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23 de junho de 2020

Em 2020, será possível reabrir escolas com segurança?

“Na compra e venda ou troca de coisas, aquele que vende fica sem a coisa e recebe o dinheiro; e aquele que compra fica sem o dinheiro e recebe a coisa. Já na troca de ideias, cada qual fica com a ideia própria, mas acrescida da ideia do outro, ou seja, todos saem ganhando”. Bernard Shaw

Estamos assistindo em nosso país, um completo desencontro no convívio da sociedade com as regras do isolamento social para o possível achatamento da curva do novo coronavírus. Para agravar a situação o presidente da república por motivos descabidos sejam quais forem, abdicou de ser o líder do país a frente do combate e planejamento das ações estratégicas que deveriam ser tomadas pelo governo federal. Uma amostra é o fato de não termos um Ministro da Saúde que seja médico.
Com isso, ficou nas mãos dos governadores e prefeitos a incumbência de planejar, controlar e administrar junto a sociedade brasileira aquilo que o governo federal deixou de lado criminosamente.
Nem é preciso dizer que a situação que já era grave por si mesmo, ficou ainda pior em termos de infectados e de óbitos no país. Em paralelo a economia parou, com ela o comércio, parte da indústria e diversos outros setores importantes do país.
As aulas em todos os segmentos foram suspensas, desde o ensino maternal até as universidades. Algumas escolas particulares e universidades conseguiram a duras penas manter algumas atividades online.
Entretanto, cerca de cem dias após o início do isolamento social a situação no país ainda é preocupante. A curva não foi achatada, visto que, a quarentena não foi devidamente obedecida pelos brasileiros. Em média, o índice de isolamento ficou em 40%, o que é muito pouco e arriscado para que pudéssemos ter um retorno seguro das nossas atividades.
No que tange a volta das aulas presenciais, fica no ar uma dúvida gigante sobre a possibilidade de ocorrer ainda no curso deste ano. Os cálculos matemáticos de pesquisadores da Universidade de Granada (UGR) apresentam resultados que contradizem a ideia de similaridade entre um pequeno grupo familiar e uma sala de aulas.
Supondo uma família média, composta por dois adultos e 1,5 filhos menores ― dado usado nas operações matemáticas, assumindo que há 10 alunos com um irmão na sala de aula e outros 10 são filhos únicos, no primeiro dia de aula cada aluno será exposto a 74 pessoas. Isso ocorrerá exclusivamente se não houver contato com alguém fora da sala de aula e da casa da família.
"No segundo dia", explica Alberto Aragón, coordenador do projeto, "a interação chegaria a 808 pessoas, considerando exclusivamente as relações sem distanciamento nem máscara da própria classe e as das classes de irmãos e irmãs". A projeção em papel excede 15.000 contatos em três dias.
Gráfico - El País
No entanto, a realidade é que nenhum desses cenários está sendo considerado no planejamento de retorno às aulas no momento. Para o professor da UGR e especialista em organização de empresas e planejamento, a preparação para a volta não é só insuficiente, mas também foi deixada nas mãos das escolas, algo que “obviamente” excede sua capacidade organizacional e de recursos.
Não resta dúvida que no caso brasileiro com o agravante dos transportes públicos ineficientes, abarrotados e sujos, esse caos seria ainda maior. Portanto, a educação à distância, via online deverá ser a saída até o final de 2020.

Autor: Rafael Moia Filho: Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

20 de junho de 2020

Álcool gel semântico!

Só pratica o bem quem zela pela integridade das palavras e seu uso apropriado.
Noite dessas um comentarista sociopolítico da TV criticou, com ênfase doutoral, o emprego de palavras como “genocídio” e “genocida” para qualificar as consequências da desastrosa reação do governo Bolsonaro à pandemia e seu macabro oficiante.
Só pratica o bem quem zela pela integridade das palavras e seu uso apropriado. Certos vocábulos, de tão usados fora do contexto original, arriscam-se de fato a perder sua força expressiva, a debilitar seu sentido original. Não me parece o caso de genocídio; nem de holocausto, outro frequente objeto de objeções puristas, que o tempo, com ajuda da incorrigível crueldade humana, também se espichou como sinônimo de extermínio de quaisquer pessoas ou povos.
(Para evitar melindres, o holocausto original, que em hebraico é “Shoa”, passou a ser grafado exclusivamente com h em caixa-alta.)
Genocídio, como vocábulo, só nasceu em 1943, inventado por um jurista polonês (e judeu), Raphael Lemkin, que duas décadas antes já estudava o paradigmático massacre dos armênios pelo Império Otomano, entre 1915-1923. Como é praxe há séculos, Lemkin juntou duas palavras gregas: “genos” (família, tribo ou raça) e o sufixo “cídio” (morte), estabelecendo um conceito de suma importância para os novos rumos do direito internacional, no pós-guerra. No Brasil, o genocídio é crime previsto em lei (n.º 2.889) desde outubro de 1956.
Em sua acepção castiça, genocídio é um extermínio intencional, doloso, não um aniquilamento involuntário, culposo. Como não existe uma palavra para definir morticínios motivados apenas ou acima de tudo pela negligência e incompetência de governos e seus líderes, genocídio quebra perfeitamente o galho. De mais a mais, não há por que melar a brincadeira dos internautas que pespegaram no presidente o apelido de “Genocida” e não foram, até agora, processados por calúnia, injúria ou difamação.
Pausa para uma pequena digressão. Nunca, na história deste país, um presidente da República foi tão farta e continuamente achincalhado no exterior, nem, em solo pátrio, com apelidos de variadas sílabas e pejorativas sonoridades – Bozo, Biroliro, Boçalnaro, Capetão, Mijair, Minto, etc. – quanto o atual ocupante do Palácio do Planalto.
Uma marchinha carnavalesca grudou em Artur Bernardes o apelido de “Seu Mé”; Getúlio ganhou um apelido carinhoso, “Gegê”; JK também: “Pé de Valsa”. Já o marechal Castelo Branco, o primeiro mandatário da ditadura militar pós-64, foi apenas o “Sem Pescoço”. Como se vê, nada que se compare ao patrimônio antonomástico do atual presidente.
Getúlio Vargas foi muito caricaturado, sempre de forma benigna, no rádio e no teatro de revista, onde chegou a ter intérpretes fixos como Pedro Dias e Armando Nascimento, e, antes dele, Washington Luís, encarnado pelo ator João de Deus. Oscarito bancou Dutra no teatro e Getúlio no cinema, na comédia Nem Sansão Nem Dalila. Um clone de Juscelino Kubitschek aparecia, sorridente e montado numa lambreta, no meio de um número carnavalesco sobre Brasília cantado por Linda Batista na chanchada Metido a Bacana. Nenhum deles foi achincalhado. E o mesmo se diga de Sarney, Collor e Temer.
O álcool em gel semântico esfregado em “genocídio” e “genocida” já fora utilizado, bem antes da pandemia, em outros dois cognatos: “fascismo” e “fascista”. Com as mesmas explicações de comentaristas políticos e mandarins do mundo acadêmico cujos pruridos linguísticos acabaram paulatinamente desmoralizados pelas ideias e ações do duce formado nas Agulhas Negras. Ideias que, diga-se, o franco Capetão jamais escondeu ou disfarçou em sua carreira parlamentar, e menos ainda na campanha presidencial.
Na véspera ou no dia seguinte à escandalosa censura ao cartum (sem álcool em gel) de Aroeira, surpreendeu-me um artigo publicado no jornal Valor, com o título de “Mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa”. Nele, Pedro Cafardo, editor executivo do jornal, fazia um apelo a todos os Pilatos da República que, mesmo sabendo o que esperar do candidato, ajudaram a elegê-lo, “quando a disputa democrática oferecia pelo menos seis ou sete candidatos melhores que o eleito”.
Há hoje, no Brasil, uma extensa lista de entidades e pessoas que precisam fazer o mea culpa pela escolha de 2018, prosseguiu Cafardo, enfiando no mesmo saco “as elites brasileiras, do agronegócio à indústria, passando evidentemente pelo setor financeiro”. E detalhou: “Políticos influentes se omitiram na campanha eleitoral e deram um ‘dane-se’ ao País. Oportunistas, muitos deles se elegeram governadores e deputados na sombra do candidato presidencial e agora viraram casaca como se nunca o tivessem apoiado, sem uma palavra de arrependimento e desculpas”.
Não aliviou para ninguém: “Empresários só pensaram no próprio quintal e passaram a aceitar ‘qualquer um’ desde que não fosse do PT. Igrejas se animaram com o tom conservador e as ideias retrógradas. Juízes e procuradores influenciaram o voto sem demonstrar constrangimento. Jornalistas olharam para a economia e acharam que Paulo Guedes, o Posto Ipiranga, com sua política liberal, poderia consertar o País. Mesmo que o presidente continuasse andando por aí propagando teorias bizarras, feito criança inconsequente”.
Jornalistas, insiste Cafardo, “não podem fugir de suas responsabilidades. Muitos dos que hoje ferozmente expõem as atrocidades presidenciais deveriam reler com distanciamento crítico o que escreveram no passado recente”.
Não precisei reler o que escrevi. Só lavo as mãos por necessidades sanitárias. 

