que cada funcionário cadastrado para receber o auxílio tenha ganhado o valor de R$ 3,39 mensais. Cerca de 10 mil funcionários recebem o "salário-esposa”.
É um valor pequeno se comparado ao orçamento total da capital paulista para o ano, de R$ 68,9 bilhões, mas pode ter impacto sob a perspectiva da administração pública. A implantação de equipamentos para prática de exercícios físicos em praças públicas, por exemplo, sai por volta de R$ 40 mil. Cobrir uma quadra esportiva em uma escola, R$ 100 mil.
O "salário-esposa" também é considerado anacrônico do ponto de vista social. "Foi criado com base em um desenho de família totalmente ultrapassado, com a presunção de que tem um homem que sustenta a casa e uma mulher totalmente dependente dele que não trabalha fora", diz a vereadora Soninha Francine (PPS-SP), autora de um projeto de lei, de 2018, para extinguir o benefício. "Vivemos em um país em que metade dos lares são chefiados por mulheres. Elas trabalham fora tanto quanto os homens. Lá atrás pode ter sido um jeito de dar uma garantia para uma mulher cujo trabalho, em casa, não era reconhecido”.
Ainda em 2018, a então vereadora Sâmia Bomfim (PSOL-SP), hoje deputada federal, também apresentou uma proposta para acabar com o "salário-esposa". Os dois projetos estão em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Soninha diz que pretende aproveitar a volta do recesso, em 31 de janeiro, quando ainda não há temas urgentes que possam passar na frente, para retomar a pauta.
"Há questionamentos sobre o PL, mas de ordem formal, pois, como seria a supressão de um benefício dos servidores públicos, teria de partir do executivo, não do legislativo, mas vamos tentar mesmo assim", explica.
Para conseguir o benefício, o funcionário precisa provar que mantém "vida comum" com a companheira há pelo menos cinco anos, além de apresentar certidão de casamento e uma declaração em que a mulher atesta não exercer atividade remunerada. Mulheres cujos maridos não trabalham não têm direito ao benefício.

Publicado pelo De Universa – Direitos da mulher.

Carga tributária banca a ineficiência do Estado brasileiro!

Uma nação que tenta prosperar a
base de impostos é como um homem
com os pés num balde tentando
levantar-se puxando a alça.
Winston Churchill 

A carga tributária brasileira é uma obscenidade que afronta nossa inteligência e derruba quaisquer argumentos ou teses econômicas. Mesmo com a economia andando de lado, feito caranguejo, a carga tributária atingiu o pico de 35.08% do PIB – Produto Interno Bruto em 2018 – o equivalente a R$ 2,39 trilhões.
Esse percentual sobe anualmente independentemente do governo ou partido que esteja no poder. A ganância do governo brasileiro ultrapassa barreiras ideológicas, porque na verdade os impostos servem apenas para manter a pesada e ineficiente máquina estatal.
Na média, em 2019, cada habitante recolheu o equivalente a R$ 11.494 em impostos. Cada brasileiro precisou trabalhar cerca de 128 dias para quitar os seus compromissos com o pagamento de tributos. Em contrapartida, o governo não fornece saúde, educação, segurança, saneamento básico nem habitação como forma de retribuir aos pesados tributos que pagamos.
A expansão do peso dos impostos para empresas e pessoas físicas em 2018 atingiu 1,33 ponto porcentual e bateu o recorde anterior, registrado em 2008, de 34,76% do PIB. O avanço é ainda mais impactante pelo fato de representar o maior salto dos últimos 17 anos. A série histórica é de 1947. Os dados foram extraídos de fontes oficiais, registrados nos balanços públicos.
Em 2019, com o governo Bolsonaro, nada mudou, seu ministro da fazenda Paulo Guedes ainda sonha com um novo imposto digital nos moldes da antiga CPMF. Quer ainda reduzir os abatimentos atuais do Imposto de Renda - Pessoa Física com saúde e educação.
De 2008 até 2015, a carga encolheu aproximadamente 1,92% do PIB. Esse quadro, porém, se inverteu a partir de 2016. De 2016 a 2018, houve um avanço dos impostos de 2,23% do PIB – sendo a maior parte no último ano. Segundo José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), os resultados de 2016 e 2017 foram sustentados por fatores atípicos, como os recursos do programa de recursos no exterior e as receitas de royalties do petróleo, que foram puxadas pela trajetória expansiva do preço do petróleo no mercado internacional.
O número de servidores públicos federais (ativos+aposentados) era de 1.272.847 em dezembro de 2018. Se somarmos as três esferas do poder executivo (Municipal, Estadual e Federal) temos algo em torno de 12 milhões de servidores. Um número exorbitante, sem a mínima razão. Pois é essa máquina inchada e obsoleta que consome bilhões dos nossos impostos.
A despesa líquida com pessoal aumentou de R$ 137,45 bilhões em 2008 para R$ 304,61 bilhões em 2019. Se considerados os últimos 20 anos (1999 a 2018), são 172.661 funcionários públicos a mais no governo federal (aumento de 15,7%).
Esses números ajudam a explicar a sanha governista por impostos no país. Os Munícipios e os Estados somam-se ao governo federal na ineficiência e no volume de servidores que consomem mais de 50% do orçamento público. Eleição após eleição, discursos e mais discursos jamais precederam cortes eficazes nas despesas para que o governo pudesse aliviar a carga tributária. 

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

7 de janeiro de 2020

A mãe de todas as reformas!

Num estado democrático existem
duas classes de políticos:
Os suspeitos de corrupção
e os corruptos. David Zac

