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23 de março de 2019

Cidade do Cabo: Lições da Megalópole que correu o risco de ficar sem água!

Capital da África do Sul sofreu uma grave crise de abastecimento, resultado de três anos de chuvas escassas em uma região com alta densidade populacional.

Rio — No início do ano passado, os moradores da Cidade do Cabo, na África do Sul, viveram um medo nunca antes experimentado: de ver a metrópole se transformar na primeira do globo a ficar sem água. A cidade sofreu uma grave crise de abastecimento, resultado de três anos de chuvas escassas em uma região com alta densidade populacional. O susto provocou uma grande transformação nos hábitos de moradores e turistas. Além disso, o valor — simbólico e monetário — da água também mudou.
Susto provocou uma grande transformação nos hábitos de moradores e turistas. Foto Pixabay
— Os governantes culparam o excesso de demanda e recorreram à única ferramenta que tinham disponível: gerenciar agressivamente o consumo. Embora isso tenha evitado a crise imediata, também destruiu a confiança na cidade e minou a economia — afirma Anthony Turton, professor do Centro de Gestão Ambiental da Universidade do Estado Livre, na África do Sul, em entrevista ao GLOBO, por e-mail.
Para Turton, outras experiências no mundo mostram a importância de se pensar na expansão da oferta.
— Uma comparação deve ser feita com Melbourne, na Austrália, que tem um clima idêntico e um problema semelhante. Os governantes de lá aumentaram a oferta através da dessalinização. Hoje, são capazes de expandir a economia porque passaram a usar esta técnica. A Cidade do Cabo recusou-se a considerar a dessalinização e, quando o fez, ela foi fragmentada e mal planejada — critica Turton.
A brasileira Camila Buenting foi fazer mestrado em Filosofia, na Universidade de Stellenbosch, na Cidade do Cabo, e viveu os dias críticos de redução do uso de água.
— Quando me mudei, já havia restrição. Mas eu não tinha noção do tamanho da seca. O racionamento foi gradativo até dar um salto muito grande, quando passaram a limitar o número de litros que cada pessoa poderia usar por dia — lembra.
A ativista teve de restringir o consumo a 50 litros por dia — em média, numa descarga no vaso sanitário, são gastos 12 litros — e teve que mudar seus hábitos.
— Passei a tomar banho com um balde embaixo do chuveiro e reutilizava a água para dar descarga. Molhava as plantas com a água usada para lavar louça. Enchia baldes com a água usada para lavar roupa na máquina e usava para outros fins — conta Buenting.
Aumento de 300%
A pesquisadora garante que essas mudanças não fizeram com que gastasse mais tempo com as atividades cotidianas do que o normal. Ela explica por que aderiu ao racionamento sem pestanejar:
— Além de ser uma questão que me é cara, pelas razões ecológicas, o valor da água chegou a crescer 300%. A gente sentia no bolso. Também ficamos com muito receio da ameaça de ter de ficar um dia sem poder usar uma gota d’água.

Autor: Raphael Kapa – Jornal O Globo

Afastar a esquerda foi simples, complicado é governar o Brasil!

É hora de muitos experimentarem
aquela estranha sensação do
uso do raciocínio em nosso país.
Fernando Pinho

Os oitenta dias que separam a posse do presidente mostram claramente que o discurso de ódio ao PT, que estava fora do governo há dois anos e ao comunismo que nunca reinou em nosso país desde a instalação da republica, é muito mais fácil do que o ato de governar um país como o Brasil.
Lidar com o orçamento, com nossa economia sempre instável e recessiva, um parque industrial sucateado ao longo dos últimos trinta anos, criminalidade crescente, trinta e cinco partidos políticos sem ética, adeptos de um fisiologismo sem igual no planeta é tarefa para quem tem capacidade e muito conhecimento.
Não é a toa que dizem em tom de brincadeira: “O Brasil não é para amadores, mas sim profissionais”. Embora a direita não faça essa analise publicamente, o processo de desgaste de um impeachment aliado ao péssimo governo de dois anos de Michel Temer foi ainda pior para o país, deixando sua economia em situação muito grave.
Infelizmente nestes oitenta dias Bolsonaro não provou que possui um Projeto de Governo embasado em novas ideias e programas, ao contrário, nos faz entender que não tem projeto algum para o país, além de seus discursos e de seus filhos com caráter ideológico contra a esquerda. Coisa de amador, que não entendeu definitivamente que a campanha eleitoral acabou em outubro/2018 e que agora governa para 200 milhões de brasileiros, inclusive os 62% que não lhe deram os votos.
As dificuldades são inúmeras, desde a economia em recessão, aos 12 milhões de desempregados, que se somados aos 15 milhões de brasileiros em atividades informais sem registro em carteira formam um exército. Sem contarmos com os mais de 10 milhões com baixa renda, sem capacidade de alimentar a economia. Temos 200 milhões de brasileiros e destes, seguramente, apenas 20 milhões têm poder aquisitivo para movimentar o mercado consumidor.
Assim como aconteceu nos dois anos de desgoverno de Michel Temer, a única solução proposta pelo novo governo é a Reforma da Previdência. Em paralelo nada mais está sendo feito, discutido ou realizado pelo governo. As obras de infraestrutura tão importantes para gerarem empregos estão paralisadas em todos os setores da economia. Não tem construção de estradas, hidrovias, ferrovias, nem a devida recuperação do setor de construção civil, que normalmente alavanca milhões de empregos na habitação.
Enquanto discutem ideologia de gênero, comunismo e outras sandices o país continua parado, sem que ninguém perceba o desastre para o qual estamos caminhando celeremente. Acreditar que a aprovação de uma reforma da previdência vai resolver todos os demais problemas estruturais do país é não ter inteligência para enfrentar uma gestão pública num pais tão complexo.
Claro que é cedo, se analisarmos o período de quatro anos que 38% dos eleitores concederam a família Bolsonaro para governar o Brasil, porém, o tempo passa, melhor, voa, e se nada começar a ser feito de prático, ficaremos a deriva afundando cada vez mais no atoleiro da incompetência e da burrice demagógica da discussão ideológica político partidária. 
A fala do presidente da Câmara Federal Deputado Rodrigo Maia durante entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, resume o governo Bolsonaro: “Este governo Bolsonaro é um deserto de ideias, não existe projetos exceto o da Reforma da Previdência, se existe ninguém sabe nem no governo nem fora dele”.

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.

18 de março de 2019

Cidade imensa e triste!

