É
importante que tenham sido os jovens os que venceram o medo e saíram às ruas
para dizer BASTA à barbárie exibida por um chefe de Estado que ameaça matar seu
futuro.
Duas jovens, Julia e Simone, na
manifestação em São Paulo contra o racismo e o fascismo, resumiram ontem o
clima que estavam enfrentando com a frase: “temos mais medo do racismo que do
coronavírus”, recolhida por Carla Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil. As
manifestações de ontem em várias cidades do país talvez tenham sido o começo de
um movimento que poderia ser irrefreável contra um Governo que perdeu o
rumo e ameaça desprezar seja o perigo da pandemia de que zomba e tenta
escondê-la dos brasileiros e do mundo, sejam os valores da democracia ameaçando
dar um golpe para se apossar do poder absoluto.
As manifestações foram realizadas com a
angústia do dilema se era oportuno, em pleno crescimento do coronavírus,
sair às ruas. Algo que acabou dividindo aqueles que neste momento tentam se
unir em uma ampla frente de consenso democrático contra a barbárie que assombra
o país.
Os seguidores fanáticos do presidente
Bolsonaro e os que lutam por um Brasil livre de ameaças de golpes
autoritários foram aconselhados a não participar dessas manifestações.
Aparentemente, as hostes de Bolsonaro foram mais obedientes, ou tiveram mais
medo, ou talvez estejam começando a ser menos do que se alardeia, porque apenas
um punhado de gente saiu às ruas. Por outro lado, aqueles que começam a se unir
em um clamor cada vez maior contra o desmanche da democracia ameaçada
a cada hora e às vezes até de maneira grosseira, preferiram enfrentar o perigo
e sair em defesa das liberdades ameaçadas.
As jovens Julia e Simone explicaram com
lucidez, afirmando que têm mais medo do racismo do que do coronavírus,
porque a ameaça do coronavírus é algo cuja solução está sendo buscada, ninguém
nega sua nocividade, enquanto o caso do racismo é algo velado que acaba sendo
aceito como algo normal ou no máximo uma fatalidade, como acontece no Brasil
desde a escravidão até hoje.
Não foi por acaso que nas manifestações
no Brasil as televisões misturaram imagens locais com as manifestações ainda em
andamento contra o racismo nos Estados Unidos e em todo o mundo, que
serviram como estímulo para perder o medo de sair às ruas aqui também.
E talvez uma das coisas mais importantes
sobre as manifestações brasileiras tenha sido o fato de aparecerem como o
início de um movimento pela libertação dos demônios que atormentam a sociedade
na qual, neste momento, se dão um abraço mortal três crises igualmente
cruciais: a da pandemia, uma das mais graves do mundo, a política com ameaças
diárias à democracia e desprezo pela população negra. Uma população que, além
de ser maioria no Brasil, é cada vez mais marginalizada e assassinada em um
verdadeiro genocídio à luz do sol. Finalmente, e concomitantemente, a
econômica, que ameaça criar novos guetos de brasileiros que serão forçados
a voltar ao inferno da miséria que nunca é apenas material, mas também cultural
e social, e que são vistos como aqueles que não têm direito à vida.
O simbolismo cruel e cínico do
presidente Bolsonaro bebendo um copo de leite em público enquanto ardiam nos
Estados Unidos as manifestações de protesto contra o assassinato de um homem
negro por um policial branco, algo que acabou comovendo todo o mundo
civilizado, indica que o Brasil, cujo país é cada vez mais visto no mundo como
pária, também está perdendo o relógio da história.
As manifestações de protesto, em plena
pandemia, realizadas ontem no Brasil, podem ter sido o pavio de um incêndio de
tomada de consciência da gravidade do momento. E é importante que tenham sido
principalmente os jovens, inclusive do mundo do futebol e do esporte, os
que venceram o medo e saíram às ruas para dizer BASTA à barbárie exibida por um
Governo e um chefe de Estado que ameaçam matar seu futuro.
Como as jovens Julia e Simone disseram
ontem durante a manifestação em São Paulo, “se não for agora, quando? Temos que
lutar porque este é um Governo de opressão”. A coragem destas jovens
aparece como um sonho de libertação que começa a surgir no meio da tempestade
que ameaça e humilha um país da importância do Brasil. Serão estes jovens que
um dia poderão contar aos filhos que lutaram e enfrentaram os monstros do novo
autoritarismo destrutivo para devolver-lhes os valores ameaçados da liberdade.
Sim, as jovens Julia e Simone têm razão:
“Se não for agora, quando?”. Porque amanhã pode ser tarde demais. Alguém se
lembra da história do nazismo? Também naquela época a racionalidade chegou
tarde demais. E o holocausto já estava consumado.
Autor: Juan Arias – El País.
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