Autor: Sérgio Augusto – Artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo.

16 de junho de 2020

Por que não abandonar Bolsonaro para que se divirta apenas com seus brinquedos de morte?

O presidente gosta de brincar mais com a morte do que com a vida. Tem mais vocação de demolidor que de construtor, de guerreiro que de diálogo, de caçador de inimigos, verdadeiros ou imagináveis.
Amanda Perobelli - Agência Reuters
O presidente Jair Bolsonaro gosta de brincar mais com a morte do que com a vida. Tem mais vocação de demolidor que de construtor, de guerreiro que de diálogo, de caçador de inimigos, verdadeiros ou imagináveis, que de impulsor da paz. A mentira lhe cai melhor que a verdade.
Bolsonaro não será derrubado por suas bravatas ameaçando com um golpe. A tragédia do coronavírus o tirará da presidência por seus crimes contra a humanidade. Será derrotado pelo pranto das famílias de luto que nem poderem se despedir de seus entes queridos.
Bolsonaro zombou da epidemia desde o primeiro momento. Minimizou sua força destrutiva e continuou a fazê-lo enquanto os mortos se acumulavam nos cemitérios. Quando os números das vítimas o estavam desnudando de sua cegueira, tentou culpar os governadores, os prefeitos e a própria OMS.
Não apenas negou sempre as evidências como adotou uma atitude de provocação, desobedecendo pública e descaradamente a todas as normas de prevenção da ciência e da medicina. Desarmou o Ministério da Saúde de médicos e o armou de militares. Quando a epidemia se espalhou e começou a aparecer como uma das mais letais do mundo, chegou ao cúmulo do cinismo. Tentou esconder a realidade impedindo que fossem publicados os números da catástrofe. Decidiu matar até os mortos.
Se existe algo, no entanto, que hoje está unindo os brasileiros sem distinção é o medo da epidemia e a solidariedade com as famílias atingidas pela dor da perda dos seus. E será essa união de todos o que acabará destronando-o. A sua já é uma estátua cada vez mais desgastada por sua frieza psicopática e por sua incapacidade de entender e ainda menos de compartilhar a dor de uma nação.
Não busquem razões jurídicas ou políticas para apear Bolsonaro de um poder do qual se tornou indigno de exercer. Seu maior pecado é sua falta de humanidade, sua zombaria da tragédia e o fato de dar as costas à dor que sufoca as pessoas.
É possível que Bolsonaro caia antes de acabar seu mandato, esmagado pelas milhares de vítimas cujo grito não deveria deixá-lo dormir. Mas se por inércia ou falta de coragem daqueles que deveriam afastá-lo da presidência chegasse à reeleição, o silêncio ensurdecedor dos mortos o seguirá em cada passo da campanha e aos brasileiros será impossível voltar a assinalar seu nome nas urnas. Sim, serão os mortos mais que os vivos que colocarão uma barreira à sua insaciável fome de poder totalitário.
Quem conhece o presidente diz que tentou minimizar a guerra contra a epidemia diante do temor de que a tragédia pudesse criar problemas para sua reeleição porque a economia iria quebrar. Chegou a dizer que, no final das contas, quem mais morreria seriam os idosos e os já doentes, como se isso fosse irrelevante. Mais ainda, uma assessora de seu ministro da Economia chegou a afirmar que a morte de idosos seria um alívio para a economia, pois dessa maneira “se economizariam muitas aposentadorias”.
Bolsonaro confessou uma vez que sua missão como militar era “matar e não curar as pessoas”. Sem contar que essa afirmação é uma ofensa ao Exército, que não existe para matar, mas para salvar a nação de seus possíveis inimigos e também atuar para salvar vidas nas tragédias e calamidades naturais.
Bolsonaro não se conforma em ser mito, mas vai como um deus decidindo sobre a vida das pessoas. É difícil encontrar personagens na história com tal amplitude de negatividade, pois parece viver em um mundo de fantasmas de mortos como se os vivos o assustassem.
Como construir um país tão rico de vida quanto o Brasil, tão jovem e com tanto futuro governado por fantasmas de destruição e morte? Como apostar na reunificação pacífica do país sem ter que ouvir a todo o momento os lúgubres presságios da violência, da divisão e da falta de empatia com a dor alheia da boca de quem deveria, ao contrário, despertar sentimentos de vida e de renascimento do melhor que aninha no coração humano?
Bolsonaro sempre à caça de inimigos a abater os encontra em todos os lugares, na imprensa, no Congresso, no STF. Para que devem existir outros poderes fora de seus domínios? Não disse que a Constituição é ele e, portanto, sonha em poder mudá-la e reescrevê-la a seu gosto? Para que a cansativa viagem de diálogo e colaboração com as outras instituições que servem apenas como obstáculo? Não, Bolsonaro não é um fantasma, é um amontoado de instintos de destruição e morte. Seu sonho é armar pessoas, se possível até as crianças. O que é uma pessoa sem um fuzil para empunhar?
A morte sempre como pano de fundo. Seus instintos são o tânatos de Freud. A felicidade, o compartilhar a vida, o diálogo sereno com os que pensam diferente dele, a compaixão pelos que mais sofrem, que são os mais esquecidos, e o compartilhar a dor alheia não cabem em sua psicologia de destruição e em seus medos irracionais diante de inimigos inexistentes. Melhor deixá-lo sozinho se divertindo com seus brinquedos de morte, já que a vida parece lhe dar medo.