No final dos anos sessenta criei muito carinho pela Inglaterra; fui deixando de ser um socialista e me transformando pouco a pouco no que ainda tento ser, um liberal.
Fernando Vicente
Vim a Londres pela primeira vez em 1967, para dar aulas no Queen Mary’s College. Levava uma hora de metrô de Earl’s Court para chegar à universidade e outra para voltar, de maneira que utilizava essas duas horas para preparar as aulas e corrigir os trabalhos dos alunos. Descobri que gostava de ensinar, que não o fazia mal, e que aprendia muito lendo, por exemplo, Sarmiento, cujo ensaio sobre o gaúcho Quiroga passou a ser desde então um de meus livros de cabeceira.
A Londres daqueles dias era muito diferente de Paris, onde morei nos sete anos anteriores. Na capital francesa se falava de marxismo e de revolução, de defender Cuba contra as ameaças do imperialismo, de acabar com a cultura burguesa e substituí-la por outra, universal, em que toda a sociedade se sentisse representada. Na Grã-Bretanha os jovens não se interessavam pelas ideias e pela política, a música passava a liderar a vida cultural, eram os anos dos Beatles e dos Rolling Stones, da maconha e das roupas extravagantes e chamativas, dos cabelos até os ombros e uma nova palavra, hippies, havia se incorporado ao vocabulário universal. Passei meus primeiros seis meses em Londres em um afastado e plácido distrito cheio de irlandeses, Cricklewood, e depois, sem querer e saber, aluguei uma casinha justamente no coração do universo hippie, Philbeach Gardens, em Earl’s Court. Eram bondosos e simpáticos, e lembro-me da surpreendente resposta de uma jovem a quem me ocorreu perguntar por que andava sempre descalça: “Para me libertar de minha família de uma vez!”.
Passava todas as tardes em que não tinha aulas na belíssima sala de leitura da British Library, que estava à época no Museu Britânico, escrevendo Conversa no Catedral e lendo Edmund Wilson, Orwell, Virginia Woolf. E, por fim, Faulkner e Joyce em inglês. Tinha muitos conhecidos, mas poucos amigos, entre eles Hugh Thomas e os Cabrera Infante, que foram por puro acaso morar a poucos metros de minha casa. No ano seguinte comecei a dar aulas no King’s College, que ficava muito mais perto de minha casa, onde tinha um pouco mais de trabalho, mas um salário melhor.
Naqueles anos criei muito carinho e admiração pela Inglaterra, e fui deixando de ser um socialista e me transformando pouco a pouco no que ainda tento ser, um liberal. Esse sentimento aumentou tempos depois pelas coisas extraordinárias feitas por Margaret Thatcher no Governo. Nessa época já lia muito Hayek, Popper, Isaiah Berlin, e, principalmente, Adam Smith. Fui a Kirkcaldy, onde ele escreveu A Riqueza das Nações, e de sua casa só restava um pedaço de muro e uma placa, e no museu local as únicas coisas dele eram um cachimbo e uma pena de escrever. Mas, em Edimburgo, por sua vez, pude depositar um ramo de flores na igreja em que está enterrado e passear pelo bairro onde os moradores o viam vagabundear em seus últimos anos, distraído, apartado do mundo que o cercava, com seus estranhos passos de dromedário, totalmente absorto em seus pensamentos.
Em minha antiga moradia londrina, no final dos anos sessenta, não tínhamos televisão, mas sim um rádio, e saíamos somente uma vez por semana, nas noites de sábado, ao cinema e ao teatro, porque a senhora da Baby Minders que vinha tomar conta das crianças nos custava os olhos da cara, mas, apesar dessas dificuldades, acho que éramos bem felizes e é possível que, se não fosse por Carmen Balcells, teríamos ficado para sempre em Londres. Meus dois filhos e minha futura filha seriam três ingleses. Mas tenho certeza de que sempre teria me oposto ao Brexit e que teria militado ativamente contra semelhante aberração.
Eu me dava muito bem com meu chefe no King’s College, o professor Jones, especialista no Século de Ouro. Naquele final de ano acadêmico ele me propôs que, no seguinte, eu fosse uma vez por semana substituir um professor de espanhol em Cambridge que saía de férias, e aceitei. E, nisso, sem se anunciar, como uma tempestade impressionante, Carmen Balcells bateu na porta de minha casa. Ela me foi apresentada por Carlos Barral em Barcelona, me explicando que se ocuparia de vender ao estrangeiro meus direitos de autor. Logo depois, a própria Carmen me contou que havia desistido de trabalhar na Editora Seix Barral porque a missão de uma agente literária era representar os autores contra o editor, e não o contrário. Se eu queria que ela fosse minha agente? Claro. As coisas haviam ficado mais ou menos assim.
O que veio fazer em Londres? “Ver você”, me respondeu. “Quero que você abandone imediatamente a universidade e a Inglaterra. E que todos vocês venham morar em Barcelona. O King’s College consome muito do seu tempo. Garanto que você poderá viver de seus livros. Eu me encarrego”. É provável que eu tenha dado uma gargalhada e perguntado se ela estava louca. Viver de meus direitos de autor era um absurdo, porque eu levava dois ou três anos para escrever um romance e se precisasse fazê-lo em seis meses para alimentar meus dois filhos escreveria livros ilegíveis. Ainda não havia descoberto que quando Carmen colocava algo na cabeça era preciso fazer o que ela queria ou matá-la. Não existiam opções intermediárias. Lembro que discutimos por horas e horas, que me contou que García Márquez já estava em Barcelona, vivendo de seus livros; que ela viajou ao México para convencê-lo. E que não sairia de minha casa até eu dizer sim.
Ela me cansou e me derrotou. E nessa mesma tarde fui ver o professor Jones para dizê-lo que ia para Barcelona e que, daí em diante, tentaria viver de meus direitos de autor. Era um homem bem-educado e não me disse que eu era um imbecil fazendo semelhante disparate, mas vi em seu olhar que pensou nisso.
Não me arrependo de maneira nenhuma de ter dado ouvidos a Carmen Balcells porque os cinco anos que passei em Barcelona, entre 1970 e 1974, foram maravilhosos. Lá nasceu minha filha Morgana no hospital Dexeus e, graças a Santiago Dexeus, a vi nascer. Essa cidade se transformou, principalmente por Carmen e Carlos Barral, na capital da literatura latino-americana por um bom tempo, e lá voltaram a se encontrar e a se misturar os escritores espanhóis e hispano-americanos, que se evitavam desde a Guerra Civil. Nós que passamos aqueles anos na grande cidade mediterrânea não nos esqueceremos nunca do entusiasmo com que sentíamos chegar o fim da ditadura e a sensação reconfortante que era saber que, na nova sociedade democrática, a cultura teria um papel fundamental. Que sonhos de ópio!
A Espanha ainda não prestou a Carmen Balcells à homenagem que merece. Ela sozinha decidiu que, com suas grandes editoras e sua velha tradição de alta cultura, Barcelona deveria reunir muitos escritores latino-americanos e, juntando-os novamente com os espanhóis, unir a cultura da língua em um só território cultural. Os editores, pouco a pouco, começando por Carlos Barral, fizeram o que ela queria. Como eu, ela fez com que muitos escritores se instalassem em Barcelona, onde, naqueles anos, começaram a chegar os jovens sul-americanos, como antes a Paris, porque era lá que fazia sentido fantasiar histórias, escrever poemas, pintar e compor. Desde o Brexit, a Inglaterra se desfez na memória e me senti profundamente decepcionado. Nesses dias, entretanto, talvez por estar velho, me lembrei com saudade dos anos que passei aqui e mais uma vez contradigo aquele poeta brasileiro de quem Jorge Edwards gostava tanto, que chamou Londres de “cidade imensa e triste” e disse de si mesmo: “Foste para lá triste e voltaste mais triste”.

Autor: Mario Vargas Llosa – El País

17 de março de 2019

Rede Bolsonarista "Jacobina" promove linchamento virtual até de aliados!

Como funciona a 'máquina' de difamação operada pela ala mais radical de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais.

