O presidente gosta de brincar mais com a
morte do que com a vida. Tem mais vocação de demolidor que de construtor, de
guerreiro que de diálogo, de caçador de inimigos, verdadeiros ou imagináveis.
Amanda Perobelli - Agência Reuters
O presidente Jair Bolsonaro gosta
de brincar mais com a morte do que com a vida. Tem mais vocação de
demolidor que de construtor, de guerreiro que de diálogo, de caçador de
inimigos, verdadeiros ou imagináveis, que de impulsor da paz. A mentira lhe cai
melhor que a verdade.
Bolsonaro não será derrubado por
suas bravatas ameaçando com um golpe. A tragédia do coronavírus o
tirará da presidência por seus crimes contra a humanidade. Será derrotado pelo
pranto das famílias de luto que nem poderem se despedir de seus entes queridos.
Bolsonaro zombou da epidemia desde
o primeiro momento. Minimizou sua força destrutiva e continuou a fazê-lo
enquanto os mortos se acumulavam nos cemitérios. Quando os números das vítimas
o estavam desnudando de sua cegueira, tentou culpar os governadores, os
prefeitos e a própria OMS.
Não apenas negou sempre as evidências
como adotou uma atitude de provocação, desobedecendo pública e descaradamente a
todas as normas de prevenção da ciência e da medicina. Desarmou o
Ministério da Saúde de médicos e o armou de militares. Quando a epidemia se
espalhou e começou a aparecer como uma das mais letais do mundo, chegou ao
cúmulo do cinismo. Tentou esconder a realidade impedindo que fossem
publicados os números da catástrofe. Decidiu matar até os mortos.
Se existe algo, no entanto, que hoje
está unindo os brasileiros sem distinção é o medo da epidemia e a solidariedade
com as famílias atingidas pela dor da perda dos seus. E será essa união de
todos o que acabará destronando-o. A sua já é uma estátua cada vez mais desgastada
por sua frieza psicopática e por sua incapacidade de entender e ainda
menos de compartilhar a dor de uma nação.
Não busquem razões jurídicas ou
políticas para apear Bolsonaro de um poder do qual se tornou indigno de
exercer. Seu maior pecado é sua falta de humanidade, sua zombaria da tragédia e
o fato de dar as costas à dor que sufoca as pessoas.
É possível que Bolsonaro caia antes de
acabar seu mandato, esmagado pelas milhares de vítimas cujo grito não deveria
deixá-lo dormir. Mas se por inércia ou falta de coragem daqueles que deveriam
afastá-lo da presidência chegasse à reeleição, o silêncio ensurdecedor dos
mortos o seguirá em cada passo da campanha e aos brasileiros será
impossível voltar a assinalar seu nome nas urnas. Sim, serão os mortos mais que
os vivos que colocarão uma barreira à sua insaciável fome de poder totalitário.
Quem conhece o presidente diz que tentou
minimizar a guerra contra a epidemia diante do temor de que a tragédia pudesse
criar problemas para sua reeleição porque a economia iria quebrar. Chegou
a dizer que, no final das contas, quem mais morreria seriam os idosos e os já
doentes, como se isso fosse irrelevante. Mais ainda, uma assessora de seu
ministro da Economia chegou a afirmar que a morte de idosos seria um alívio
para a economia, pois dessa maneira “se economizariam muitas aposentadorias”.
Bolsonaro confessou uma vez que sua
missão como militar era “matar e não curar as pessoas”. Sem contar que essa
afirmação é uma ofensa ao Exército, que não existe para matar, mas para
salvar a nação de seus possíveis inimigos e também atuar para salvar vidas nas
tragédias e calamidades naturais.
Bolsonaro não se conforma em ser mito,
mas vai como um deus decidindo sobre a vida das pessoas. É difícil encontrar
personagens na história com tal amplitude de negatividade, pois parece viver em
um mundo de fantasmas de mortos como se os vivos o assustassem.
Como construir um país tão rico de vida
quanto o Brasil, tão jovem e com tanto futuro governado por fantasmas de
destruição e morte? Como apostar na reunificação pacífica do país sem ter que
ouvir a todo o momento os lúgubres presságios da violência, da divisão e da
falta de empatia com a dor alheia da boca de quem deveria, ao contrário,
despertar sentimentos de vida e de renascimento do melhor que aninha no coração
humano?
Bolsonaro sempre à caça de inimigos a
abater os encontra em todos os lugares, na imprensa, no Congresso, no STF.
Para que devem existir outros poderes fora de seus domínios? Não disse que a
Constituição é ele e, portanto, sonha em poder mudá-la e reescrevê-la a seu
gosto? Para que a cansativa viagem de diálogo e colaboração com as outras
instituições que servem apenas como obstáculo? Não, Bolsonaro não é um
fantasma, é um amontoado de instintos de destruição e morte. Seu sonho é
armar pessoas, se possível até as crianças. O que é uma pessoa sem um fuzil
para empunhar?
A morte sempre como pano de fundo. Seus
instintos são o tânatos de Freud. A felicidade, o compartilhar a vida, o
diálogo sereno com os que pensam diferente dele, a compaixão pelos que mais
sofrem, que são os mais esquecidos, e o compartilhar a dor alheia não cabem em
sua psicologia de destruição e em seus medos irracionais diante de inimigos
inexistentes. Melhor deixá-lo sozinho se divertindo com seus brinquedos de
morte, já que a vida parece lhe dar medo.
Autor: Juan Arias – El País
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