Autor: Juan Arias – El País

15 de junho de 2020

A farra com nossos recursos não para nunca!

Numa época de dissimulação, falar
a verdade é um ato revolucionário.
George Orwell

Neste país, as regras e leis são rígidas apenas para quem vive no andar de baixo da república. Os que vivem e usufruem do andar de cima (Partidos, políticos, servidores do alto escalão e empresários próximos do poder) tem mais facilidades e liberdades para contornar seus problemas, principalmente os financeiros.
Um exemplo, são os dez partidos com pouquíssimos votos em 2018, que mesmo assim receberão R$ 43 milhões do Fundo Eleitoral. Mesmo sem ter cumprido a cláusula de barreira, as legendas terão direito à verba eleitoral, que este ano ultrapassou os R$ 2 bilhões.
Enquanto os rivais Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Social Liberal (PSL) receberam as maiores fatias do Fundo Eleitoral, ficando junto com R$ 400 milhões dos mais de R$ 2 bilhões disponibilizados para as eleições municipais deste ano, dez partidos com péssima performance no último pleito terão direito a R$ 43 milhões do “fundão”.
O Congresso se movimentou em duas frentes aparentemente contraditórias nos últimos anos quando o assunto são eleições e partidos. Com a proibição em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal do financiamento de campanha por empresários, foi criado o Fundo Eleitoral, que coloca dinheiro público para que seja possível realizar as movimentações pré-eleições.
Por outro lado, aprovou a chamada cláusula de barreira, que tem como meta extinguir partidos de aluguel ou que tenham performances irrisórias nos pleitos. Os objetivos a serem atingidos começaram a ser impostos em 2018 e serão endurecidos a cada eleição.
Já na eleição de 2018, quatorze legendas não obtiveram o desempenho mínimo, ou seja, obter ao menos 1,5% dos votos nacionais para deputado federal, entre outras exigências. Entre esses partidos estavam o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e a Rede.
Para não perderem verba, o PC do B incorporou outro nanico, o Partido Pátria Livre (PPL). Já a Rede de Marina Silva e outros nove partidos perderam acesso à propaganda na TV e dinheiro do Fundo Partidário, que, junto do Fundo Eleitoral, são as principais fontes de recursos das siglas.
Contudo, por decisão do Congresso, esses partidos continuaram a ter acesso ao Fundo Eleitoral. Além da Rede, PMN, PTC, DC, PRTB, PSTU, PCB, PCO, PMB e UP estão na lista dos “nanicos”. A Rede ficará com a maior fatia dos R$ 43 milhões, abocanhando R$ 20,4 milhões. O PMN ficará com R$ 5,8 milhões, o PTC com R$ 5,6 milhões e o DC com R$ 4 milhões. Os outros partidos terão de sobreviver com R$ 1,23 milhão cada.
Tanto o Fundo Partidário, quanto o Fundo Eleitoral são distribuídos pelo Congresso em acordo com o governo federal. As regras rígidas ficam para o Bolsa Família, para os empréstimos bancários da Caixa e Banco do Brasil, os recursos para empresas pelo BNDES. Os recursos para fins habitacionais têm o rigor draconiano enquanto os políticos usam a verba bilionária para inclusive, abastecer suas contas através da prática de Caixa 2 sem nenhuma fiscalização.

Autor: Rafael Moia Filho: Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

12 de junho de 2020

O Centrão voltou? Ou ele nunca foi embora?

Quem gosta do que é certo,
é superior ao que sabe o que é certo;
quem se empolga pelo que é certo,
é superior ao que gosta do que é certo.
Lao Tzu

Um dos pilares da campanha eleitoral e do discurso de Jair Bolsonaro era o combate à corrupção que seria realizado em seu governo. Com a indicação para o Ministério da Segurança e Justiça de Sérgio Moro esse discurso ganhou força e notoriedade. Encheu de esperança a classe média e os apoiadores de Bolsonaro, de verem um país menos suscetível a corrupção e com mecanismos mais apurados para o combate a essa praga que assola o país.
Ledo engano, o primeiro sinal veio com a saída de Moro, inconformado com a interferência de Bolsonaro na Polícia Federal com o intuito de proteger seus filhos justamente das acusações de corrupção.
O segundo sinal veio com a aproximação de Bolsonaro com o “Centrão”, núcleo político da Câmara composto em boa parte por deputados investigados por corrupção, base de apoio de vários governos onde a corrupção deitou e rolou justamente com o chamado Toma lá dá cá de cargos em fundações, estatais e ministérios do governo federal. Com o atual governo não foi diferente, demorou um pouco, é verdade, mas antes de completar o segundo ano de mandato já estava em ação a troca de cargos por apoio na Câmara.
Os dados obtidos junto a aliados do governo dão a dimensão da disposição em abrir a administração federal a indicações políticas. Desde julho de 2019, quando o governo tinha apenas seis meses de gestão, parlamentares já pediam a nomeação para mais de 700 cargos federais — em 325 deles, ou 45% dos casos, o pleito foi atendido. Cerca de 200 foram rejeitados pelo governo, e o restante ainda aguarda aprovação.
O Centrão já abocanhou cargos que se revestem de importância na medida que possuem orçamentos milionários que passam a ser coordenados por membros indicados pelo nefasto Centrão. Gente desqualificada, ainda investigada em operações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, algumas ainda sob o julgo da Lava Jato.
Esses criminosos que a sociedade achava estarem fora de combate foram ressuscitados por Jair Bolsonaro, um político que esteve no Centrão por muitos anos e que agora o traz de volta ao ninho do governo federal. Bolsonaro mentiu, não foi a única vez, disse também que iria reduzir ministérios e cargos públicos ao assumir, mentiu – a farra continua e está cada dia mais claro que o passado nebuloso virou uma aurora cintilante.
Resta apenas uma dúvida: O Centrão voltou ao governo? Ou nunca saiu das entranhas do governo federal desde os áureos tempos de José Sarney em 1986?