A repórter do Estado Constança Rezende tornou-se alvo no domingo, 10, de um violento ataque digital. Quando se preparava para sair de casa e almoçar com a família, Constança foi informada por uma de suas fontes via WhatsApp de que um post publicado pelo canal Terça Livre, que reúne militantes bolsonaristas e pupilos do escritor e pensador Olavo de Carvalho, estava provocando uma forte reação contra ela nas redes sociais. A razão: uma suposta tentativa de “arruinar” o presidente Jair Bolsonaro com as reportagens sobre o Caso Queiroz. Constança se dedica a essa cobertura desde o princípio.
A partir da publicação do Terça Livre, com base em declarações distorcidas de Constança divulgadas por um blogueiro belgo-marroquino num site francês, a vida da jornalista virou um tormento. Ela foi xingada, ameaçada e tornou-se tema de memes nas redes. Páginas falsas dela foram criadas na internet. Pior: a certa altura, o próprio presidente compartilhou o post do Terça Livre em suas redes sociais, amplificando os ataques. O Estado, que logo publicou uma reportagem sobre o caso em seu site, mostrando que as declarações da repórter haviam sido deturpadas, também acabou se transformando em alvo das milícias virtuais, que “subiram” a hashtag #EstadaoMentiu no Twitter, para tentar desqualificar o jornal.
O caso de Constança revela, em toda a sua extensão, o funcionamento da máquina de assassinato de reputação operada por grupos bolsonaristas e olavistas, que formam as correntes mais radicais e dogmáticas da chamada “nova direita” do País. Em razão dos ataques virtuais desferidos pela turma, várias vítimas acabam por restringir o acesso a seus perfis e silenciar sobre o tema que deu origem às agressões. Algumas pessoas simplesmente apagam suas páginas, aterrorizadas pela agressividade dos comentários. 
Hegemonia. Nesta reportagem especial, baseada em conversas com integrantes e ex-integrantes dessa engrenagem, o Estado mostra como ela funciona, quem são seus principais líderes e apoiadores e quais são seus tentáculos nos gabinetes palacianos e parlamentares. Conta, também, os casos de outras vítimas das milícias virtuais bolsonaristas e olavistas. Além de jornalistas, a lista inclui personalidades e influenciadores da própria direita e integrantes do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, indicado pelo próprio Olavo de Carvalho. 
O ex-secretário-geral da Presidência da República Gustavo Bebianno, que deixou o cargo em meados de fevereiro, foi chamado de “mentiroso” nas redes por Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, cujo post foi compartilhado pelo pai, por afirmar que havia conversado três vezes com Bolsonaro sobre o uso de “laranjas” nas eleições por candidatos do PSL.
Na campanha eleitoral, a turba já havia se levantado contra qualquer um que pudesse colocar em risco a hegemonia de Bolsonaro junto ao eleitorado de centro-direita. O ex-presidenciável João Amoêdo, do partido Novo; o atual governador de São Paulo, João Doria (PSDB); o empresário Flávio Rocha, pré-candidato à Presidência pelo PRB; e até a garotada do MBL foram alvos de ataques torpes da máquina de difamação bolsonarista e olavista.
‘Jacobinos’. Como cruzados em luta para conquistar Jerusalém, os bolsominions e os olavetes, como eles são mais conhecidos fora de seus mundinhos, insurgem-se contra os adversários de Bolsonaro e Olavo de Carvalho e contra aliados que ousam discordar dos dois, ainda que de forma pontual. Não por acaso, receberam a alcunha de “jacobinos”, em referência ao movimento surgido na Revolução Francesa, em 1789, que defendia o extermínio da aristocracia e se tornou conhecido por impor o terror no país. No Brasil, nos tempos do PT, também havia uma máquina implacável de destruição de reputação de adversários, em especial de jornalistas. A diferença é que, naquela época, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e seus parentes procuravam não se envolver diretamente, ao menos em público, na “guerra suja”. Além disso, a tropa de choque petista na internet recebia fartos recursos oficiais, para defender o governo e o partido e atacar os seus críticos.
Agora, o quadro mudou. Bolsonaro, seus filhos e alguns assessores palacianos e parlamentares envolvem-se diretamente nos ataques. E, por ora, de acordo com as informações disponíveis, sites e páginas como o Terça Livre, Isentões e Senso Incomum, que agem como se estivessem numa “guerra santa” contra infiéis, não estão recebendo recursos públicos para financiar suas atividades. 
Na linha de frente dos ataques aos adversários e críticos de Bolsonaro e de Olavo figuram dois filhos do presidente – o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), responsável pela bem-sucedida campanha do pai nas redes e ainda hoje o principal administrador de suas páginas e perfis pessoais, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o mais ideológico da família e o mais ligado a Olavo. Ao lado deles, instalados no Palácio do Planalto, destacam-se o assessor internacional da Presidência, Filipe G. Martins, e os assessores presidenciais José Matheus Sales Gomes – criador dos sites Bolsonaro Zuero e Bolsonaro Opressor 2.0 na campanha e considerado o “gênio” das redes do presidente, e Tercio Arnaud Tomaz, ambos ex-funcionários do gabinete de Carlos, na Câmara Municipal do Rio. Vejam no quadro abaixo o Ninho de intrigas - A máquina de bolsonaristas e olavistas para enfrentar adversários e até aliados nas redes sociais.


Desgaste. Aparentemente, Carlos é o único que tem a senha para operar as páginas e perfis pessoais de Bolsonaro, além do próprio presidente. Na semana passada, ele afirmou numa rara entrevista (ao canal da jornalista Leda Nagle no YouTube) que, às vezes, sente-se “culpado” pelo conteúdo que publica na internet e leva um “puxão de orelha” do pai. Não se sabe, porém, se ele disse isso para tentar isentar Bolsonaro de responsabilidade pelas controvertidas publicações feitas em seu nome ou para exibir sua força na gestão do conteúdo nas páginas do presidente. 
Os analistas que conhecem de perto o grupo mais próximo de Bolsonaro afirmam que Filipe Martins, um pupilo fervoroso de Olavo que foi introduzido no círculo bolsonarista pelas mãos de Eduardo, é quem está por trás de muitos ataques aos adversários e críticos do “professor” e do presidente. Eles dizem reconhecer o inconfundível estilo “jacobino” de Martins em vários dos ataques desfraldados por Olavo nos últimos tempos.
Quem conhece bem a forma de atuação do grupo afirma também que Olavo está sendo “brifado” em vários de seus posts por Martins e outros olavetes que ganharam cargos oficiais no atual governo e usado por eles para desferir ataques em todas as direções. Assim, Olavo dá a sua contribuição para preservar seus discípulos do desgaste inevitável que teriam se fizessem, eles mesmos, as publicações mais agressivas.
O caso de Mourão – “detonado” diversas vezes por Olavo, que o chamou de “palpiteiro” e afirmou que o vice é “uma vergonha para as Forças Armadas”, por causa de suas posições em defesa da opção das mulheres pelo aborto, contra a relativização da posse de armas e por suas críticas contra a política externa – é emblemático. Segundo o site O Antagonista, Mourão identificou as digitais de Martins, que conversa com frequência com o escritor, nos ataques desferidos contra ele.
Comando central. O diplomata Paulo Roberto de Almeida, exonerado da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) no início de março e outro alvo dos “petardos” de Olavo, também atribuiu a Martins o seu afastamento do cargo. “Ele é um desses olavistas fanáticos, que tem a verdadeira fé”, disse em recente entrevista ao Estado. 
Muitas vezes, como no caso de Almeida, Mourão e Constança, os ataques virtuais parecem seguir uma estratégia bem elaborada e as orientações de um comando central, com o apoio de influenciadores como Allan dos Santos, do Terça Livre, os youtubers Nando Moura e Bernardo Küster e o empresário Leandro Ruschel, e de propagadores com milhares de seguidores nas redes, como Bruna Luiza Becker, ex-namorada de Martins que se tornou assessora de Vélez Rodríguez, a advogada Cláudia Wild e o perfil do Twitter Tonho Drinks. 
De acordo com especialistas em redes sociais, os ataques digitais têm o apoio de robôs, que funcionam como uma espécie de faísca para incendiar a massa. No WhatsApp, por exemplo, onde os grupos podem ter no máximo 250 pessoas, costuma haver sempre dois ou três perfis falsos, destinados a enviar de forma automática mensagens com ataques a fulano ou beltrano. Em seguida, elas são compartilhadas pelos demais integrantes dos grupos em suas próprias redes, provocando o “efeito manada”.
Mas, mesmo nesses casos, deve-se levar em conta que há uma adesão espontânea que torna difícil caracterizar os grupos bolsonaristas e olavistas como membros de uma rede 100% estruturada de comunicação virtual. Nas eleições de 2018, o PT até tentou implementar algo do gênero por baixo do pano, remunerando os participantes, mas a iniciativa acabou “vazando” e o partido teve de abortá-la, para abafar o caso e evitar punições pesadas da Justiça Eleitoral. Uma rede profissional de milícias virtuais, encarregada de destruir a reputação de opositores e críticos pontuais, também exigiria um caminhão de dinheiro, difícil de obter com o cerco ao caixa 2 eleitoral e à corrupção.