Entre os projetos, leis, e reformas estruturais guardadas com muito “zelo” pelos políticos brasileiros, estão: A discussão sobre a taxação das grandes fortunas e a Reforma Política. Ambas jamais serão realizadas por livre e espontânea vontade dos nossos parlamentares, exceto se houver duas condições a saber: 1ª – Pressão popular nas ruas. 2ª Eles fazem do jeito deles sem buscar atingir os objetivos que a sociedade gostaria.
Quanto a reforma política, ela decorre de uma série de medidas e alterações legais para transformar o sistema eleitoral e político a fim de corrigir falhas, desigualdades ou distorções promovidas ao longo do tempo. É objetivo também o combate a problemas existentes no meio político partidário eleitoral, como a corrupção.
Há muito tempo setores da sociedade civil pleiteiam um amplo debate sobre uma reforma política no Brasil, entretanto, sem pressão desses mesmos setores e da população, essas mudanças jamais acontecerão, visto que envolve Poder, Dinheiro e muita Influência que os políticos detêm e amam.
Entre as pautas principais, cabe destaque para a questão do financiamento de campanha. Atualmente, as candidaturas são financiadas por verbas públicas e privadas, ou seja, tanto o Estado quanto pessoas físicas e jurídicas podem contribuir para angariar fundos na campanha de um partido e de um determinado candidato.
O ideal diante de uma sociedade com desigualdades imensas seria que os partidos políticos financiassem às suas custas as suas campanhas eleitorais. Assim como o fazem as Entidades Assistenciais, as Escolas de Samba e demais setores da sociedade brasileira, fazendo rifas, churrascos, festas e jantares para angariar fundos. Não tem mais cabimento o povo brasileiro bancar as suas expensas os gastos desses políticos carreiristas. Afinal de contas, os médicos, engenheiros, jornalistas, e todos os demais profissionais custeiam suas carreiras da formação até o fim da vida, por que então temos de onerar nossos bolsos pagando para quem escolheu ser político?
Outro ponto polêmico é o que se refere às coligações partidárias. Muitos afirmam que elas são um problema, pois beneficiam pequenos partidos que, em tese, só existem para pleitear cargos em campanhas e gestões de partidos maiores, além de desigualarem o tempo de TV, haja vista que o tempo da campanha é distribuído para cada candidato pelo número de partidos existentes em sua coligação.
Dentre as propostas, citam-se: o fim das coligações, o que não é consenso; a distribuição do tempo de campanha na TV por candidato, e não por partido; o limite de partidos por coligação; entre outras.
Soma-se a esses temas a questão da proporcionalidade dos votos. Hoje, os deputados federais e estaduais, além dos vereadores, são eleitos por maior número de votos e também pelo voto de legenda. Assim, partidos que possuírem na soma final mais votos, têm direito a mais cadeiras, o que contribui para que candidatos menos votados sejam eleitos em detrimento de candidatos mais votados.
Existem várias propostas de mudança. Uma delas é o voto distrital, que dividiria os deputados por distrito e que seriam eleitos em cada um deles por maioria direta. Essa ideia critica o fato de que partidos e deputados com mais renda são mais facilmente eleitos, o que faz com representem somente as elites (e uma parcela reduzida da população de seus respectivos distritos). Outra ideia é o voto em lista, em que os eleitos votariam somente nas siglas e estas escolheriam os seus candidatos (o que seria feito antes das eleições).
O fim do voto secreto na câmara e no senado também é um ponto presente nos debates sobre reforma política. Em processos de cassação de mandatos, os parlamentares votam pela cassação ou não em uma lista secreta, o que, de um lado, defende o votante de pressões políticas internas, mas, de outro, evita a transparência para com a população. A proposta é acabar com o voto secreto em sessões de cassação de mandatos.
Existem deputados e senadores que estão há meio século na política, isso precisa acabar de uma vez. A reeleição de senadores deveria ser restringida a dois mandatos e os deputados estaduais e federais a três mandatos no máximo. Os vereadores deveriam passar a receber um salário mínimo ou o equivalente ao salário dos professores em cada munícipio.
Os deputados estaduais e federais assim como os senadores deveriam ter seus salários regulados pelo salário mínimo da seguinte forma: Dep. Estadual – 10 x Salário Mínimo (R$ 1.031,00) = R$ 10.310,00. Dep. Federal 20 x Salário Mínimo (R$ 1.031,00) = R$ 20.620,00. Senador – 30 x Salário Mínimo (R$ 1.031,00) = R$ 30.930,00.
Essas são algumas sugestões que poderiam entrar em uma ampla discussão, que tem que ter obrigatoriamente a presença da população. Sem os setores representativos da sociedade civil jamais haverá uma mudança nessa situação que nos envergonha, encarece e permite que a iniquidade seja perpetuada em nosso sistema legislativo.

Fontes consultadas: Site Brasil Escola; FGV DAPP; Toda Matéria

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

3 de janeiro de 2020

2019 - Sem retrospectivas - Um ano para se esquecer!

A utopia está lá no horizonte.
 Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos, ela se afasta dez passos.
Por mais que eu caminhe jamais a alcançarei.
A Utopia serve para que jamais
deixe de caminhar em sua direção.
Eduardo Galeano

Esta época do ano, temos nas emissoras de televisão os famosos programas que mostram as retrospectivas do ano que está terminando, e que servem apenas para nos lembrar de todas as desgraças que aconteceram ao longo do ano. São dezenas de mortes, eleições e eleitos que geralmente queremos esquecer, tragédias, muitas tragédias, acidentes, coisas que na verdade gostaríamos de nunca ter que lembrar.
Os diretores das emissoras imaginam que estão nos fazendo um imenso favor, quando na verdade, estão nos impingindo uma dose a mais de estricnina na veia.
No caso brasileiro, 2019 em particular, foi um ano pródigo em nos trazer notícias ruins a cada novo dia. Desde a morte prematura e difícil de aceitar do brilhante jornalista Ricardo Boechat em janeiro até o deslizamento de terras da Vale do Rio Doce em Brumadinho com a morte de 249 seres humanos, além do prejuízo incalculável para o meio ambiente.
Um ano daqueles que ficarão marcados como o Ano do Mau Agouro, no horóscopo chinês, se houvesse, deveria ter sido o ano do Verme peçonhento. Pesado, triste, com mudanças climáticas que prenunciam futuro sombrio para a humanidade ao mesmo tempo que desprezados por pseudos líderes mundiais.
Os eleitores foram pródigos em conseguir eleger políticos piores dos que os que estavam nos cargos em muitos países da Américo do Sul e na Europa, com a ascensão da direita e da extrema direita, em muitos casos permitindo o renascimento de movimentos fascistas. No caso do Brasil, do movimento Integralista.
A Hungria, Itália, somam-se ao Brasil e independente de ideologia partidária, elegeram políticos piores do que os que já estavam no poder. Até o antes tranquilo Chile, está pagando um preço altíssimo com revoltas, manifestações nas ruas e muitas mortes e prejuízos depois que o presidente Sebastián Piñera assumiu o poder e promulgou reformas e decretos extremamente prejudiciais a sociedade chilena.
A Bolívia, Venezuela, Equador e outros países da América do Sul vivem períodos turbulentos, com instabilidade econômica e tem em comum com o Brasil o imenso fosso que separa classes sociais. Com minoria milionária pagando pouco ou nenhum imposto e uma maioria na linha da miséria, intercaladas pela classe média que paga a maior parte dos impostos e fica exprimida entre os dois extremos.
 O meio ambiente é um segmento que quer esquecer 2019. No Brasil, nunca houve tantas queimadas e destruição de matas, por latifundiários em busca de terra para transformar em pastos, plantio e loteamentos como está ocorrendo em Alter do Chão – PA.
Tudo com a benção do governo Bolsonaro, que ceifou o Ibama e demais órgãos que poderiam controlar a situação. Em virtude dessa sanha por terras, índios estão sendo massacrados no norte do país sem que as forças policiais, exército e poder judiciário façam alguma coisa para protege-los da extinção.
Não temos consolo, ao contrário de anos anteriores quando dizíamos que o ano novo poderia trazer mudanças e novos ares, sabemos de antemão que 2020 será apenas e tão somente a continuação dos males causados por uma eleição equivocada de 38% dos eleitores. Haviam opções no primeiro turno, mas o país buscou as piores e levou para o segundo turno o antagonismo e o atraso em forma de luta ideológica estúpida e sem razão.
O Brasil virou pária dos EUA e o preço a ser faturado é algo que levará muitos anos para que possamos reaver. Nossa Nação se sujeitou a ser capacho e não liderança mundial. Deixamos de tentar o protagonismo para vivermos nos envergonhando perante o mundo moderno.

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

Um 2020 entre profetas das desventuras e profetas da esperança!