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

11 de junho de 2020

Entre o medo do coronavírus e a luta contra o racismo e o fascismo!

            É importante que tenham sido os jovens os que venceram o medo e saíram às ruas para dizer BASTA à barbárie exibida por um chefe de Estado que ameaça matar seu futuro.
Duas jovens, Julia e Simone, na manifestação em São Paulo contra o racismo e o fascismo, resumiram ontem o clima que estavam enfrentando com a frase: “temos mais medo do racismo que do coronavírus”, recolhida por Carla Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil. As manifestações de ontem em várias cidades do país talvez tenham sido o começo de um movimento que poderia ser irrefreável contra um Governo que perdeu o rumo e ameaça desprezar seja o perigo da pandemia de que zomba e tenta escondê-la dos brasileiros e do mundo, sejam os valores da democracia ameaçando dar um golpe para se apossar do poder absoluto.
As manifestações foram realizadas com a angústia do dilema se era oportuno, em pleno crescimento do coronavírus, sair às ruas. Algo que acabou dividindo aqueles que neste momento tentam se unir em uma ampla frente de consenso democrático contra a barbárie que assombra o país.
Os seguidores fanáticos do presidente Bolsonaro e os que lutam por um Brasil livre de ameaças de golpes autoritários foram aconselhados a não participar dessas manifestações. Aparentemente, as hostes de Bolsonaro foram mais obedientes, ou tiveram mais medo, ou talvez estejam começando a ser menos do que se alardeia, porque apenas um punhado de gente saiu às ruas. Por outro lado, aqueles que começam a se unir em um clamor cada vez maior contra o desmanche da democracia ameaçada a cada hora e às vezes até de maneira grosseira, preferiram enfrentar o perigo e sair em defesa das liberdades ameaçadas.
As jovens Julia e Simone explicaram com lucidez, afirmando que têm mais medo do racismo do que do coronavírus, porque a ameaça do coronavírus é algo cuja solução está sendo buscada, ninguém nega sua nocividade, enquanto o caso do racismo é algo velado que acaba sendo aceito como algo normal ou no máximo uma fatalidade, como acontece no Brasil desde a escravidão até hoje.
Não foi por acaso que nas manifestações no Brasil as televisões misturaram imagens locais com as manifestações ainda em andamento contra o racismo nos Estados Unidos e em todo o mundo, que serviram como estímulo para perder o medo de sair às ruas aqui também.
E talvez uma das coisas mais importantes sobre as manifestações brasileiras tenha sido o fato de aparecerem como o início de um movimento pela libertação dos demônios que atormentam a sociedade na qual, neste momento, se dão um abraço mortal três crises igualmente cruciais: a da pandemia, uma das mais graves do mundo, a política com ameaças diárias à democracia e desprezo pela população negra. Uma população que, além de ser maioria no Brasil, é cada vez mais marginalizada e assassinada em um verdadeiro genocídio à luz do sol. Finalmente, e concomitantemente, a econômica, que ameaça criar novos guetos de brasileiros que serão forçados a voltar ao inferno da miséria que nunca é apenas material, mas também cultural e social, e que são vistos como aqueles que não têm direito à vida.
O simbolismo cruel e cínico do presidente Bolsonaro bebendo um copo de leite em público enquanto ardiam nos Estados Unidos as manifestações de protesto contra o assassinato de um homem negro por um policial branco, algo que acabou comovendo todo o mundo civilizado, indica que o Brasil, cujo país é cada vez mais visto no mundo como pária, também está perdendo o relógio da história.
As manifestações de protesto, em plena pandemia, realizadas ontem no Brasil, podem ter sido o pavio de um incêndio de tomada de consciência da gravidade do momento. E é importante que tenham sido principalmente os jovens, inclusive do mundo do futebol e do esporte, os que venceram o medo e saíram às ruas para dizer BASTA à barbárie exibida por um Governo e um chefe de Estado que ameaçam matar seu futuro.
Como as jovens Julia e Simone disseram ontem durante a manifestação em São Paulo, “se não for agora, quando? Temos que lutar porque este é um Governo de opressão”. A coragem destas jovens aparece como um sonho de libertação que começa a surgir no meio da tempestade que ameaça e humilha um país da importância do Brasil. Serão estes jovens que um dia poderão contar aos filhos que lutaram e enfrentaram os monstros do novo autoritarismo destrutivo para devolver-lhes os valores ameaçados da liberdade.
Sim, as jovens Julia e Simone têm razão: “Se não for agora, quando?”. Porque amanhã pode ser tarde demais. Alguém se lembra da história do nazismo? Também naquela época a racionalidade chegou tarde demais. E o holocausto já estava consumado.

Autor: Juan Arias – El País.

10 de junho de 2020

Baixo nível de educação eleva o tempo de quarentena!

É hora de muitos experimentarem aquela
estranha sensação do uso do raciocínio em nosso país.
Fernando Pinho

Ao começar a chamada quarentena ou isolamento social em 16 de março pensávamos que teríamos vinte ou no máximo trinta dias privados do convívio externo com o nosso mundo. Assim foi em alguns lugares do mundo moderno. A ciência ditando as regras, a medicina orientando a todos e um governo que era seguido pelo conjunto da sociedade. Esta por sua vez, seguindo as regras, além de proteger-se também abreviavam o tempo de duração do isolamento, achatando a curva da epidemia mais rápido e de forma mais segura.
Nos países com baixo nível de escolaridade, em especial, no Brasil, nada disso aconteceu de forma organizada. O governo federal não deu exemplo mostrando um presidente negacionista em relação ao vírus e a necessidade do isolamento. Governadores sem apoio do presidente agindo de acordo com suas convicções e muitos seguindo determinações da OMS.
Os prefeitos sem conhecimento, despreparados para a função para a qual foram eleitos deram show de incapacidade, provando que nunca estiveram preparados para administrar uma situação grave como esta que estamos vivendo.
Em meio a tudo isso, não poderia ser diferente, que a população agisse sem o menor cuidado, desrespeitando normas, abusando da sorte e vivendo de forma inconsequente diante de um vírus que pode ser letal.
Na Coreia do Sul, bastou o presidente dizer a sociedade quais eram as regras e os perigos que enfrentariam para que o povo imediatamente começasse a seguir o protocolo sem necessidade de isolamento. Com isso, obedeceram ao distanciamento social, higienização completa das mãos e utensílios sem que houvesse um número enorme de infectados. Um exemplo que demonstra a importância de duas coisas na vida de uma sociedade: povo com educação e governo com credibilidade e inteligência.
Duas coisas tão simples que infelizmente não dispomos no Brasil e em boa parte da América do Sul. Talvez o Uruguai seja um país que destoe dessa triste situação, contrastando com o gigante Brasil. Menos educação + governo ruim = quarentena sem fim.