Autor: Jornalista José Fucs – O Estado de São Paulo

15 de março de 2019

A crise do setor elétrico brasileiro: A marcha da insensatez - Parte 1

Roberto Pereira D'Araujo, do Instituto Ilumina,  preparou uma série de artigos que conta essa verdadeira saga de falsas promessas, tolices arrogantes e mimetismos provincianos. 

A crise atual do setor elétrico foi diligentemente construída ao longo do tempo. Entender essa sucessão de decisões equivocadas que nos trouxe até aqui é fundamental para reconhecer a natureza estrutural dessa crise, os enormes desafios que ela coloca e a absoluta inadequação das propostas governamentais colocadas na mesa para resolvê-la. 
Roberto Pereira D’Araujo, do Instituto Ilumina,  preparou uma série de artigos que conta essa verdadeira saga de falsas promessas, tolices arrogantes e mimetismos provincianos. Neste primeiro capítulo, apresenta-se o início da marcha com o mimetismo reformista dos anos 1990s.
Uma verdadeira novela.
É longo, mas quem quiser realmente entender o que aconteceu com a energia elétrica brasileira, que já atingiu a 5a mais cara tarifa mundial, tem que ter paciência. A culpa não é do ILUMINA. A responsabilidade está espalhada por vários governos que não quiseram enfrentar os poderes que se formaram sob os erros e as omissões.
Como informado nas notícias abaixo, além dos outros problemas que ainda não foram resolvidos como o risco hidrológico, tarifa alta, bandeiras tarifárias e proliferação de encargos, a comercialização de energia, mais uma vez, leva um susto. No bizarro mercado livre brasileiro, ele dissemina crise para todos os consumidores, mas só aparece nas mídias quando ele causa confusão para si mesmo.
Raquitismo da regulação:
Sempre é possível examinar um evento que, se ocorrer, causa prejuízos a muitas pessoas com análises específicas focadas em um episódio. Infelizmente esse parece ser o método das nossas agências reguladoras em diversas atividades. As análises superficiais e fiscalizações falhas fazem que a regulamentação chegue atrasada ao que se quer evitar.
O raquitismo do nosso estado regulador pode ser medido pelas recentes “tragédias” que atingem vários setores. Tudo indica que as empresas já incorporaram essas falhas de regulação nas suas estratégias.
O ILUMINA, por não estar envolvido com o dia a dia do ambiente do mercado de energia, é incapaz de analisar detalhes muito específicos. Contudo, o que podemos fazer é mostrar as deformidades estruturais desse mercado. Defeitos que estão na origem já provocaram uma série de conflitos. A prevalecer a fragmentação de responsabilidades e o alto grau de mimetismo de outra realidade física, uma nova onda de problemas virá por aí.  Metaforicamente, a “barragem” do mercado, que já desmoronou outras vezes, dá outros sinais de instabilidade e, mesmo assim, a essência do problema permanece intocada.
Origens do mercado de energia no Brasil
Todos sabem que um mercado perfeito é raro, mas existe. A dinâmica básica é que, toda vez que há oferta insuficiente de um produto, o preço sobe. Na teoria, a demanda reage à elevação se reduzindo e o preço se estabiliza num novo patamar mais baixo de equilíbrio. O inverso ocorre quando há sobras de oferta. O preço cai, a demanda se aproveita, o preço sobe e se equilibra num novo nível. Como se sabe, não é raro ocorrer situações onde diferenças de poder econômico aniquilam essa teoria. Apesar disso, muitos acreditam piamente nesse sistema.
Infelizmente, a energia elétrica não é como a batata ou a cebola, que podem ser substituídos. É um insumo básico em qualquer economia e, se ela fosse obedecer a este idealismo teórico, transformaria a vida dos consumidores num verdadeiro inferno. Imagine ter uma instabilidade de preços na base das atividades econômicas. Ou não ter energia para comprar mesmo que o preço seja absurdo.
Aqui, nesse país tropical, justamente as mais importantes máquinas de produzir energia, as hidroelétricas, de um ano para o outro, podem receber afluências que dobram a energia associada. Ou seja, os mesmos equipamentos podem produzir o dobro de kWh do ano anterior. Evidentemente, podem também se reduzir pela metade! Imagine um produto cuja oferta varia desse modo sob a teoria do mercado perfeito. O gráfico abaixo deixa essa característica tropical totalmente inequívoca.
Série Histórica das Energias Naturais (afluências) dos 4 sistemas (sul, sudeste, nordeste e norte)
Outra característica brasileira que atrapalha a mítica teoria mercantil é que, historicamente, a cada ano, a demanda de energia elétrica se eleva a ponto de exigir algo como duas usinas novas como a de Itumbiara com 2082 MW. Que mecanismo teórico de mercado é capaz de se antecipar para que não haja um grande desequilíbrio da oferta?
Evidentemente, deixar ao mercado a contratação dessa oferta adicional é uma política que assume grandes riscos, pois, na teoria, ao sentir a escassez, o preço sobe, mas esse sinal já seria tardio para o reequilíbrio.
Usina de Itumbiara
A sequência de problemas já registrados na implantação do mercado de eletricidade no Brasil na década de 90 chega a ser uma tragicomédia. O mimetismo, a fragmentação de atribuições e o ineditismo de tentar aplicar no Brasil uma receita que não estava totalmente testada nem na Inglaterra, representou assumir uma aventura arriscada. 
Essa matéria continua no Site do Instituto Ilumina - http://www.ilumina.org.br/setor-eletrico-brasileiro-erros-em-sequencia/

Autor: Ronaldo Bicalho

10 de março de 2019

O liberalismo sob ataque!