O mundo sofre hoje tentações de involução autoritária, mas, apesar de tudo, a democracia e os seus valores continuam avançando.
Cariocas e turistas aproveitam o último dia de 2019 para curtirem a praia de Copacabana, zona sul da cidade.T. Rêgo Agência Brasil
Quem na década de 1950 cunhou a expressão “profetas de desventura”, em contraposição aos profetas da esperança, algo que não pode ser mais atual, foi um dos Papas mais humanos e despojados, João XXIII, filho de camponeses pobres, o mais parecido ao hoje Papa Francisco. Foi na noite anterior à inauguração do Concílio Vaticano II, que pretendia renovar o rosto triste da Igreja de então, dominada pela retrógrada Cúria Romana, burguesa e afastada do evangelho. Aquela que tentou acusar o Papa de louco por ter tido a ideia de convocar todos os bispos do mundo a Roma para fazer um exame de consciência e tentar responder às ânsias de um mundo que pressionava por uma renovação que recolocasse a Igreja na pureza perdida do primeiro cristianismo.
Naquela véspera do Concílio, que se anunciava como uma grande batalha na Igreja entre conservadores e progressistas, o Papa João XXIII surpreendeu aos que esperavam um discurso solene perante um acontecimento que havia sacudido a opinião mundial, de todos os credos e de um modo especial dos agnósticos. Em vez de discutir teologia, disse aos mais de 3.000 bispos já presentes em Roma, vindos de todos os continentes, que estivessem atentos aos “profetas de desventuras”, e que assim o Papa ia dormir muito tranquilo aquela noite.
Às milhares de pessoas que lotavam a praça de São Pedro naquela noite de lua cheia ele disse: “Quando voltarem para suas casas, digam aos seus filhos pequenos que o Papa lhes mandou um beijo”. João XXIII sabia que aquele Concílio seria importante para o futuro dos pequenos.
Foi um Papa que nunca compactuou com o pessimismo, nem sequer naquele momento em que vários bispos não puderam ir ao concílio porque estavam detidos nas prisões soviéticas. Era capaz de não dar importância a nada, sabia relativizar tudo. Enquanto os Papas anteriores se sentiam imbuídos de uma missão sobrenatural e se sentiam representantes de Deus na terra, João XXIII chegava a se esquecer de que era Papa. Contou-me isso na época seu secretário, Loris Capovilla, que havia sido jornalista. Uma tarde, o pontífice lhe disse: “Vamos ter que consultar isto com o Papa”. Havia esquecido de que era ele mesmo.
Não era, entretanto, um Papa nem desavisado nem inocente. Sabia muito bem para que estava ali. Em seu testamento, recordando que seu antecessor Pio XII, o príncipe Eugenio Pacelli, antes de morrer havia concedido títulos nobiliários a meia família, João XXIII deixou escrito: “Nasci pobre e morro pobre”. E pediu perdão à sua família “por não poder lhes deixar nada em herança”. Viveu sempre em paz com todos, crentes e ateus. Para ele, os homens eram só irmãos, com seus acertos e suas quedas. No mesmo testamento, deixou uma frase célebre: “Não tenho que pedir perdão a ninguém, porque nunca me senti ofendido por ninguém”. Era um homem em paz consigo mesmo.
Sua simplicidade surpreendia até os líderes de outras religiões. Uma tarde, convidou o pastor da Igreja Luterana de Roma para tomar um café. Não o recebeu com a pompa de Papa. Relativizou seu trabalho. Confiou-lhe: “As pessoas acham que o Papa trabalha muito, o dia todo. Não é verdade. Fazem tudo por mim. Durante a tarde tenho muito pouco para fazer. Então me entretenho com esta luneta. Da janela vou distinguindo as torres das igrejas. Penso que ao redor de cada uma delas vivem famílias que sofrem e se esforçam para poder dar de comer a seus filhos. Então vou parando e rezo por elas”. E tomando a luneta, disse ao pastor protestante: “Olhe, casualmente, a primeira torre que vejo daqui é a da sua igreja. E assim, todas as tardes, vocês são os primeiros pelos quais rezo a Deus”. A história me foi contada por aquele mesmo pastor em uma entrevista. Ficara surpreso e admirado com a simplicidade do Papa católico.
Quando era jovem núncio apostólico na Bulgária, tinha o costume de deixar uma luz acesa em sua casa. E dizia que se algum necessitado passasse debaixo da sua janela poderia entrar. “Não vou perguntar em que Deus acredita, mas sim como posso ajudá-lo.” Era seu lema.
No livro de conversas Sobre o Céu e a Terra, do então cardeal Bergoglio de Buenos Aires (o hoje Papa Francisco) e do rabino Abraham Skorka, há uma página que evoca João XXIII. Bergoglio diz ao rabino que quando se encontra com alguém não lhe pergunta em que Deus acredita, mas sim se fez algo pelos outros. Dois Papas ecumênicos que para muitos parecem iconoclastas e hereges, mas que foram capazes de falarem ao coração de todos sem distinções de credos.
Dois Papas que, profetas eles da esperança, são contra os “profetas de desventuras”, porque sabem relativizar as coisas, sabem que, como dizia Jesus, até das pedras podem nascer filhos de Deus e que o pior dos pecados é a discriminação das pessoas, por suas ideias, pela cor de sua pele, por seu gênero ou sua condição social. E que quem menos faz pelo mundo são os profetas de desventuras, incapazes de ver que sem esperança a terra nos afundaria e perderia sentido. Que não é verdade que tudo é pior que antes, porque não é, e que não é com o pessimismo, e sim com um saudável realismo, que se pode continuar construindo o mundo.
Neste 2020, eu preferiria que, ao invés de apostarmos no pessimismo, que costuma ser estéril, apostássemos na esperança, que faz milagres. Isso significa sermos firmes e resistentes contra quem pretende nos impor os dogmas dos profetas das desventuras, em vez dos semeadores de esperanças. Resistentes contra governantes como Bolsonaro e suas hostes mais desesperadas, profetas de desventuras e a favor de profetas da esperança, como foi Marielle, que com sua alegria jovem e sua força vital enfrentou o pessimismo das milícias do Rio contra sua esperança de um mundo mais livre e de todos.
São governantes como Bolsonaro e suas hostes racistas que pretendem “desconstruir” em vez de “construir”; que dividem em vez de unir, que discriminam a todos os diferentes sem perceberem que assim se colocam eles mesmos como diferentes e se autocondenam ao ostracismo. De nada serve que Bolsonaro tente apostar no catastrofismo ético, em esterilizar a cultura, em ferir os valores sagrados da democracia e de suas liberdades, em continuar exaltando torturadores e ditaduras. Será um perdedor como acabam sendo todos os pessimistas empedernidos. Marielle, profeta da esperança, já ganhou a batalha contra ele.
O mundo sofre hoje tentações de involução autoritária, e começam a levantar a cabeça as bestas do nazismo e do fascismo que achávamos derrotados para sempre, mas, apesar de tudo, a democracia e os seus valores continuam avançando. Esta boa notícia nos deu neste fim de ano a jornalista e escritora Miriam Leitão em sua coluna d’O Globo ― e isso que ela, que já foi vítima da ditadura, teria motivos para estar na fila dos profetas das desventuras. Não, Miriam se alegra com esses dados significativos que ela tomou de Steven Pinker, professor de psicologia de Harvard e escritor de fama mundial. Se a chegada de Donald Trump, escreve, significou o início e um período assustador, apesar dele e de seus seguidores de sabor fascista na Turquia, Hungria e Rússia e agora em parte na Espanha com a ascensão do ultradireitista Vox, já com forte presença no Parlamento, o fato é que “o total de democracias está crescendo em todo mundo”. Em 2018, o número de países democráticos chegou a 99. Em 1978 eram apenas 40. E continuam aumentando.
Sim, entre sombras e tropeços, entre avanços e retrocessos, sem esquecer a lição demoníaca dos extermínios em massa de ambos os lados ideológicos, o mundo continua lutando por sua sobrevivência, oferecendo novas conquistas e ampliando os espaços de liberdade. Há apenas cem anos, a mulher não tinha direitos, era uma pura escrava do marido. A jovem Greta, 17 anos completados nesta quinta-feira, profeta da esperança em defesa do planeta, teria sido queimada na fogueira na Idade Média. Hoje é ouvida com respeito pelos grandes da Terra.
Há apenas 80 anos não existia o estatuto dos direitos das crianças, que eram vistas como objetos de seus pais. Hoje essa carta de direitos se estende até aos animais. Até ontem, ir fazer a guerra era visto como uma honra, e as famílias se orgulhavam das medalhas que seus filhos obtinham no campo de batalha, mesmo que lá deixassem a vida. Hoje não acredito que haja uma só mãe no mundo que se sinta feliz e orgulhosa de que seu filho vá morrer em uma guerra. O salto foi quântico. Leiam Escravidão (Globo Livros), o magnifico e aterrador livro de Laurentino Gomes, e verão o inferno que viveram milhões de africanos vendidos como escravos. Sua leitura dá arrepios. E isso foi ontem, e hoje é algo que vemos como um inferno, embora os descendentes daqueles escravos continuem pagando suas consequências. Mas nem tudo agora é igual. Ontem era algo natural. Hoje nos envergonha e escandaliza, lutamos contra aquela ignomínia. Ninguém mais acha normal.
Não chegamos ainda a uma democracia completa que defenda os direitos de todas as minorias, mas pelo menos sabemos distinguir entre liberdade e barbárie.
Os pessimistas continuam acreditando que não existe mais esperança. Os profetas das desventuras continuam anunciando o fim do mundo. Prefiro quem não perdeu a esperança de continuar abrindo sulcos na terra para plantar sonhos de liberdade. São eles os capazes até de arriscar suas vidas por defender a liberdade em vez de entregar as armas, que é o melhor presente que se pode oferecer aos profetas do niilismo.