Autor: Rafael Moia Filho: Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

Mudanças repentinas das nossas prioridades!

“A vida é muito maior que
a soma de seus momentos”.
Zygmunt Bauman

Ao ver ultrapassar os oitenta dias de quarentena impostas pelo isolamento social necessário para o achatamento da curva do novo coronavírus, percebemos que mudamos muitos dos nossos hábitos, alguns arraigados ao longo dos tempos.
Ao ficar em casa deixamos de nos preocupar tanto com nossas vestimentas, afinal de contas, estamos fechados dentro de casa e sem receber visitas. Logo sai de cena roupas finas, novas e voltam a lida camisetas surradas, moletons, bermudas e outras vestes sem tanta importância, mas que jamais sairiam conosco às ruas.
O carro nunca ficou tanto na garagem como nestes oitenta dias decorridos de isolamento social. Empoeirado, porém, sem consumo de combustível, óleo e com seus gastos reduzidos. Ao receber o boleto de pagamento do Sem Parar, percebi que não havia cobranças de estacionamentos, passagens em praças de pedágios, apenas o valor da mensalidade.
O uso das plataformas digitais passou de item importante para essencial na sobrevivência diária dentro de casa. Afinal, com a internet e estes aparelhos (Smartphones, Tablets ou PC) acessamos quase tudo, dos pedidos de alimentos, compras de delivery de mercados, farmácias, quitandas, etc. O contato virtual, embora não substitua o abraço, nunca foi tão importante para que avós possam ver netos, que pais possam falar com filhos que moram distantes, amigos possam trocar ideias.
Máscaras e álcool gel são itens importantes dentro de casa, porém, fundamentais na sobrevivência fora delas, sem os quais sequer podemos sair às ruas, entrar no transporte público ou num supermercado.
A televisão nem sempre tão importante, passou a ser vital no auxílio a passagem destes dias diferentes em nossas vidas. Como a programação dos canais da televisão chamada de “aberta” são muito ruins e fraca, ganhou relevância a Netflix, Amazon Prime, com seus filmes, séries e documentários, o Youtube com suas lives e shows.
Os fanáticos por futebol sofrem por abstinência, entretanto, há 80 dias seus times não perdem um jogo sequer. Permanecem invictos, só que a gozação e as piadas entre amigos e cunhados, relativas aos seus clubes estão congeladas. Não se pode falar nada de esporte, pois eles estão longe de voltarem, assim como os grandes espetáculos, shows musicais, peças de teatro e cinema.
A leitura um pouco esquecida e até deixada de lado, voltou a ter a importância que sempre mereceu nestes dias de isolamento. Eu e minha filha já lemos sete livros neste período, parece pouco, mas se a média dos lares brasileiros fosse essa teríamos muito o que comemorar.
Em resumo, perdemos e ganhamos muito nesse período, boa parte pensa apenas na economia, outros apenas na saúde, mas, os prejuízos obtidos por força do isolamento estão sendo compensados por outros ganhos advindos de formas diferentes em nossas vidas.

Autor: Rafael Moia Filho: Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

5 de junho de 2020

Vidas negras importam? O racismo mata todos os dias!