Se proliferam movimentos populistas que defendem interesses nacionais imediatistas, que solapam as liberdades.
O professor Bolívar Lamounier acaba de publicar na internet interessante e compacto artigo sobre a atual crise do liberalismo: O fim dos tempos liberais?
Seu ponto de partida é o surgimento das propostas liberais como reação ao poder absolutista que prevaleceu até metade do século 18 e deu lugar à imposição de “limites à ação do estado, ao seu tamanho e ao seu poder (...) o respeito aos direitos individuais, à propriedade privada e aos contratos”.
E ele envereda pelos atuais desafios enfrentados pelo pensamento liberal em todo o mundo, especialmente pelas reações antiglobalistas, de repúdio sistemático às instituições criadas a partir dos princípios liberais, tais como desenvolvidas nos últimos dois séculos. Hoje, se proliferam movimentos populistas que defendem interesses nacionais imediatistas, que solapam as liberdades, propugnam maior intervenção do estado na economia e solapam a atual ordem global.
Os principais movimentos pela destruição das bases geopolíticas liberais são cada vez mais visíveis. A vitória eleitoral de Donald Trump e seu slogan (put America first); a campanha do Brexit (take back control); o brado da direita na França (la France pour les français); os apelos dos direitistas da Itália (prima gli italiani); e o separatismo da Catalunha (fem la Republica Catalana) são algumas manifestações de insatisfação que têm em comum a atual incapacidade dos Estados nacionais de cumprir seus compromissos com a criação de empregos, de distribuição de bem-estar e de direitos sociais às classes médias, cada vez mais ressentidas.
O artigo de Lamounier vai por aí. O que talvez pudesse ser sugerido é que as raízes da atual crise do liberalismo podem ser encontradas no seguido questionamento de conceitos ainda mais profundos, que fundamentam o pensamento liberal. 
O Renascimento colocou o homem e os valores humanistas no centro de tudo. Foi um processo que culminou no iluminismo e na Revolução Francesa. A crença de que o ser humano é dotado de livre-arbítrio e, nessas condições, detém o controle da história e do Direito há muito vem sendo deslocada do lugar ocupado até recentemente.
Em meados do século 19, Karl Marx propôs que a ação humana é condicionada pelas relações de produção e pelas forças desencadeadas pela luta de classes. O biólogo inglês Charles Darwin desenvolveu sua teoria da evolução segundo a qual as espécies, entre elas a humana, são fruto de longo processo de mutações e de seleção natural, e não da livre escolha, que desembocou na sobrevivência dos mais aptos. O pai da psicanálise, Sigmund Freud, descobriu que a maioria das decisões humanas é gerada por mecanismos inconscientes e não por opções racionais. O pensador espanhol Ortega y Gasset, nas Meditaciones del Quijote, fez uma descoberta de grande clareza: “Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”. Ou seja, a circunstância é parte importante do processo que conduz o indivíduo.
Ou seja, embora a escravidão sobreviva em bolsões isolados, o DNA e demais fatores genéticos, a educação, a publicidade, a imposição da sociedade, o controle exercido pelo grande irmão e o jogo de poder – geopolítico nacional ou até mesmo familiar – impõem restrições ao exercício do livre-arbítrio, que se pretendia determinante.
A liberdade é questão de tamanho da gaiola. Essa conclusão pode estar mais perto da verdade do que repetidas afirmações de que o homem é fruto de suas escolhas feitas em total liberdade de consciência, que dotam o indivíduo de fonte natural de autoridade, fundamentos que justificam o movimento liberal.
O que vem aí no lugar da ideologia neoliberal hoje em crise aponta Lamounier, é questão em aberto. Mesmo se o Brexit vier a ser revertido, é mais provável que se mantenham e até se fortaleçam as condições que puseram em marcha esses movimentos populistas. Ou seja, a atual ordem geopolítica global continuará sob fortes pressões. O desafio maior das instituições liberais será o de se reequacionar diante das enormes transformações demográficas e tecnológicas que já estão aí ou ainda a caminho.
Puxando agora para nosso sofrido Brasil, está claro que o confuso governo Bolsonaro enfrenta sério conflito de definições. A política econômica está sendo conduzida por um grupo de economistas que professam declaradamente a cartilha liberal. Mas o próprio presidente, o chanceler, o ministro da Educação, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o ministro do Meio Ambiente pregam ideais moralistas e o acirramento do controle do Estado nacional sobre o que chamam de vícios do globalismo. Nesse sentido se identificam mais com as tais forças nacional-populistas do que com os ideais liberalizantes.
Quanto isso pode subsistir nesse estado caótico é o que ainda se verá.

Autor: Jornalista Celso Ming – O Estado de São Paulo!

9 de março de 2019

Cem anos de atraso e andando para trás!

A dificuldade não está nas novas ideias,
mas sim em escapar as antigas.
John Maynard Keynes

O Brasil sempre teve dificuldade em ter no seu comando lideres visionários, estadistas que enxerguem além do Lago Paranoá no Distrito Federal, ou que ainda, sejam determinados a promover a igualdade com liberdade, desenvolvimento e muito investimento em Educação.
Se voltarmos no tempo perceberemos que nossa frágil democracia sempre prescindiu de um líder com estofo moral para deixar de lado apoios partidários, convenções imorais de segmentos sectários em favor do povo brasileiro. Alguns avanços tímidos em uma ou outra gestão e nada mais que possamos comemorar desde que a proclamação da nossa República em 1889.
Sem contar que neste período de cento e trinta anos, perdemos muito com ditaduras, intervenções militares, golpes e gestões medíocres que atrasaram sobremaneira o país.
Hoje, em pleno decorrer do século XXI, no Brasil nossos governantes estão preocupados com identidade de gênero, ideologia, filmar alunos cantando o hino nacional ou bizarrices como golden shower. Enquanto os países desenvolvidos estão com o foco voltado para discutir e ensinar seus jovens sobre inteligência artificial, machine learning, big data.
Nosso atraso não está ligado à gestão deste ou daquele partido como querem nos fazer engolir o atual governo, nosso atraso político, econômico e educacional está ligado a nossa classe política e dominante desde o descobrimento em 1500. A troca dos espelhinhos feita pelos portugueses com nossos índios era um sinal claro de que nossa pátria seria moldada em propinas, corrupção e atraso cultural e cientifico por séculos.
Há muito tempo precisamos de governantes que promovam a discussão de uma revolução no nosso sistema educacional, diante de uma população que tem quase 70% de analfabetos funcionais e precisa dar um basta nesta situação de calamidade. Nossa juventude não pode acreditar que sem estudo e dedicação máxima conseguirá alcançar algo além de salários mínimos em funções operacionais.
O país precisa ditar as estratégias para o futuro da educação, planejando suas necessidades de acordo com a direção assumida pelo governo. A tecnologia não vai cair do céu, será preciso muito investimento em nossa Educação, nosso parque industrial, gerando com isso um crescimento sustentável calcado em educação eficiente, profissionais altamente capacitados dentro de um ambiente de evolução tecnológica.
Nos EUA jovens estão estudando Business, Management e Tecnologia em suas universidades de ponta. Aqui nossos jovens cursam humanas, sem noção alguma da importância daquele curso para seu futuro numa Uniskina qualquer. Os cursos superiores foram amplamente criados sem critérios de qualidade e completamente fora de um planejamento estratégico do governo.
Precisamos de cursos que gerem valor agregado a nossa economia, cursos devidamente aprovados pelo MEC, com critérios mais rígidos. Assim, em alguns anos poderemos deixar de fabricar tantos profissionais de Direito, Psicologia, Administração, Marketing, Sociologia que são subempregados em funções aquém daquilo que estudaram.
A China, Finlândia, EUA, Alemanha, Noruega, e tantas outras nações estão muito adiantadas em relação a nossa sociedade, em boa parte por culpa de nossos medíocres gestores, que na verdade são políticos de quinta categoria travestidos de gestores públicos a serviço de empreiteiros, banqueiros e demais empresários interessados apenas sem seu lucro e crescimento pessoal.
É preciso urgentemente uma revolução na educação brasileira, uma reciclagem completa do conteúdo programático e da capacitação dos nossos professores. Precisamos atualizar o ensino e modernizá-lo se quisermos deixar de ser uma nação de postadores de idiotices em Facebook para entrarmos no mundo competitivo que está a nossa frente cerca de cem anos. 