Autor: Juan Arias – Publicado no El País.

2 de janeiro de 2020

Que país queremos ver? Uma retrospectiva ambiental do Brasil de 2019!


Foto Pixabay

           O livro “Não verás país nenhum”, de 1981, do escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão, é uma distopia brasileira ambientada em uma São Paulo futurista, onde a falta d’água, o calor insuportável, a poluição e o desmatamento são o pano de fundo de uma sociedade governada por políticos medíocres, autoritários e corruptos. Junto com a descrição dramática e envolvente do autor, surge um sentimento de terror e medo em nós leitores, e uma reflexão sobre os caminhos que podemos escolher para o nosso país. Como pensar em uma verdadeira nação com tamanho caos ambiental e social? 
Da ficção de Loyola Brandão para o mundo real de 2019, é inevitável a analogia. As notícias do Brasil e do mundo mostram que o ano que está se encerrando foi qualquer coisa, menos irrelevante para a história ambiental recente. Acompanhamos, no cenário brasileiro, ascender um governo inexperiente e avesso ao diálogo, que se alinhou automaticamente aos maiores poluidores do mundo, desprezou os alertas da ciência sobre as queimadas e desmatamentos, acusou e criminalizou ambientalistas e indígenas, apoiou grileiros e desmatadores. 

Foto Divulgação
O que dizer de um ministro condenado por fraude ambiental, assumir o Ministério do Meio Ambiente? Entre suas ações no ano, um repertório de maldades que incluíram  o desmantelamento financeiro e a descaracterização dos órgãos ambientais federais, acompanhados da imposição de uma lei da mordaça e demissões aos seus gestores, a impunidade sobre os que transgrediram as leis ambientais (incluindo o próprio presidente), as reiteradas tentativas de reduzir a área das unidades de conservação e a polêmica suspensão do Fundo Amazônia, apoio financeiro de países europeus que vinha amparando importantes programas para a sustentabilidade da região. 
No agosto mais desafortunado dos últimos anos, vimos a Amazônia arder em chamas, reflexo do aumento dos níveis de desmatamento que atingiu mais de 9.000 km2, a maior área perdida em mais de uma década. São Paulo sentiu a névoa escura das cinzas das queimadas e a Amazônia ficou mais próxima do resto do Brasil do que já se imaginara. No Ministério da Agricultura, mais de 400 agrotóxicos foram liberados automaticamente, com critérios dúbios, colocando em risco a saúde humana e ambiental. Além disso, a produção de cana-de-açúcar, até então restrita aos espaços já desmatados do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, recebeu o aval para avançar sobre a Amazônia e o Pantanal.

Foto Divulgação
O Brasil não saiu do Acordo de Paris, como panfletado no início do ano, mas tem sido representado internacionalmente por um ministro de Relações Exteriores negacionista.  Como se os efeitos diretos da mudança de governo sobre o meio ambiente não fossem suficientes para desenhar um cenário desolador, em 2019 ainda teve Brumadinho e o vazamento de óleo nas praias, tragédias humana, social e ambiental resultantes das históricas negligências no monitoramento das licenças ambientais e das atividades de alto risco. Com este panorama, se Loyola Brandão decidir escrever uma segunda parte para o livro, duvido que haja inspiração maior do que o retrospecto de tudo que ocorreu ambientalmente no Brasil em 2019. 
Na economia, o jargão “ano perdido” ou “década perdida” refere-se a um período relativamente curto em que os indicadores de “crescimento” não avançam conforme o esperado, mas que, passada a tempestade, retomam a algum nível de normalidade.  Quando o assunto é meio ambiente, a dinâmica não é bem assim: muito do que se perde em termos de recursos naturais, não retoma nunca mais. Se o ano de 2019 foi um ano de perdas significativas no sistema que garante a proteção da biodiversidade e dos serviços que o ambiente nos oferece, ainda nos resta a oportunidade de aprender com ele. 
As questões ambientais tomaram conta dos noticiários nacionais e internacionais no ano que passou. Nesse ponto, líderes que se colocaram incrédulos em relação à crise climática, não reconheceram a importância da Amazônia para a estabilidade global, não assumiram responsabilidade ambiental, ou mesmo aqueles que pretenderam obter lucros políticos sobre o tema, funcionaram como holofote para a situação ambiental brasileira. Isso acontece porque boa parte do mundo civilizado não quer mais deixar sua pegada indelével sobre o planeta – pelo menos não o quer conscientemente. 

