Cientistas observam uma área cerebral que poderia
explicar por que nos fazemos de surdos a outras opiniões.
Apoiador de Trump com gorro do slogan de campanha do presidente dos EUA.MARK MAKELA (AFP)
Se um amigo lhe dissesse que acaba de
ver um elefante rosa voando, você não acreditaria. Elefantes não são rosa e não
voam, por isso você precisa de algo além de uma suposta testemunha para mudar
sua ideia sobre como o mundo funciona. O cérebro em
princípio rejeita informações que contradizem o que você já sabe, e assim
ele funciona bem, porque na esmagadora maioria dos casos ele tem razão. Mas o
que ocorre quando o argumento é bom – não um elefante voador – e pelo menos
deveríamos levá-lo em conta, embora nos contradiga? “Para mim tanto faz”,
responderia o cérebro.
“Por que desenvolvemos um cérebro que
descarta informações perfeitamente válidas quando elas não se ajustam à sua
visão do mundo? Isto pode parecer um design ruim, que pode levar a muitos erros
de julgamento. Então, por que não se corrigiu esta falha no transcurso da
evolução humana?”, pergunta-se a neurocientista Tali Sharot em A Mente
Influente (Rocco). Para tratar de responder a estas perguntas, Sharot, do
University College de Londres, realizou uma série de experimentos que
mostrariam, a se confirmarem, como o cérebro se nega a abrir a porta quando
quem bate é uma opinião que o contradiz, por mais convincente que seja.
Nestes experimentos, os participantes
participavam de um jogo tipo Acerte o Preço, envolvendo o valor de vários
imóveis. Era-lhes mostrado um preço, e tinham que decidir se custava mais ou
menos, e, depois, decidir quanto apostavam na sua resposta: entre 1 e 60
centavos. Desta maneira, podia-se medir a segurança das suas decisões. Então,
se mostrava aos participantes o valor que seus colegas de jogo haviam apostado,
e a pessoa tinha a opção de mudar a quantia apostada, mas não o
sentido da aposta. Para os cientistas, não foi uma surpresa o que eles
observaram: quando o outro participante lhes dava a razão, aumentavam a aposta.
E se o outro estava muito seguro, aumentavam-na muito mais. Ou seja, levavam em
conta a força da convicção do companheiro quando concordavam.
Mas, quando o colega apostava o
contrário, isso não tinha tanta influência, e quase nunca o valor apostado
diminuía. O mais interessante é o que ocorria quando o companheiro opinava o
contrário, e além disso apostava muito nessa opção, ou seja, quando sua
convicção transmitia muita força. Nesse caso, continuava sem ter muita
influência: tanto fazia a intensidade da aposta. “Descobrimos que, quando as
pessoas não estão de acordo, seus cérebros não conseguem registrar a força da
opinião da outra pessoa, o que lhes dá menos razões para mudar de opinião”,
resume Andreas Kappes, pesquisador da Universidade da City
de Londres e coautor deste estudo, publicado na Nature
Neuroscience. “Nossas conclusões sugerem que nem sequer os argumentos mais
elaborados do outro lado convencerão as pessoas mais polarizadas, porque o
desacordo será suficiente para rechaçá-lo”, assegura Kappes. E acrescenta: “O fato
de não observar a qualidade do argumento oposto torna menos prováveis as
mudanças na mente”.
Estes cientistas deram um passo à frente
no entendimento deste viés de confirmação, que Sharot, diretora
do Laboratório do Cérebro Afetivo do University College de Londres, define
assim: “Procurar e interpretar dados de uma maneira que fortaleça nossas
opiniões pré-estabelecidas”. Sharot e sua equipe realizaram estes experimentos
observando a atividade do cérebro dos participantes mediante ressonância
magnética. E puseram o foco em uma região muito concreta, o córtex pré-frontal
medial posterior, uma área que se ativa ao esquadrinhar a confiança ou a
qualidade da evidência que nos apresenta e depois nos leva a mudar nossas
crenças e opiniões de acordo com a qualidade dessas provas. Se um médico
confiante me sugere que eu deveria começar um tratamento, então o córtex
pré-frontal medial posterior rastreia a confiança do médico e me leva a ajustar
minha opinião de acordo com isso: minha crença de que devo me tratar aumenta,
explica Kappes.