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Gestor Público.

7 de março de 2019

Além do portão da informação!

O Produto Interno Bruto – PIB...mede tudo...
 exceto aquilo que faz a vida valer a pena.
Robert F. Kennedy

O mundo ocidental, chamado primeiro mundo, gasta algo em torno de U$ 135 bilhões de dólares por ano, U$ 11,2 bilhões de dólares por mês ou U$ 4.274 dólares por segundo em ajuda para o desenvolvimento de países pobres segundo dados da OCDE. Nos últimos 50 anos, isso gerou um investimento de aproximadamente cinco trilhões de dólares.
Parece muito, mas na verdade apenas a titulo comparativo as guerras do Iraque e Afeganistão custaram praticamente à mesma coisa. Sem contar que os países desenvolvidos gastam duas vezes mais por ano em subsídios à agricultura doméstica do que em ajuda externa.
Percebemos que recursos financeiros existem em boa parte do mundo, portanto, falta vontade política e combate a corrupção que promove o desvio de uma parcela considerável destes recursos.
No Brasil, o vilão para explicar a pobreza, a falta de saneamento básico, desemprego, fome ou qualquer mazela que afete uma parte da população não é a escassez de recursos financeiros. Temos recursos, falta chegarem ao destino final e serem empregados em projetos que se baseiem em planejamento e execução do começo ao final.
Às vezes os recursos ou parte deles são desviados de sua finalidade inicial, em outras situações, é mau empregado e deixa de resolver os problemas para os quais foram destinados. Na maioria das vezes o dinheiro desaparece na indústria da corrupção que está entranhada na máquina burocrática do Estado brasileiro. Motivo pelo qual temos milhares de obras inacabadas espalhadas pelo país, equipamentos comprados a peso de ouro encostados enquanto apodrecem.
Não importa os motivos alegados pelo poder público, bilhões de reais são desperdiçados à revelia das leis e da Justiça brasileira, que além de ser morosa, privilegia que os corruptos fiquem impunes através de seus inúmeros atalhos legais, criados pelos políticos para justamente dificultar o cumprimento das leis.
Enquanto a sociedade brasileira não deixar de ser coadjuvante e exercer seu papel de ator principal neste elenco que envolve poucos personagens, onde o cidadão comum é roubado diariamente sem nada fazer para mudar este estado de coisas, pouco poderá ser alterado no país.
É preciso que o povo brasileiro acorde, exerça seus direitos, reclame, cobre, fiscalize o cumprimento das promessas de campanha e do exercício dos mandatos dos eleitos no legislativo e no executivo. Uma eleição não termina no ato de votar, mas sim, no acompanhamento dos mandatos por todos.

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Gestor Público.

Democracia - Algumas pessoas ainda não entenderam!

Quanto mais corrupção, mais injustiça.
Quanto mais injustiça, mais impunidade.
Quanto mais impunidade, mais violência.
Quanto mais violência, menos felicidade.
Renée Venâncio

As eleições presidenciais terminaram em outubro de 2018, a posse do candidato eleito aconteceu em janeiro de 2019. Parece algo simples de entender, mas boa parte do eleitorado ainda não entendeu que estamos com sessenta dias decorridos da posse do candidato eleito. Sendo assim, não existe mais campanha eleitoral, discussão sobre quem é melhor ou comparações sobre gestões anteriores.
É fato, o presidente tem obrigação de governar para o país, não apenas para quem votou em sua chapa (38% dos eleitores). O presidente tem compromisso com todo conjunto da sociedade brasileira e não somente para com as pessoas identificadas com sua ideologia.
Assim também, podemos entender que a sociedade brasileira tem a obrigação de fiscalizar os atos do governo, cobrar dele e dos seus ministros aquilo que foi prometido e que está em seu programa de governo:
O presidente, seus ministros e todos os governadores eleitos além dos deputados e senadores são empregados do povo, pagos com nossos recursos oriundos de impostos que recolhemos direta e indiretamente ao longo do ano, portanto, temos o direito de criticar, cobrar, exigir independentemente de nossa opção de voto.
O brasileiro pensa de forma errônea que protestar e ser cidadão atuante é postar criticas a governos passados ou a políticos que estão fora do poder há anos no Facebook. Não estão contribuindo com nada para a democracia.
No regime democrático ocorre, ou ao menos deveria ocorrer exatamente o contrário do que se apresenta no regime autocrático, pois o governante não é titular do poder político, não atua por conta própria, mas como mero representante ou mandatário do titular do poder político, que é o povo.
        Assim, quando o governante democrático atua, o faz de modo impessoal, em nome do povo, sempre com a inadiável e necessária finalidade de assegurar a vontade, os interesses e o bem comum do titular do poder político: o povo. Diz-se, por isso, que a democracia é o governo do povo, tal como sugere a etimologia grega da palavra: demos (povo) + Kratos (governo).
        No Brasil, conforme pode ser extraído do art. 1º da Constituição Federal, o titular do poder político é o povo, razão pela qual o regime político é o democrático. Logo, formalmente falando, quem exerce o poder político no Brasil não é o governante, é o povo brasileiro, titular do poder. O governante é mero instrumento de realização prática do exercício do poder político.
      Todavia, se do ponto de vista formal a democracia existe para que o povo exerça o poder político que titulariza e governe a si mesmo por intermédio de representantes eleitos, do ponto de vista material, prático, fático, de nada adiantará a Constituição assegurar essa prerrogativa se o povo espontaneamente se afastar da vida política, não participar das decisões do governo, não se informar acerca de suas próprias necessidades e das providências adotadas para supri-las. Em outras palavras: não existe democracia de ausentes.
A democracia só se realiza na prática cotidiana da participação política, não na teoria, não na letra fria do texto constitucional. É necessário, portanto, que o povo assuma suas responsabilidades de participação, com o intuito de exercer o poder político que titulariza para construir e manter o bem comum a que tem direito, sob pena de viver em uma democracia apenas do ponto de vista formal, mas em uma autocracia se for considerado o nível de participação popular nas decisões políticas adotadas pelo governo. 

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Gestor Público.
Fonte bibliográfica: Programa Àgora!

6 de março de 2019

Bolsonaro e os pobres!