Arte: Congresso em Foco
Ontem dormi tarde depois de uma longa conversa com uma menina de 12 anos. Ela tem acompanhado com bastante interesse os protestos e discussões sobre racismo que vêm acontecendo nos últimos dias nos Estados Unidos, após o assassinato de George Floyd. Sua identificação com a causa negra é tal, que a única vez em que ela me pediu pra sair de casa nos últimos 80 dias foi pra ir a um protesto “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam), caso aconteça algum na cidade onde moramos.
Ela tem avó negra e avô português por parte do pai, e avô com ascendência negra e índia e avó com ascendência branca por parte da mãe. O seu dilema era sobre se afirmar como negra e correr o risco de não ser aceita por “não ser negra o suficiente” e, com isso, não queria ofender (foi essa a palavra que usou) ninguém do movimento negro. Caso se afirmasse como branca, estaria desrespeitando a sua ancestralidade e a memória da avó paterna.
u me vi no lugar dela porque tenho convivido ao longo dos últimos anos com os mais diferentes grupos. E se em um não sou suficientemente branca, no outro não sou suficientemente negra. Num não sou de direita o bastante e noutro não sou de esquerda o bastante. Num não sou pobre o suficiente, noutro não tenho dinheiro suficiente. Num não sou feminista o suficiente e noutro sou considerada extremista. Não, não é uma crise de identidade e nem vivo em cima do muro. Eu realmente participo de grupos em que as pessoas têm visões de mundo radicalmente distintas. E é mais ou menos como me enxergam, dependendo do grupo em que estou.
Num desse grupos, uma observação minha sobre a não representatividade e a não diversidade em uma live chamada “Do trabalhador”, que tinha como tema “Defesa da Democracia por um Projeto Nacional” e como protagonistas quatro homens brancos, enveredou para uma interessante discussão sobre a relevância versus a inconveniência das pautas identitárias no processo político-partidário, com ênfase na questão do racismo.
Quando criança e jovem, eu não tinha qualquer consciência de como eram raras as pessoas negras nas escolas particulares e católicas em que estudei - e que quando elas estavam lá, geralmente eram bolsistas. Trinta anos depois, tenho consciência de que o cenário na escola particular em que minha filha estuda é praticamente o mesmo e é uma das escolas mais inclusivas da rede particular de onde moramos.
Cresci tendo em casa empregadas negras e empregados negros que eram consideradas “da família” e levavam pra casa as roupas velhas e a comida que sobrava. Lembro como se fosse hoje de meu pai, mestiço, irritar-se com alguma dessas pessoas dizendo que “negro quando não caga na entrada, caga na saída”. Lembro de quando era jovem e minha tia avó, também mestiça, católica praticante e Filha de Maria, dizer ao ver um negro na televisão que “era tão feio que ela não acreditava que deus tivesse criado gente assim” e do meu espanto só em pensar que pudesse existir um Deus assim. Lembro-me da minha mãe dizendo não tão sutilmente que meu primeiro marido era “feio” para mim, como sinônimo de não ser branco e de que uma de suas primeiras frases quando segurou minha filha no colo foi “ainda bem que ela nasceu com o cabelo bom”.
Cresci ouvindo – e até certa idade rindo – de piadas com pessoas negras, com transtorno mental, obesas, idosas, pobres, gays, lésbicas, prostitutas, mulheres, mulheres loiras, portugueses, crianças etc.
Mulher de classe média baixa, de pele relativamente clara e sem nunca ter tido grandes perrengues na vida por conta dessas características, eu já achei que feminismo era exagero, que respeitar inflexão de gênero em um documento oficial de uma conferência estadual de cultura - quando eu estava na comissão organizadora - era frescura.
Já me incomodei com pessoas pobres pedindo dinheiro nos sinais e não via grande problema em ter pouquíssimas pessoas negras estudando comigo na faculdade. Não enxergava nada de errado em uma mesa enorme de abertura de um evento para falar de defesa de direitos formada só por homens brancos. Já considerei normal que existissem escolas exclusivas para pessoas “especiais”. Já reproduzi em algum momento o discurso de que as pessoas que recebiam bolsa família ficavam “acomodadas”. Em meu favor, quero dizer que me redimi de tudo isto há um tempo.
Foi convivendo com a diversidade e a riqueza de causas das pautas identitárias que aprendi a reconhecer o racismo, o machismo, a homofobia, o capacitismo, a psicofobia, a gordofobia, a xenofobia, a aporofobia e todas as outras formas de discriminação que ainda residem em mim. Foi assim que eu saí do “not all” (mas nem todo mundo é), pra reconhecer que há sim, entranhados em mim tantos preconceitos, que de alguns deles eu sei que ainda nem me dei conta. Essa desconstrução é um processo diário e passa pelo reconhecimento de que somos todos produtos de uma sociedade racista, que via de regra nega que o é. Esse reconhecimento costuma doer, porque arranha nossa autoimagem, principalmente no início.
O Brasil vive hoje uma gravíssima crise de saúde e uma grave crise econômica, agravadas pela crise política causada por um anti-presidente que se elegeu destilando ódio a todos os grupos socialmente e economicamente vulneráveis. Eleito com a promessa de “acabar com o politicamente correto”, como se isso fosse moda ou tendência e não um conjunto de escolhas e atitudes que partem do reconhecimento da discriminação, à qual grande parte das pessoas foi e continua sendo submetida.
Em 3 de junho de 2020, o general vice-presidente Hamilton Mourão, que integra e corrobora as ações desse desgoverno genocida, publicou um artigo tão reacionário quanto ele próprio onde manipula a verdade e ao mesmo tempo em que credita mentirosamente à imprensa o insuflamento da crise entre o Executivo e Legislativo e o Judiciário, tacha de baderna os protestos antirracistas e pela democracia. Nega a existência do racismo no País.
Em 2019, a polícia nos EUA matou 1.099 pessoas. Destas, 259 eram negras. Em 2019, a polícia no Brasil matou 5.804 pessoas. Destas, 4.533 eram negras.
No mesmo dia em que Mourão disse que o racismo não era um problema, o Brasil recebeu aturdido a notícia de que na cidade do Recife, uma criança negra de cinco anos fora morta na véspera pela negligência da “patroa” de sua mãe. Sarí Corte Real havia mandado a mãe de Miguel passear com os cachorros e, enquanto uma manicure lhe fazia as unhas, impacientou-se com a criança e deixou-a sozinha no elevador para ir procurar a mãe.
Miguel caiu do nono andar direto para a morte. Sarí, que a princípio não teve seu nome revelado pela polícia, cujo delegado responsável chamou a situação de “fatalidade”, pagou 20 mil reais de fiança e voltou pra casa. E se a mãe de Miguel, que dormia no trabalho e em plena pandemia não teve o direito de cuidar do seu filho, tivesse feito o mesmo com o filho da “patroa”?
Se já não estivesse convencida de que o racismo mata, como matou Miguel e, da importância de que as gerações seguintes àquela menina que mencionei lá no primeiro parágrafo não tenham nenhuma dúvida quanto à sua identidade e pertencimento, para mim só essa declaração do general seria suficiente para evidenciar que a pauta do antirracismo é central na construção de qualquer projeto que se pretenda democrático para o Brasil.
#VidasNegrasImportam

Autora: Karine Oliveira é ativista em direitos humanos e gestora social no Instituto Soma Brasil. Atua nas áreas de participação e incidência cidadã, educação para a cidadania, direito à cidade e monitoramento da gestão pública. Publicado no Site Congresso em Foco.

2 de junho de 2020

Discursos vazios!

“Pessoas que são boas em arranjar desculpas
raramente são boas em qualquer outra coisa.”
Benjamin Franklin

Ao ler ou ouvir os discursos enfadonhos de Donald Trump, Jair Bolsonaro, Stefan Lofven (Suécia) e Viktor Orbán (Hungria), todos eleitos por segmentos de direita em seus respectivos países, percebemos algumas coisas em comum: Falta de argumentação e a insistência em culpar a esquerda pelos problemas que eles não conseguem resolver em seus próprios países em suas respectivas administrações.
Donald Trump tratou a pandemia nos EUA em fevereiro/20, como se fosse um simples surto de gripe, isso acabou produzindo mais de cem mil americanos mortos e uma crise sanitária sem precedentes naquele país. Para piorar ainda mais sua situação, um policial branco na cidade de Minneapolis no Estado americano de Minnesota matou um negro inocente sufocando-o com o joelho.
Nem o risco da pandemia segurou o povo americano que saiu as ruas para protestar contra o racismo, a violência dos policiais brancos contra os negros e acabou transformando o ato isolado em uma grande manifestação contra o governo americano de Trump.
Em seu discurso, Trump finge que nada está acontecendo e culpa a esquerda, fala sobre mortes no comunismo, desanda a falar bobagens sobre o socialismo, de forma enfadonha e sem sentido, diante de cem mil mortos por absoluta falta de sua liderança frente a pandemia do Coronavírus.
Aqui no Brasil, sofremos com a verborragia inútil, chula e sem argumentação decente de Jair Bolsonaro, um inculto que usa da estratégia de culpar a esquerda que não está no poder há vários anos, ou eleger inimigos nos outros dois poderes da república – Judiciários e Legislativo, para atenuar sua incompetência à frente do país.
O povo em ambos os casos está farto dessa discussão ideológica rasteira que não leva ao desenvolvimento dos países, não promove a volta do emprego, não resolve problemas da saúde ou educação. Uma conversa enfadonha que até pode ser aceita na campanha eleitoral, porém, jamais no cotidiano de uma administração de um país.
Jair Bolsonaro é muito pior do que os citados políticos de direita, que ao menos tem experiência, formação universitária e conteúdo político. Sua obsessão em salvaguardar os filhos dos crimes cometidos, de proteger aliados que sonegam impostos, falsificam e deturpam informações com Fake News é notória, chegando ao ponto de interferir na Polícia Federal para poder obter informações privilegiadas que possam dar vantagens a defesa ou aos advogados de seus filhos, amigos e demais familiares investigados.
O país, que já estava estagnado desde as eleições de 2014, patinando nestes seis anos, com desemprego altíssimo, saúde pública e educação precárias afunda ainda mais com os efeitos da pandemia da covid-19.