Foto Pixabay
A atenção mundial para a Amazônia e o Brasil também funcionou como um espelho para que nós brasileiros comecemos a nos enxergar como um país diferenciado, que de fato somos. O recentemente publicado Diagnóstico Brasileiro da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, documento resultante do trabalho intenso de quase uma centena de cientistas, reuniu, pela primeira vez, importantes números deste Brasil muito particular. Somos 200 milhões de seres humanos, de mais de 300 etnias, convivendo com 40 mil espécies de plantas e milhares de animais nativos. É a partir destas diversidades, cultural e biológica, que alcançamos alguns recordes mundiais, especialmente em termos de biodiversidade e produção agrícola, sendo que esta última depende, parcial ou totalmente, de serviços ambientais, como a polinização e o regime de chuvas. Porém, a pobreza e a desigualdade econômica, intensificadas no último ano, nos colocam ainda em péssimas posições nos rankings de desenvolvimento humano. 
Esta singularidade brasileira é o que nos permitirá olhar para o futuro de uma forma diferenciada do resto do mundo. Temos a oportunidade de criar sistemas econômicos resilientes, inclusivos, justos e ambientalmente sustentáveis, como muita pesquisa científica já tem nos mostrado. Uma economia verde, associada a um sistema social justo e natureza preservada, poderia nos destacar comercialmente no mundo e nos levar a alçar um novo recorde: o país de economia mais sustentável do mundo. Seria esta uma utopia?
Para construirmos uma verdadeira nação brasileira não podemos nos furtar de compreender os efeitos de nossas ações presentes para o país que desejamos no futuro. Parece-me que esta releitura completa do Brasil, considerando suas particularidades, com compromisso com as gerações atuais e futuras, não está na lista de promessas de ano novo de nossos governantes. O ano de 2020 já está batendo à nossa porta e o futuro mais uma vez se torna realidade. Depende de nós, brasileiros, escolhermos representantes comprometidos e cobrarmos dos atuais governantes, atitudes que nos ofereçam um cenário futuro com o qual nos identificamos. 

Autora: Marcia C. M. Marques é professora titular de Ecologia e Conservação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integra a Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

O vigor e a decadência das democracias!

Ilustração Sebastian Thibault
Sejam quais forem nossas convicções ideológicas, acumulam-se, nos últimos tempos, elementos que colocam em xeque a confiança nos sistemas políticos ocidentais - com todas as suas particularidades e sistemas democráticos. Em momentos críticos como o que vivemos atualmente em inúmeros pontos do mundo, é na reflexão política desenvolvida por grandes intelectuais que buscamos alguma perspectiva diferente, vislumbramos possíveis saídas e soluções para a crise generalizada. Francis Fukuyama, cientista político de alto nível de erudição na área da literatura, baseou a maior parte de sua obra na discussão sobre diversos regimes políticos, levando sempre em consideração um amplo panorama histórico.
Sua obra mais conhecida, O fim da história e o último homem, lhe rendeu destaque mundial e foi traduzida para mais de 20 idiomas. Além do best-seller, as duas publicações mais recentes do cientista político, As origens da ordem política – Dos tempos pré-humanos até a Revolução Francesa e The origins of political order – From the Industrial Revolution to the globalization of democracy - ainda sem tradução para o português - revisam a cronologia do desenvolvimento sociológico e político internacional até os dias de hoje, buscando entender de que forma a democracia entrou em descrédito.
Além de um longo currículo de estudos na área das ciências políticas, Francis Fukuyama teve contato direto com a questão, tendo atuado no planejamento político do Departamento de Estado nos Estados Unidos, e como membro do Fórum Internacional para Estudos Democráticos. Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, Rodrigo de Lemos, doutor em Letras, analisa e reflete sobre a obra de Fukuyama, buscando situar o momento político do Brasil em relação a outros países, e perante as tendências apontadas pelo intelectual.
O destino intelectual de Francis Fukuyama deve conter penas e prazeres em igual medida. Lançar uma tese (“O fim da História”) que, achatada em slogan, define uma época; cruzar o globo palestrando; ser resenhado por veículos que contam – eis o sonho do intelectual público. Ninguém, entretanto, é obrigado a explicar-se tão constantemente quanto ele, nem tão em vão, a uma audiência por vezes sarcasticamente rebarbativa a qualquer nuance. Uma bomba explode em um recanto do Oriente Médio; um tiranete asiático ameaça um potentado ocidental, e alguém fatalmente há de lembrar o quanto a História está longe de diluir-se no tédio do tout marché e da democracia universal.
The End of History and the Last Man (1992) acarretou essa ambígua popularidade ao seu autor por responder à conjuntura histórica de dissolução do bloco soviético. Os dois longos e eruditos volumes de Political Order and Political Decay não lhe valerão provavelmente a mesma audiência; o timing, entretanto, segue preciso; eles vêm a lume em um momento em que as democracias ocidentais aparentam ter cruzado há muito o seu zênite. O objetivo, explicar por que algumas sociedades penam a “chegar à Dinamarca”, construindo ordens políticas estáveis e sociedades livres, prósperas, razoavelmente igualitárias. Em outra nota, o livro se propõe analisar por que a über-democracia americana não cessa de dar sinais de estiolamento.
O volume inicial, From Prehuman Times to the French Revolution (2011), debruça-se sobre a primeira dessas questões. Três pilares sustentariam a ordem política democrática: um Estado moderno eficiente, esteado em uma burocracia impessoal, especializada, formalizada e hierárquica; o império da lei, frequentemente decorrência da pressão de classes sacerdotais que reportam a autoridade terrena a uma esfera transcendente ao governante; finalmente, a accountability, a responsabilidade e o compromisso dos governantes quanto aos governados.
Em polêmica aberta com o marxismo, que compreende a modernização como um único salto qualitativo, Fukuyama reforça o quanto, na história humana, o surgimento desses três pilares nada teve de inevitável, nem se implicaram eles entre si. Se sociedades como a inglesa foram afortunadas ao serem precoces na modernização, a China imperial, por exemplo, foi pioneira em criar uma burocracia eficiente, mas nenhum mecanismo formal de legalidade ou de responsabilidade quanto aos governados contrabalançava o poder do imperador, para além de sua educação como bom governante.
Daí a proposição por Fukuyama de uma tipologia das sociedades segundo sua ordem política. Já vimos os extremos dos casos chinês e inglês. A Índia conheceu cedo formas assemelhadas ao rule of law e à accountability dadas sua organização social e a influência da casta bramânica, mas falhou em desenvolver uma burocracia eficiente. Os absolutismos francês e ibérico nunca o foram plenamente quando comparados aos despotismos chinês ou russo; a obra centralizadora de um Richelieu ou de um Filipe II foi mais a de uma conciliação da Coroa com as elites antagônicas do que, como no caso oriental, a definitiva submissão destas por aquela (como a empreendida pelos Han ou por um Pedro, o Grande). Se os reis latinos contrabalançados por suas aristocracias foram mais accountable e menos despóticos que suas contrapartes na Eurásia, o Estado perdeu em eficiência, tornando-se grande, corrupto e, finalmente, frágil.
Aliás, é nessa relativa fragilidade do Estado ibérico que Fukuyama, em um capítulo que nos interessa particularmente, situa as raízes da instabilidade latino-americana. As práticas pouco republicanas que povoam nossos jornais não soariam estranhas às cortes dos Joões ou dos Bourbons setecentistas. Na sanha de financiar-se, essas monarquias patrimonializaram seus Estados, permitiram sua alienação a elites por meio de cargos venais, o que retardava sua burocratização meritocrática. Com a transposição da máquina administrativa para além-mar, o patrimonialismo teria migrado igualmente para as Américas, resistindo enquanto as antigas monarquias europeias se modernizavam em graus diversos, às vezes por meio da violência (como na França). Raymundo Faoro não estaria de todo em desacordo com a análise, que tem o mérito de apreciar a América Latina e suas mazelas não como um outro com relação ao Ocidente, mas como sua extensão atávica. Álvaro Vargas Llosa, outro liberal que parece ter lido Hegel, já descreveu a América Latina como o Ocidente antes do Ocidente.
No segundo volume, From the Industrial Revolution to the Globalization of Democracy (2014), Fukuyama acompanha a evolução da ordem política primeiramente no núcleo duro do Ocidente (a França e as reformas napoleônicas; a Inglaterra e a introdução da meritocracia no serviço público com o relatório Trevelyan-Northcote), depois sua expansão à periferia do sistema (Alemanha e Japão), suas repercussões na Ásia, até chegar à sua realização maior na democracia americana, nela apresentando os sintomas precursores da decadência. Uma consolidação e uma expansão da democracia liberal que são para Fukuyama uma guerra entre natura e cultura; os homens tendem biologicamente a privilegiar os laços pessoais, garantindo vantagens a família e amigos; ora, a ordem política moderna implica uma certa impessoalidade ao postular o pertencimento em mesmo título de todos os seus membros. A tentação patrimonial ronda a democracia e a corrói; décadas depois das reformas progressistas que se seguiram ao populismo jacksoniano, os Estados Unidos parecem a Fukuyama regressar ao clientelismo e à patronagem, em um processo que ele nomeia “repatrimonialização”, com a alienação da função pública a elites e a grupos de pressão. Estamos distantes da fé otimista na inevitabilidade dos progressos históricos que se atribui a Fukuyama, discípulo de Kojève.
Fukuyama está igualmente longe de ser o cantor beato da democracia liberal que se supõe. Haveria para ele uma incongruência latente na ideia de um Estado democrático; enquanto Estado burocrático, sua função executiva é preponderante como fonte de sua legitimidade; enquanto democracia, são-lhe imprescindíveis os mecanismos de consulta à sociedade. O descompasso entre essas suas duas dimensões, executiva e deliberativa, está sempre a dois passos, e nos Estados Unidos teria se tornado um empecilho maior à ação estatal, suscetível de conduzir à sua decadência. Nada garante, salvo a fé no poder de discernimento das massas, que a decisão democrática seja de fato a melhor. Em uma democracia disfuncional, essa dúvida só faz crescer, podendo deslegitimar o sistema. No caso americano, a democracia sequestrada por lobistas e por grupos de pressão nos tribunais e nos partidos teria se volvido uma vetocracia, ameaçando-a de morte por inércia.
O pessimismo desse diagnóstico não significa um rompimento absoluto com a visão historicista. A superioridade por assim dizer in abstracto do Estado democrático moderno segue inconteste, e sua proeminência não é seriamente desafiada por formas mais primitivas de organização social. Muito mais do que as forças alienígenas que são os despotismos modernos ou o fundamentalismo religioso, é a própria senescência da democracia liberal que a poria em xeque onde está consolidada. Por outro lado, brilha uma nota auspiciosa para as democracias recentes como a brasileira. O desenvolvimento político exposto por Fukuyama nos lembra que Estados Unidos, Inglaterra e França já foram sociedades flageladas pelo patrimonialismo e pela corrupção. Reformas do Estado conduzidas sob pressão de uma classe média que emergia na cena política movida por um zelo moralizante contribuíram ao seu saneamento. Alguma analogia com o Brasil contemporâneo sob o império da famosa República de Curitiba? É impossível prever o que dará o processo brasileiro – mas é importante a esperança em meio aos escombros de um sistema político.