O discurso altamente ideologizado do presidente tem feito com que categorias como professores, ambientalistas, sindicalistas, ativistas e artistas sejam automaticamente associados ao PT e estigmatizados por aliados e por ele próprio.
A parcela da esquerda que não está presa à armadilha autoimposta de passar os dias bradando “Lula Livre” nas redes sociais e defendendo a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela vai, aos poucos, detectando um flanco para enfrentar o governo de Jair Bolsonaro: a falta de projetos voltados aos mais pobres. O caminho, diga-se, foi mostrado pelo próprio presidente e seu entorno. 
O discurso altamente ideologizado de Bolsonaro tem feito com que categorias como professores, ambientalistas, sindicalistas, ativistas de organizações não governamentais e artistas sejam automaticamente associados ao PT e estigmatizados – quando não xingados de larápios de dinheiro público, canalhas e outros adjetivos – por aliados do presidente, ministros e quando não pelo próprio. O exemplo mais recente foi o entrevero entre Bolsonaro e artistas no carnaval. Na visita de Juan Guaidó a Brasília, Bolsonaro brincou que a esquerda gosta tanto de pobres que acaba por “multiplicá-los”. Mas o que o governo propõe para reduzir a pobreza?
Por ora não se sabe. A agenda liberal do governo tem levado a mudanças como as referentes ao Benefício de Prestação Continuada e à aposentadoria rural na reforma da Previdência, à redução de repasses para as faixas mais populares do Minha Casa Minha Vida e à suspensão da reforma agrária. 
Já há setores do governo preocupados com essa balança social desequilibrada. O próprio presidente deu mostras de que pode não bancar a proposta de “focalização” do BPC defendida pela equipe econômica, justamente pelo peso do programa junto aos mais pobres, principalmente nos Estados do Nordeste.
Na campanha eleitoral, Bolsonaro tinha feito uma inflexão em seu discurso histórico contra o Bolsa Família (sempre associado por ele à compra de votos pelo PT) ao dizer que iria manter e ampliar o programa, instituindo inclusive um 13.º para os beneficiários. Parecia entender que, para ampliar sua base social, precisaria falar aos mais necessitados da pirâmide social. Os primeiros meses não trouxeram um conjunto de iniciativas voltadas a esse público, e a oposição, que mostrou na eleição que não tem um projeto que fale ao conjunto da sociedade, percebe a lacuna e começa a se reorganizar para atuar nela.
Fora do radar. Pobres apareceram em discurso, não em projetos. Foto: Dida Sampaio - ESTADÃO
CINZAS - Articulação da reforma em marcha lenta pós-carnaval
A equipe da Secretaria Especial da Previdência só retoma na quinta-feira a mobilização em prol da reforma. Deputados só retornam em massa a Brasília a partir da semana que vem, e os dias pós-folia serão usados para coordenar o discurso. A pausa carnavalesca foi comemorada por articuladores do governo, que avaliam que será benéfica para mitigar o efeito das declarações de Bolsonaro na semana passada, quando admitiu graciosamente negociar aspectos do texto.
“Vamos voltar com a defesa do texto que foi enviado”, me disse ontem um dos negociadores da reforma. As atenções estarão voltadas para a composição da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão Especial que analisará o mérito da proposta. O nome do jovem Fernando Franceschini (PSL-PR) para presidir a CCJ foi recebido com ceticismo na área técnica do governo, que prefere a deputada Bia Kicis (PSL-DF), considerada mais firme e mais madura para uma comandar a principal comissão da Câmara.

Autora: Vera Magalhães, O Estado de São Paulo.

A farsa do Guru!

“A preocupação com a administração da vida
parece distanciar o ser humano da reflexão moral”.
Zygmunt Bauman

Antes e durante as eleições um nome ganhou fama entre os adeptos do candidato Bolsonaro, o filósofo autodidata Olavo Luiz Pimentel de Carvalho representante da extrema direita e do conservadorismo no país, reconhecido por seu discurso de ódio.
Na juventude esse mesmo conservador foi militante comunista, tendo sido filiado ao Partido Comunista Brasileiro - PCB entre 1966 a 1968. Hoje é anticomunista e articulador do novo governo, tendo indicado dois ministros ao presidente Bolsonaro – Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e o Ministro da Educação – o colombiano Ricardo Velez.
Olavo defende os princípios metafísicos das antigas civilizações e combate a perda do sentido simbólico do universo. Sua visão da cultura articula-se com a teoria da história. Ele não avalia o mundo contemporâneo como uma realização do progresso, mas como um ocaso, expressão de uma crise da civilização que, segundo sua linha de pensamento, seria o adentrar na barbárie. Isso seria o resultado de um processo de fortalecimento da consciência coletiva, iniciado no Renascimento que atinge seu ápice na Revolução Francesa com a prevalência da “opinião pública”.  
A tônica de sua obra é a "defesa da interioridade humana contra a tirania da autoridade coletiva, sobretudo quando escorada numa ideologia "científica". Segundo Olavo, "somente a consciência individual do agente dá testemunho dos atos sem testemunha, e não há ato mais desprovido de testemunha externa do que o ato de conhecer".
Agora, estranho mesmo é o fato de que sessenta dias após a posse do novo governo brasileiro, surge na mídia e nas redes sociais um pedido de “vaquinha” ou ajuda financeira para cobrir despesas médicas do Guru Olavo de Carvalho nos EUA.
O pedido se parece muito com o que foi usado na campanha eleitoral denominado de Fake News, ou seja, mentira. Tudo que envolve o pedido está confuso, cercado de nuances que nos levam a pensar até em fraude.
O pedido de ajuda é o seguinte: “Acossados por uma rede internacional de caluniadores e difamadores, recebemos ainda uma cobrança monstruosa de despesas médicas e impostos, e vamos precisas DESESPERADAMENTE da ajuda dos nossos amigos. Aqui estão os canais bancários pelos quais vocês podem contribuir. Nada poderemos oferecer em retribuição exceto exemplares autografados dos meus livros e a nossa profunda gratidão. Deus abençoe a todos. Conta no Brasil – Banco Itaú – Agência: 4080 – C/c: 02968-1 – CPF: 043.909.388/00 – Conta nos EUA: Roxane de Carvalho – SunTrust Bank – Swfit Code SNTRUS3A – Routing number 051000020 – Account number: 1000209729358 ou ainda Paypal > odecarvalho@gmail.com
Tudo que cerca este pedido de SOS está muito estranho e controverso, começando pelo fato da citação “Acossados por uma rede internacional de caluniadores e difamadores, recebemos ainda uma cobrança monstruosa de despesas médicas e impostos”. Quem são esses caluniadores e difamadores? O que eles tem a ver com despesas médicas? Qual o motivo da internação e quais os procedimentos realizados?
Sem contar que recentemente o motorista do filho do presidente Senador Flávio Bolsonaro se internou no Hospital Albert Einstein, reconhecidamente um dos mais caros do país. Se um motorista teve condições, como o Guru do presidente não conseguiu?
Outro fato citado são os tais impostos atrasados que deveriam ter sido pagos, de forma que não seriam cobrados pelo governo americano. Se o autor sonegou impostos tem de pagar ou será pego pelas leis rigorosas dos EUA.
O pedido não esclarece a doença, o hospital, o motivo da cobrança dos impostos, nem os valores devidos ao hospital e ao governo americano. Como pode o homem que criticou Einstein, Giordano Bruno, Stephen Hawking, jornais brasileiros e a tanta gente, não saber que era preciso ter recursos antes de se internar num hospital americano. Se vive nos EUA como não possuí Green Card? E por último, como não saber que vivendo nos EUA tem de recolher impostos?
Ele vive nos EUA há muitos anos, mesmo assim não tem uma conta bancária em seu próprio nome naquele país? Motivo pelo qual apresentou a conta da sua esposa no pedido de ajuda.
Sinceramente, torço para que o pedido de ajuda chegue aos ouvidos do Assessor do Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e este, possa ajudar o guru da extrema direita neste momento constrangedor pelo qual está passando. Se é que isso é mesmo verdade e não fake news...

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger e Gestor Público.

5 de março de 2019

A tragédia da Ucrânia!