Autor: Rafael Moia Filho: Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

1 de junho de 2020

O Brasil de volta à idade das trevas!

Governo não é técnico e Estado não é laico. Positivismo, tão fundamental na criação da República Federativa do Brasil, também se foi. Abandonado por seu líder máximo, país voltou para a Idade Média, lamenta Thomas Milz.
Tempos de pestes sempre trouxeram um ar lunático, com todos buscando um culpado pela praga. Na Alemanha, se reúnem atualmente em praças públicas negacionistas de todas as causas, ativistas anti-vacina, da extrema direita e extrema esquerda, e juntos se manifestam contra a conspiração viral de Bill Gates e George Soros. Ainda bem que representam uma minoria. E que a Alemanha – por enquanto – tem um governo baseado na razão e na ciência, e não em likes das redes sociais ou vídeos de youtubers.
Chama a atenção o fato de que países governados por mulheres passaram com mais facilidade pela pandemia, a ver: Alemanha, Finlândia, Noruega e Nova Zelândia. A alemã Angela Merkel é física, a finlandesa Sanna Marin formada em Administração, a norueguesa Erna Solberg é sociológica, cientista política e ainda economista, enquanto a neozelandesa Jacinda Ardern é bacharel em comunicação política.
Por outro lado, os três países com mais casos de coronavírus – Estados Unidos, Rússia e Brasil – são liderados por homens de egos tão inflados que desprezam a ciência e os conselhos das vozes da razão. Magnata, Czar e Messias: todos se achando invencíveis devido a um vírus, que causaria uma "gripezinha". E estão pagando o preço da prepotência, por terem abandonado o caminho da ciência em favor de ideias obscurantistas, que misturam superstição com uma dose de pseudo-religiosidade. Minto. São os cidadãos desses países que estão pagando o preço, em milhares de mortes.
"O vírus tá aí, vamos ter de enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, pô, não como moleque", disse o presidente do Brasil. Para isso, promoveu um dia de oração contra o vírus, medida muito superior ao isolamento social feito nos países governados por mulheres. Depois da tentativa das orações, veio o remédio milagroso, revelado pelo Messias (é óbvio que o messias deve apresentar o milagre, para justificar seu nome): a cloroquina, um medicamento sem eficácia comprovada, como o próprio presidente admite. Mas, "pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado", segundo Jair Bolsonaro. Orem e, depois, morram como heróis, bravos brasileiros!
Havia a falsa esperança (e promessa) de um governo técnico, sem ideologia. Mas na área de saúde, onde mais se precisa de liderança técnica, os ministros técnicos foram dispensados por terem feito uma gestão meramente técnica. E por não terem defendido as ideias messiânicas do presidente.
Há no mundo três líderes defendendo o uso da cloroquina:
1. O magnata Donald Trump, que, depois de aconselhar as pessoas a tomarem uma injeção de desinfetante contra o vírus, agora disse tomar cloroquina como profilaxia.
2. O maquinista de metro Nicolás Maduro, líder da Venezuela, que já disse que seu falecido tutor Hugo Chávez lhe aparece em forma de passarinho. Se tal acontecimento se realizou depois de ele ter tomado a cloroquina, não se sabe.
3. O capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, que, como deputado, liderou o projeto para aprovar a fosfoetanolamina sintética, a chamada "pílula do câncer". O produto, ainda sem a eficácia comprovada, foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Ministério da Saúde está agora interinamente nas mãos de um general com vasta experiência em logística, mas sem experiência na área de saúde. Foi ele que, finalmente, seguiu o desejo do presidente de incluir a cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina no protocolo de tratamento para pacientes com sintomas de coronavírus. Mesmo admitindo que não há comprovação da eficácia. Fica a dica do presidente: "Quem é de direita toma cloroquina, quem é esquerda, tubaína".
Seria cômico se não fosse trágico. Mas, para ser sincero, já estava claro desde o começo que não se podia esperar muita coisa desse governo, muito menos políticas sérias baseadas na ciência e na razão.
Há, no entanto, uma grande decepção com a ala militar do governo. Esperava-se dela segurar as loucuras da ala ideológica. Afinal, há uma longa tradição científica dos militares brasileiros. Houve uma época em que eles lideraram a marcha da modernidade, hasteando a bandeira do positivismo, do lema "Ordem e progresso". Defenderam a ideia de que o conhecimento científico deveria ser a base da sociedade e não as orações e remédios milagrosos. O Brasil voltou para a Idade das Trevas.

Autor: Thomas Milz tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina, jornalista e fotógrafo do Bayerischer Rundfunk, agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. 

A Sexta Feira da Vergonha!

Achei curioso é que nenhum diretor, gerente, caixa, funcionário do Banco do Brasil se preocupou com o desclassificado posto Ipiranga da Economia dizer que o BB é puro estrume.
Quando criança, os adultos nos mandavam para fora da sala, porque não devíamos ouvir conversa de gente grande. A expressão era: tem gente descalça. Pois a reunião de 22 de abril dos ministros brasileiros, devia ter sido poupada a menores de 100 anos. Jamais vi tanta sem-vergonhice junta, tanta grossura exposta, conversa de boteco, total descalabro.
Se houve a Noite de São Bartolomeu, se houve Baile da Ilha Fiscal, também aconteceu a Farra dos Guardanapos, houve igualmente a Sexta-Feira dos Sem-vergonhas. Ali só faltaram Waldemar da Costa Neto e Roberto Jefferson, medalhas de ouro das indecências. 
Mario Souto Maior, folclorista pernambucano da mesma estirpe de Câmara Cascudo, celebrado até por Gilberto Freire, poderia processar o governo por direitos autorais, uma vez que todos os palavrões constantes de seu ótimo Dicionário do Palavrão e Termos Afins (tenho a edição da Guararapes, Recife 1980) foram ditos e repetidos pelo presidente. Desde o usual, sonoro, FDP ao modesto e quase ignorado prexeca, órgão sexual feminino em Goiás.
Souto Maior definiria aquele bando de ministros (porque é um bando, aglomerado, quadrilha, gangue) como Filhos-de-Guarda-Noturno, para não dizer FDP, uma vez que segundo Jan, filho de Mário, o pai nunca disse um palavrão. Difícil escrever sobre palavrões sem poder nomeá-los explicitamente para não parecer mal-educado.
O que acharam as mães se é que eles têm - filhas, tias, avós, mulheres e irmãs daquela máfia de desclassificados? Falta de pudor, diriam, de compostura, respeito, vergonha na cara, pura grosseria, achincalhe, rusticidade, enfim, a maior alarvaria, se me entendem Enfim, Mario Souto maior definiria aquele conjunto de ministros como um bando de Cheira-fundo que ele definia como “chaleira, capacho, pessoa sem personalidade”.
O sinônimo é pior: “Cheira-rabo”. para não dizer outra coisa. É o que se viu.  Achei curioso é que nenhum diretor, gerente, caixa, funcionário do Banco do Brasil se preocupou com o desclassificado posto Ipiranga da Economia dizer que o BB é puro estrume. O Supremo então fez como se não fosse com ele. Todos aceitaram serem chamados de vagabundos. O que há minha gente? Todo mundo dopado? 