Autor: Francis Fukuyama – Publicado no Fronteiras do Pensamento.

A verdade está sob ataque, e o problema é de todos!

Todo mundo no Facebook é meu "amigo". Mesmo? A humanidade ainda não aprendeu a lidar com a enxurrada de informações nas redes e, mais do que nunca, o antídoto é ligar o espírito crítico, opina Christina Bergmann.
O presidente dos Estados Unidos espalha teorias de conspiração desbancadas, o primeiro-ministro britânico engana a Rainha, e um exército internacional de trolls tem agora uma razão de existir: praticar desinformação nas redes sociais. O fim do ano 2019 não é um bom momento para a verdade.
Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, estaria esfregando as mãos de satisfação. Enquanto ele ainda precisou expressamente alinhar os meios de comunicação e mandar prender jornalistas, os populistas de hoje têm jogo fácil: eles simplesmente tuítam e postam inverdades e meias-verdades, sem cessar.
Seus seguidores compartilham os absurdos às dezenas de milhares, e se apenas uma fração permanece nas cabeças dos leitores, os demagogos já terão dividido a nação um pouquinho mais, apertado um tanto mais os laços com seus adeptos. E a próxima vitória eleitoral ficou um pouco mais próxima.
Quem olhe um pouco além da própria bolha informativa nas redes sociais, por exemplo no Facebook, não vai acreditar nos próprios olhos: "[A democrata americana] Nancy Pelosi desviou 2,4 bilhões de dólares da Previdência Social para financiar o processo de impeachment [contra Donald Trump]", berra uma manchete.
Basta um clique, e eu digo para o mundo inteiro como isso me deixa furiosa. Mais um clique, e compartilhei a escandalosa manchete. Como é que essa mulher pode roubar assim os pobres e dos aposentados!
E, no entanto, também basta um clique para se chegar ao artigo por trás da postagem. E para quem seja só um pouco cético e observe atentamente, logo fica claro: não só não pode ser verdade, como não é verdade. O artigo consta da rubrica "Sátira para tirar você do sério". E uma olhada no expediente do site revela: "Tudo neste website é inventado [...] Se você acredita no que está aqui, é hora de mandar examinar a cabeça."
Mas não adianta. A postagem é compartilhada liberalmente, e colericamente comentada – o que, graças ao algoritmo do Facebook, só faz que ela apareça no feed de notícias de mais usuários ainda. É desesperador: como é que alguém pode acreditar numa maluquice dessas?
É porque ainda não aprendemos a lidar com a enchente de informação que as redes sociais fazem jorrar sobre nós. Porque ninguém nos diz o que é importante ou não, o que é certo e o que é errado. Tudo dá na mesma, tudo está no meu feed, o bom e o mau, o útil e o nocivo. E, afinal de contas, todo mundo no Facebook é meu "amigo", e eu acredito nos meus amigos.
Está na hora de denunciar essa confiança cega e combatê-la, com uma coalizão ampla pela verdade e contra a desinformação, as fake News, e por mais competência midiática. Já se veem primeiros movimentos: o Twitter já tomou a iniciativa de proibir propaganda política. Facebook e Google ainda se fazem de difíceis, porém não têm como escapar de fazer jus à própria responsabilidade, se não quiserem ver o colapso total da nossa sociedade.
Também a Deutsche Welle participa de um projeto internacional que visa a checagem de fatos na internet e nas mídias sociais, aliada à difusão de competência midiática. E aqui é a hora e a vez de não só as empresas de mídia, mas também as instituições de ensino agirem. O saber sobre os algoritmos do Facebook, imagens manipuladas e o uso correto com as redes sociais tem seu lugar nas escolas e universidades, mas também nos cursos de aperfeiçoamento dos locais de trabalho.
E, no fim das contas, cada um de nós pode fazer algo. Não compartilhemos nada sem haver conferido, pelo menos brevemente, se é verdade – para que nossos amigos possam confiar em nós. E vamos aguentar as histórias de arrepiar os cabelos nos nossos feeds, manter o contato com gente que pertence ao extremo do outro lado político. Podemos até enviar-lhes coraçõezinhos por suas piadas inofensivas.
Mas também vamos lhes chamar a atenção, pelo menos de vez em quando, quando eles estejam se inflamando com mais um conto da carochinha moderno. E, acima de tudo: não desesperemos.