Anne Applebaum relata a fome premeditada por Stalin para subjugar a população da Ucrânia, frear qualquer tentativa de nacionalismo e liquidar as organizações que resistiam a integrá-la à URSS.
            FERNANDO VICENTE
Em 1928, Stalin fez uma viagem pela Sibéria que durou três semanas. Tinha derrotado seus adversários dentro do Partido Comunista e já era o amo supremo da União Soviética. Os cereais começavam a escassear no imenso território e, depois do que viu e ouviu naquela viagem, Stalin tirou as conclusões ideológicas pertinentes. Segundo a doutrina marxista, a culpa era dos camponeses retrógrados, que, graças à expropriação dos latifúndios e à liquidação dos kulaks, tinham se tornado pequenos proprietários de terra e contraído as taras características da burguesia. A solução? Obrigá-los a ceder suas granjas e a se incorporar às fazendas coletivas que os tornariam proletários, a força poderosa e renovadora que substituiria sua mentalidade burguesa pelo fervor solidário dos bolcheviques.
Essa é a origem, segundo Anne Applebaum, em seu extraordinário livro Red Famine: Stalin’s War on Ukraine (fome vermelha: a guerra de Stalin contra a Ucrânia), do colapso da agricultura em todos os domínios da URSS, mas que golpearia principalmente, com ferocidade inigualável, a Ucrânia, causando, nos anos de 1932 e 1933, vários milhões de mortes e cenas arrepiantes de suicídios, assassinatos de crianças, saques e canibalismo.
A pesquisa realizada pela autora revela ao mundo, em sua dimensão apocalíptica, um acontecimento que, pelo menos em suas características reais, tinha sido ocultado pela censura stalinista, apesar dos esforços isolados de alguns historiadores como Robert Conquest, em The Harvest of Sorrow (a colheita do sofrimento), para divulgá-lo. Mas só agora, com a independência da Ucrânia, os documentos e testemunhos relativos àquele holocausto podem ser consultados e Anne Applebaum, que domina plenamente o russo e o ucraniano, tem feito isso com meticulosidade e objetividade escrupulosa.
Segundo ela, a fome foi premeditada por Stalin e seu séquito de cúmplices – Molotov, Kaganovich, Voroshilov, Postishev, Kosior e alguns outros − para subjugar a Ucrânia, frear qualquer tentativa de nacionalismo em seu seio e liquidar as organizações que resistiam a integrá-la à URSS sob o açoite de Moscou. Ela cita como prova o fato de que, naqueles mesmos anos, o Politburo soviético reduziu drasticamente a publicação de livros e jornais em ucraniano, assim como o ensino dessa língua nas escolas e universidades, e impôs o russo como idioma oficial do país.
Seja como for, em 1929 é iniciada a dissolução das pequenas propriedades agrícolas a fim de incorporá-las às fazendas coletivas. Os camponeses, que tinham visto com simpatia a revolução, resistem a entregar suas terras e seu gado, e a se associar às enormes empresas coletivas que, dirigidas por burocratas do partido, costumam ser pouco eficientes. As instruções de Stalin são rigorosas: aquela resistência só pode vir dos inimigos de classe que querem acabar com o socialismo, e deve ser esmagada sem piedade pelos revolucionários.
As brigadas comunistas percorrem os campos confiscando propriedades, gado, ferramentas agrícolas e sementes, e mandando para a prisão quem não colabora. Um dos chefes do Gulag, na Sibéria, envia um telegrama a Moscou pedindo que não lhe enviem mais detidos porque já não tem como alimentá-los. Ao mesmo tempo, um prisioneiro escreve para sua família: “Que maravilha! Eles me dão um pãozinho por dia!”.
As colheitas começam a encolher, os roubos e ocultação de alimentos se multiplicam por todo lugar, Stalin insiste que o partido deve ser “implacável” em sua luta contra os sabotadores da revolução, e a fome entra em cena com suas terríveis sequelas: roubos, assassinatos, suicídios, aldeias que desaparecem porque todos os seus habitantes fugiram para as cidades na esperança de encontrar trabalho e alimentos. Os cadáveres já são tão numerosos que ficam estendidos nas ruas e estradas porque não há gente suficiente para enterrá-los.
Os testemunhos reunidos por Anne Applebaum são de arrepiar: há pais que matam seus filhos com as próprias mãos para que não sofram mais e, os mais desesperados para se alimentar com eles. Já comeram todos os cães, cavalos, porcos, gatos e até ratos que conseguiam pegar, e os comunicados que chegam à Ucrânia vindos de Moscou são cada dia mais urgentes: negar a fome e, principalmente, o canibalismo e os suicídios, e punir sem dó os verdadeiros causadores dessa catástrofe: os inimigos de classe, os fascistas, os kulaks, os responsáveis reais pelas calamidades que se abatem sobre a Ucrânia.
Quantos morreram? Cerca de cinco milhões de ucranianos, pelo menos. Mas não há como saber com exatidão, porque as estatísticas eram forjadas pela disciplina partidária que assim exigia ou pelo medo dos burocratas do partido de ser punidos como responsáveis pela fome. O Kremlin impôs, além disso, uma versão oficial dos acontecimentos que era reproduzida não só pela imprensa comunista, mas também pela capitalista, que fazia isso por meio de jornalistas vendidos ou covardes, como o repulsivo Walter Duranty, então correspondente do jornal The New York Times, que, comprado com casas e banquetes por Stalin, dava um jeito, em artigos que pareciam redigidos por um Pôncio Pilatos moderno, de apresentar um quadro de normalidade e desmentir os exageros de certos testemunhos que conseguiam vazar para o exterior sobre o que realmente ocorria na URSS e, principalmente, na Ucrânia. Uma das exceções foi o britânico Gareth Jones, quem conseguiu percorrer a pé o coração da fome durante várias semanas e contar aos leitores ingleses do jornal The Evening Standard os horrores vividos na Ucrânia.
Ler um livro como o de Anne Applebaum não é um prazer, e sim um sacrifício. Mas obrigatório, se queremos conhecer os extremos a que podem levar o fanatismo ideológico, a cegueira e a imbecilidade que o acompanham, e a irremediável violência que, mais cedo ou mais tarde, vem como consequência. A fome e as mortes na Ucrânia ajudam a entender melhor o terrorismo jihadista e a bestialidade irracional que consiste em se tornar uma bomba humana e explodir em um supermercado ou uma discoteca, pulverizando dezenas de inocentes. “Ninguém é inocente!” era um dos gritos do terror anarquista segundo Joseph Conrad, que descreveu melhor do que ninguém essa mentalidade em O Agente Secreto.
Se ler o livro de Anne Applebaum provoca calafrios, como terão sido os anos que sua autora levou para escrevê-lo? Posso imaginá-la muito bem, imersa horas e horas em arquivos empoeirados, lendo informes, cartas de suicidas, sermões, e descobrindo de repente que está com o rosto encharcado de lágrimas ou que está tremendo da cabeça aos pés, como uma folha de papel, transubstanciada por aquele apocalipse. Ela deve ter sentido mil e uma vezes a tentação de abandonar essa tarefa terrível. No entanto, continuou até o fim, e agora esse testemunho atroz está ao alcance de todos. Aconteceu há quase um século lá na Ucrânia, mas não nos enganemos: não é coisa do passado, continua ocorrendo, está ao nosso redor. Basta ter a coragem da Anne Applebaum para ver e enfrentar isso.

Autor: Mario Vargas Llosa - Direitos mundiais de imprensa em todas as línguas reservados a Edições EL PAÍS, SL, 2019. © Mario Vargas Llosa, 2019.