Autor: Ignácio de Loyola Brandão – Estado de S. Paulo

A mentira racista tem consequências

Donald Trump, com um exemplar do 'The New York Post' enquanto fala com os jornalistas sobre a nova ordem que afeta as redes sociais, na quinta-feira, na Casa Branca. JONATHAN ERNST - REUTERS 
Como a história do fascismo demonstra, questionar as mentiras racistas e a violência política é de suma importância para a sobrevivência da democracia.
“Quando começam os saques, começam os tiros. Obrigado”. O Twitter assinalou que esse tuíte “glorifica a violência”. O autor de uma mensagem tão totalitária não era um fascista qualquer, mas ninguém menos que o presidente norte-americano, Donald Trump.
Nada disso é novo em se tratando de Trump, mas marca uma diferença em relação ao Twitter, que dias antes havia apontado que um tuíte presidencial dizia mentiras. Não é novidade que Trump, um populista de extrema direita, minta ou ameace manifestantes que protestam em diferentes partes dos Estados Unidos contra a execução policial de um negro indefeso, já que o presidente se dedica a elogiar ou promover ações racistas e repressivas de vários grupos terroristas de direita e neonazistas. No dia anterior, o caudilho da Casa Branca reproduziu no Twitter uma mensagem de um seguidor, “um cowboy de Trump”, que dizia que “o único democrata bom é um democrata morto”.
Jornalistas presos ao vivo, assassinatos de minorias pela polícia e o aumento da miséria e do racismo no contexto de uma crise global. Os Estados Unidos estão se tornando a Alemanha da República de Weimar? Os paralelos com o tempo em que a democracia alemã foi destruída por dentro pelo fascismo são reais, mas não podem nos confundir. A democracia dos EUA ainda pode se defender desses ataques.
A ofensiva de Trump contra as redes sociais se soma aos ataques recorrentes à imprensa independente, que o caudilho define como “inimigos do povo”, que são moeda corrente, mas é claro que estamos vendo uma aproximação do populismo de Trump do universo mental do fascismo.
Como é possível que a Casa Branca promova e provoque atos de racismo tão próximos da modalidade dos fascistas? Do ponto de vista histórico, podemos ver que estamos diante de um novo capítulo na história do fascismo e do populismo, duas ideologias políticas diferentes que agora compartilham um objetivo: promover o racismo sem evitar a violência política. Ao contrário do fascismo, em sua história o populismo (de Juan Domingo Perón a Hugo Chávez e Silvio Berlusconi) foi uma concepção autoritária da democracia que, a partir de 1945, reformulou o legado do fascismo para recombiná-lo com diferentes procedimentos democráticos. Após a derrota do fascismo, o populismo emergiu como uma forma de pós-fascismo que reformula o fascismo em função de uma era democrática. Em outras palavras: populismo é fascismo adaptado à democracia. Historicamente, o populismo rejeitou a centralidade do racismo e da violência na política, mas os novos populistas novamente tornam a fazer da violência e da discriminação um eixo central de seu modo de agir.
Nesse contexto, não é surpreendente que nos Estados Unidos pessoas ideologicamente alinhadas com Trump possam se envolver em atos de violência política e atos racistas. Essas formas de violência política ocorrem fora da esfera do Governo e do líder norte-americano. Mas Trump é responsável moral e eticamente por promover um clima de violência racista e de ataques à mídia, em particular por meio das redes sociais.
O resultado é um clima de violência fomentado em nome de mentiras racistas disfarçadas de verdades. A história nos ensina até que ponto as mentiras fascistas e racistas tiveram consequências horrendas. Sabemos o que aconteceu quando a mentira fascista se tornou realidade. Se o fascismo alemão triunfou, não foi apenas pelas pessoas que apoiaram as políticas racistas de Hitler, mas também pelas pessoas que simplesmente não se importaram com o fato de o racismo ser um elemento característico do nacional-socialismo. A principal diferença entre aquele momento e este é a considerável condenação que as mentiras racistas do presidente recebem e o impacto que elas têm em amplos setores da sociedade norte-americana que resistem a elas.
Ao contrário da época ditatorial de Hitler e Mussolini, quando a liberdade de imprensa foi eliminada, hoje a imprensa independente continua trabalhando nos Estados Unidos. Sua tarefa é essencial para a democracia. Acusar a mídia de mentir, de ser pouco confiável, pressupõe a ideia de que a única fonte de verdade é o líder. Numa época em que o presidente norte-americano demoniza os jornalistas e as minorias, a imprensa independente continua informando sobre as mentiras e o racismo, e dando força aos fatos. A essa defesa da democracia se soma agora o Twitter e isso incomoda Trump, e muito, como também a seus acólitos pós-fascistas do Vox na Espanha e sequazes muito próximos do totalitário presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, o Trump dos Trópicos que quer destruir a democracia em seu país.
Como a história do fascismo demonstra, pôr em questão as mentiras racistas e a violência política é de suma importância para a sobrevivência da democracia. Tanto nos Estados Unidos como na Espanha e no Brasil, as mentiras racistas e a glorificação da violência constituem ataques sérios contra a democracia. O que fazem é minar a confiança nas instituições democráticas, tal como fizeram os fascistas. Hoje sabemos que é preciso defender a democracia de modo bem ativo porque as instituições e tradições democráticas não são tão fortes como muitos acreditam. As mentiras, a glorificação da violência e do racismo, com efeito, podem destruir a democracia.

Autor: Federico Finchelstein é catedrático de História na New School of Social Research, em Nova York. Este artigo foi preparado pela Agenda Pública para o EL PAÍS.