Autor: Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.

Balanço de 2019: o império da impostura

Afora os grandes empresários que aplaudem calorosamente o ministro Paulo Guedes porque ganham com a crise, o balanço de 2019 na perspectiva das vítimas dos ajustes fiscais, dos que perderam direitos na reforma da previdência e dos resistentes é repudiável.
Instalou-se aqui o império da impostura. Um presidente que deveria dar exemplo ao povo de virtudes que todo governante deve ter, realizou atos acintosos que na linguagem religiosa, bem entendida por ele, são verdadeiros pecados mortais. Pela moral cristã mais tradicional é pecado mortal caluniar certas ONGs, bem o ator Leonardo di Caprio culpando-os de incentivar os incêndios da Amazônia ou difamando o reconhecido educador Paulo Freire e o cientista Ricardo Galvão ou mentir contumazmente mediante fake news e alimentar ódio e rancor contra homoafetivos, LGBTI, indígenas, quilombolas, mulheres e nordestinos. A lentidão no julgamento do massacre de Brumadinho (MG) e de Marina (MG) está mostrando a insensibilidade das autoridades. Algo parecido ocorreu com o derrame ignoto (?) de petróleo em 300 praias de 100 municípios do Nordeste.
Não cabe a ninguém julgar sua intenção subjetiva. Isso é coisa para Deus. Mas cabe fazer um juízo sobre fatos e atos, portanto, realidades objetivas e concretas para as quais cabe um juízo ético e teológico. Tal atitude imoral foi entendida por muitos como carta branca para desmatar mais, assassinar lideranças indígenas e a polícia tornar-se mais violenta e até assassina.
Estamos vivendo sob o império da impostura no campo nacional e no internacional. Um psicanalista francês, Roland Gori escreveu um instigante livro “La fabrique des imposteurs” (Paris 2013). Para ele o impostor é aquele que prefere os meios aos fins, que nega as verdades científicas, que distorce a realidade solar, que não se rege por valores porque é apenas um oportunista, que afirma algo e logo depois o nega conforme suas conveniências, que pratica a arte de iludir as pessoas ao invés de emancipá-las pelo pensamento crítico, que despreza o cuidado pelo meio ambiente, que passa por cima das leis, que despreza os pobres e não conhece o que é o amor nem a piedade.
O que transcrevi aqui está referido no livro “La fabrique des imposteurs” e representa um retrato da atmosfera de impostura reinante nas mais altas instâncias políticas do Brasil.
As medidas contra a educação, a saúde, a ciência, ao meio ambiente e aos direitos humanos concretiza a mais rude impostura contra tudo o que se construiu de positivo nos últimos decênios. Somos conduzidos a um estágio regressivo, anterior ao iluminismo, numa mentalidade fundamentalista com viés fascistóide.
Talvez o ato para nós mais humilhante foi o gesto de vassalagem explícita do atual governante ao presidente dos USA, oferecendo-lhe o que podia sem receber nada em troca. Risível e ridículo foi quando, numa recepção de chefes de estado lhe diz a Trump “I love you” e recebeu apenas 17 segundos de atenção.
A impostura grassa veemente, em primeiro lugar, nos USA onde o presidente Trump, segundo repete Paul Krugman, Nobel de economia, constitui um perigo para a humanidade. Mente a mais não poder e se justifica ao dizer que são “verdades alternativas”. Igual impostura ocorre nos países ultra neoliberais onde o povo se rebela como no Chile, no Equador, na Colômbia, culminando com um golpe de estado contra a população indígena e seu representante na Bolívia, lançando o povo na fome e no desespero.
Perigosa impostura ocorreu na COP25 em Madrid que contra todas as evidências e dados científicos predominaram os negacionistas do aquecimento global, o Brasil incluído. Contra eles o relatório final recolhe a advertência da ONU:” Se nada fizermos, no final do século, a temperatura pode aumentar de 4-5 graus”. Com estes níveis, a vida que conhecemos não subsistirá. Será um verdadeiro Armagedon ecológico. Nossa espécie correrá perigo.
Não obstante esta atmosfera tenebrosa cabe celebrar a libertação de Lula, vítima da aplicação da law fare, instrumento de perseguição política com o objetivo de prendê-lo. O que ocorreu.
Termino com as palavras severas do prêmio Nobel de medicina de 1974, Christian de Duve:” A perspectiva não é apenas preocupante: é aterrorizante. Se não conseguirmos conter o crescimento demográfico (poderia ter dito o aquecimento global) racionalmente, a seleção natural fará isso por nós irracionalmente, às custas de privações sem precedentes e de danos irreparáveis ao meio ambiente. Tal é a lição que quatro bilhões de anos nos oferece a história da vida na Terra” (Poeira vital 1997,369).
Bem o enfatizava o Papa Francisco em sua encíclica ecológica: “as previsões catastróficas não se podem olhar com desprezo e ironia” (n,161). A impostura nos faz surdos a estes clamores. Por causa disso, o destino humano dificilmente escapará de uma tragédia.

Autor: Leonardo Boff - Doutor em Teologia e Filosofia pela Universidade de Munique, nasceu em 1938. Foi um dos formuladores da “teologia da libertação”. Autor do livro Igreja: carisma e poder, de 1984, que sofreu um processo judicial no ex-Santo Oficio, em Roma, sob o cardeal Ratzinger. Participou da redação da Carta da Terra e é autor de mais de 80 livros nas várias áreas das ciências humanísticas.

Lama, óleo, fogo e agrotóxico no Bolsonistão!