Pergunta sem resposta
Ao observar a atividade cerebral durante
o experimento, os cientistas viram que, quando as pessoas estavam de acordo,
essa região do cérebro estudava o nível de confiança da outra pessoa, o que
levava a ajustar suas crenças de acordo com a confiança do outro. “Entretanto,
quando as pessoas não estavam de acordo, o cérebro não fazia isso, dando às
pessoas poucas razões para mudar de opinião”, resume Kappes. Por que isto
ocorre? “Nossas conclusões não oferecem uma resposta a essa pergunta, só
oferecem um mecanismo que subjaz à relutância das pessoas em mudar de opinião”,
responde este psicólogo social. Sharot publicou um estudo há poucos meses
mostrando que as pessoas deixam de fazer buscas na Internet quando os
primeiros resultados proporcionam a informação desejada, outra forma de viés de
confirmação digital. “A tendência comportamental a descartar a informação
discrepante tem implicações significativas para os indivíduos e a sociedade,
porque pode gerar polarização e facilitar a manutenção de crenças falsas”,
afirma a cientista.
“Este estudo é um bom primeiro passo
para estudar os mecanismos do viés de confirmação, porque encontram uma
correlação com as diferenças nesta região do cérebro, mas isto continua sem
explicar essa discrepância entre nossa opinião e a evidência que nos
contradiz”, opina a neurocientista Susana Martínez-Conde, especialista nestes
autoenganos da mente. “Continuamos sem saber o mecanismo neural; o fato de
encontrar atividade associada não dá uma explicação, qualquer comportamento vai
estar baseado no cérebro, o estranho seria que não se observasse diferença”,
afirma a diretora do laboratório de Neurociência Integrada da Universidade do
Estado de Nova York. Ela acredita que é possível encontrar uma resposta no
cérebro, “talvez não com estas ferramentas atuais, mas em nível teórico o
mecanismo neural tem uma resposta física que devemos poder observar”.
Mas Martínez-Conde é otimista sobre o
que mostram estes experimentos. “Os resultados não são tão alarmantes: as
opiniões negativas influem, embora muito menos, embora não tenham o mesmo peso,
mas sim as consideramos minimamente. É um começo”, diz. Ao desenvolver seu
argumento, Martínez-Conde concorda com a ideia expressa por Tali Sharot em seu
livro: “Os números e as estatísticas são necessários e maravilhosos para
descobrir a verdade, mas não são suficientes para mudar as crenças, e são
praticamente inúteis para motivar a ação”. A melhor forma de abordar este viés
de confirmação é expor os argumentos envoltos em uma narrativa que implique que
se está de acordo. Como se no experimento você tivesse votado igual, porque é
assim que os argumentos alheios são escutados. “Na hora de tentar alcançar um
consenso, procuremos um ponto de partida em que estejamos de acordo, e a partir
daí será mais fácil moderar as opiniões de outros”, sugere Martínez-Conde.
Trump e as estações teimosas
“Escutamos o que queremos ouvir, e
descartamos o que não queremos: não damos o mesmo peso às opiniões que nos
contradizem”, afirma Susana Martínez-Conde sobre os resultados do estudo
publicado na Nature Neuroscience, e do qual ela não participou. Mas acrescenta:
“O problema do viés de confirmação é bastante mais amplo e profundo que algumas
posturas ideológicas”. Para ilustrá-lo, recorre a um experimento de seu colega
Matthew Schneps, que trabalhou na resistência em mudar as próprias ideias
errôneas com relação a conceitos de astronomia básica. Grande parte dos
graduados por Harvard acreditava que as estações ocorrem pela proximidade com o
Sol, e não pela inclinação da Terra. Schneps descobriu que, embora o erro fosse
corrigido sem que os participantes opusessem resistência, ao cabo de algum
tempo voltavam à sua explicação equivocada inicial. “Acredito que há alguns
períodos críticos nos quais a solidez das sinapses transforma alguns circuitos
quase em algo imutável”, diz Martínez-Conde. “Por isso temos que procurar novas
ferramentas”, acrescenta, “porque, como fizemos até agora, não está
funcionando”.
Mas alguns pesquisadores da Universidade
de Londres descobriram um caso em que estamos dispostos a aceitar dados que nos
contradizem: quando esses dados respaldam o que queremos acreditar. Quando em
agosto de 2016 perguntavam a futuros eleitores de Donald Trump quem
eles achavam que ganharia a eleição presidencial, a maioria apostava
em Hillary Clinton, com quase tanta convicção quanto os eleitores
democratas. Quando se mostrava a eles uma pesquisa com Clinton à frente, sua
aposta não mudava muito. Mas, quando apresentados a uma pesquisa que dava Trump
como ganhador, então os republicanos se dispunham a inverter sua opinião.
Embora achassem que a democrata ganharia, torciam pelo republicano, por isso
seus cérebros recebiam de braços abertos um dado nesse sentido.
Autor:
Javier Salas – Publicado no Diário El País.
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