Foto: Correio da cidadania
É bem verdade que todos os governos anteriores ao de Jair Bolsonaro foram desastrosos do ponto de vista do meio ambiente. A diferença é que, antes, sofríamos com o descaso, a negligência e o impacto de grandes obras. Hoje, porém, a própria essência da preservação é atacada como se fosse um mal em si. Toda a perspectiva ecológica é vista como uma “conspiração esquerdista”. E aqui vale qualquer ideia conspiratória maluca, de negar fatos a inverter o sentido da lógica, ao acusar o defensor ambiental de responsável pelo crime. Também vale classificar qualquer um que defenda o meio ambiente como esquerdista, petista, comunista.
A própria ideia do aquecimento global é descartada, não tanto pelo “aquecimento”, antes disso, porque tem gente no governo que até mesmo defenda que a Terra é plana. Ou seja, estamos sendo governados por um bando de loucos. Loucos e criminosos. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, nem sequer poderia estar nesse cargo porque foi condenado por crimes ambientais - fraudou mapas do estado de São Paulo para favorecer desmatadores.
Os desastres ambientais desse governo podem ser divididos em três grupos. Primeiro, aqueles cuja causa não foi de sua responsabilidade por questões temporais ou geográficas, mas que não deixam de exigir ações do governo para conter suas consequências ou evitar que voltem a acontecer. Os dois principais exemplos nessa categoria foram o rompimento da barragem de Brumadinho e o vazamento de óleo nas praias do Nordeste. O primeiro aconteceu logo nos primeiros dias do novo governo.
Definitivamente não dá para culpá-lo. Mas, ao invés de lamentar prontamente o ocorrido, comparecer ao local da tragédia, cobrar investigações independentes e, principalmente, propor mudanças na legislação e fiscalização para que esse tipo de coisa não aconteça novamente, o presidente recém-empossado simplesmente declarou que a responsabilidade pelo problema não era dele. E seguiu defendendo a mineração como saída econômica para o país, inclusive em terras indígenas, e o afrouxamento dos processos de licenciamento ambiental, algo que tende a estimular a ocorrência de novas tragédias como essa.
O caso do derramamento de óleo nas praias do Nordeste foi ainda mais grave: o governo extinguira o comitê do plano de ação com acidentes com óleo, que teria um plano para minimizar os efeitos do derramamento. Despreparado, o poder público seguiu inerte por semanas. Inerte não: seguindo sua estratégia de dizer qualquer coisa estapafúrdia, tentou culpar um navio do Greenpeace ou a Venezuela, enquanto o óleo seguia (e segue) chegando às praias, contaminando manguezais e recifes de corais. As consequências disso sobre a cadeia alimentar são nefastas, algumas imprevisíveis, e devem atingir a nós humanos e se prolongar por dezenas de anos.
A tragédia do desmatamento ilegal, do garimpo ilegal, inclusive com a invasão em terras indígenas, e da violência no campo, incluindo até o assassinato de indígenas, trabalhadores rurais sem-terra e ativistas ambientais, representa uma segunda categoria: são processos que já aconteciam antes do governo Bolsonaro, mas que agora estão sendo estimulados pela sinalização de que esses crimes seriam tolerados. O panfleto da campanha para deputado federal do hoje ministro do Meio Ambiente (pelo partido assim denominado “novo”) é bem explícito nesse sentido (veja a peça aqui).
Por isso, estes crimes cresceram muito em frequência e em intensidade. Desde antes das eleições, o candidato (então deputado) Jair Bolsonaro, sua trupe e seu exército de robôs e minions já vêm fazendo dezenas de declarações irresponsáveis ou mesmo mentirosas que incluem apoio a grupos tradicionalmente responsáveis por esses crimes, além de ataques a entidades e até mesmo órgãos governamentais de fiscalização. Um método eficiente para coibir a exploração madeireira e os garimpos em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, por exemplo, é a destruição das máquinas flagradas em operações criminosas.
Pois o governo determinou que isso não seria mais permitido, desautorizando em abril de 2019 a atitude de agentes do Ibama que queimaram carros e equipamentos de suspeitos de um crime ambiental em Rondônia. É algo como se um ladrão pego no ato do roubo tivesse garantido o direito à posse de sua arma. Não precisa ser um gênio para vislumbrar o resultado óbvio desse tipo de atitude. Aqueles que querem perpetrar os crimes sentem-se fortalecidos, respaldados e seu sentimento de impunidade é reforçado.
No início de agosto, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, Ricardo Galvão, foi demitido por fazer um alerta público sobre a escalada nos desmatamentos. Meses mais tarde, foi escolhido um dos dez cientistas mais importantes do mundo em 2019. E as árvores, animais e pessoas mortas ou feridas vão se multiplicando. Jovens brigadistas reconhecidos nacionalmente como defensores da floresta e que trabalham no combate a incêndios na região de Alter do Chão (município de Santarém, PA) chegaram a ser presos como responsáveis pelos incêndios que estavam combatendo. Incêndios ao que tudo indica foram ateados por milicianos interessados na especulação imobiliária. Enquanto isso, o presidente da República acusava o ator Leonardo DiCaprio como um dos responsáveis pelos incêndios na Amazônia.
Assim, o Brasil tornou-se (novamente) motivo de piada internacional. E muita gente seguiu propagando esse tipo de mentira na internet. Questionado sobre o assassinato de lideranças indígenas Guajajara o presidente ironizou: "a Greta (Thunberg) já falou que os índios morreram porque estavam defendendo a Amazônia" (e de fato estão). E chamou a ativista, que no dia seguinte foi anunciada como a personalidade do ano pela revista Time, de "pirralha". Mais vergonha internacional.
O terceiro grupo de desastres é aquele em que o governo é o responsável direto pela degradação ambiental. Nesse caso, destaca-se a liberação indiscriminada de literalmente centenas de agrotóxicos, mais de um por dia nesse primeiro ano de governo, alguns deles proibidos em vários países desenvolvidos. Não defendemos o banimento total desses produtos, mas seu uso racional e parcimonioso. Pequenos agricultores localizados nos limites de grandes fazendas muitas vezes já não conseguem fazer seus cultivos, uma vez que estes são atingidos por veneno jogado frequentemente de avião. Contaminam-se os alimentos, os corpos d´água, o solo...
Além disso, o governo trabalha pela implementação de um pacote de grandes obras na Amazônia, incluindo estradas, pontes e hidrelétricas que terão impactos profundos sobre o futuro da floresta, bem ao estilo dos governos militares, que são a sua inspiração. A ideia é justamente sabotar uma imensa área de florestas protegidas ao norte do rio Amazonas, como se o estado de preservação dessas áreas fosse uma ameaça à nossa soberania sobre elas. Verdadeiras ameaças à soberania são o plano do governo de “desenvolver” a região Amazônica em parceria com os Estados Unidos, a entrega da mineração aurífera no rio Xingu à mineradora canadense Belo Sun, a desindustrialização nacional e a dependência econômica da exportação de commodities para a China e outros países ricos.
Com a degradação da democracia e o progresso da ignorância, da violência, da anticiência, do poder político associado ao fundamentalismo religioso, estamos caminhando a passos largos para nos tornar um "bolsonistão", com direito a bandos armados, deserto e tudo mais.
Precisamos do impeachment de Jair Bolsonaro e de Hamilton Mourão. Urgentemente. Esse governo não pode continuar até o final de 2020, ou não teremos condições de nos recuperar. Simples e direto assim. Sabemos que a desgraça é generalizada em todos os aspectos da vida nacional. Mas nos aspectos ligados ao meio ambiente a situação é ainda pior, pois as derrotas serão permanentes.
A destruição da Previdência, dos direitos trabalhistas, da CAPES, do Ministério da Cultura ou da Ancine sem dúvida são desastres. Mas dá para reconstruir com a união e esforço conjunto da sociedade. Já a degradação ambiental é permanente, pelo menos sob a dimensão temporal relevante para a humanidade. Portanto, temos a obrigação ética de pará-los.
PS: Fechado o artigo, soubemos que o Brasil, representado pelo Ministro Ricardo Salles, foi o maior empecilho para que se firmasse um acordo para a limitação das emissões de carbono na conferência do clima, na Espanha. Ou seja, não estamos apenas promovendo a nossa devastação, mas a do planeta Terra como um todo. Mais vergonha.

Autores: Danilo Di Giorgi, Rodolfo Salm e Rogério Grassetto Teixeira da Cunha – Publicado no Correio da Cidadania.