Nosso cérebro
foi projetado para a sobrevivência, não para a felicidade.
A vida é mudança, mas a mudança nos
assusta. Às vezes, dá vontade de fazer coro à reflexão
de Mafalda: pare o mundo que eu quero descer. A origem desse
mal-estar está na biologia. Segundo o arqueólogo espanhol Eudald Carbonell,
codiretor das escavações de Atapuerca (Espanha), nosso cérebro é o resultado de
2,5 milhões de anos de evolução.
Levamos muito tempo vivendo em
cavernas e pouco tempo em cidades. Isso significa que temos “codificadas”
respostas automáticas para responder com sucesso às ameaças daquela época. Se
agora vemos um leão solto passeando pela rua, nosso cérebro não perderá tempo
tentando saber de que subespécie ele é; simplesmente nos mandará sair correndo
para sermos mais rápidos – não mais do que o felino, e sim de quem está ao
nosso lado (também temos outra alternativa: a de ficarmos congelados, esperando
que o leão não nos veja).
No entanto, esses circuitos tão
maravilhosos, que nos permitiram chegar até aqui como espécie, não estão
preparados para enfrentar ameaças mais sutis, como a digitalização, as mudanças
de regulação de um setor ou a possibilidade de ficarmos sem emprego. Esses
medos são novos, evolutivamente falando, e por isso nem sempre nos damos bem
com a transformação. Recordemos uma máxima importante: nosso cérebro foi projetado
para a sobrevivência, não para a felicidade. Diante de mudanças, portanto,
temos que encontrar uma forma de navegar por elas, entendê-las como
oportunidades e aprender com as suas possibilidades. E isso não é automático
como sair correndo ante uma ameaça. Exige esforço, treinamento e capacidade de
superar os medos que nos afligem.
A gestão da mudança é hoje mais
difícil do que nunca, mas também mais fácil do que no futuro. Por um motivo
simples: a velocidade. Para se ter uma ideia da magnitude, há 10 anos tínhamos
500 milhões de aparelhos conectados à Internet. Em 2020, estima-se
que serão 50 bilhões; em uma década, um trilhão. Ou seja: estamos só no começo.
Isso sem falar do que virá por meio
da inteligência artificial, da criopreservação de nossos corpos,
dos avanços genéticos e das viagens espaciais. Estamos apenas no
início de um tsunami que transformará a forma como nos relacionamos,
trabalhamos e vivemos. Portanto, vêm aí mais e mais mudanças. A boa notícia é
que nosso cérebro, embora provenha da época das cavernas, tem uma enorme
plasticidade que lhe permitiu chegar até aqui e construir toda uma tecnologia
que está revolucionando o mundo.
Por isso, temos uma margem de manobra.
Vejamos como podemos começar com dicas muito simples.
Primeiro, precisamos de treinos
diários da nossa mente. Assim como existem academias para o corpo, devemos
colocar em forma o músculo do cérebro. Todos os dias – todos – fazer algo
diferente. Ler fontes de informação variadas, ir ao trabalho por outro
caminho, experimentar um sabor exótico... o que for. Mas aceite o desafio de
fazer algo novo diariamente. A aprendizagem é o melhor antídoto contra o medo.
Segundo, precisamos relativizar o que
nos acontece. Um bom método é, paradoxalmente, ler história. Devemos
perceber que, embora vivamos no tsunami da mudança, foram justamente todos
esses avanços que nos permitiram aumentar nossa esperança de vida e não sofrer
por possíveis epidemias ou por guerras mundiais. Na medida em que tivermos
perspectiva, poderemos entender a parte benéfica.
Terceiro, devemos buscar a
“desdigitalização”. Apesar da velocidade que nos rodeia, precisamos encontrar a
conexão com nós mesmos e com o próximo. Se vivermos sempre expostos aos
impactos da Internet, não teremos tempo para integrar a aprendizagem e
encontrar os oásis necessários a certa tranquilidade. Por exemplo, você
pode abrir mão do celular no fim de semana ou deixá-lo no modo avião.
Por último, precisamos confiar.
Afinal, tudo tem solução – melhor ou pior, mas tem. O que nos asfixiava anos
atrás, como a prova do colégio ou um conflito difícil, agora não nos parece tão
terrível. E se fomos capazes de driblar situações difíceis, por que não
poderemos fazer isso com o que temos agora?
Por isso, na medida em que confiarmos,
mantivermos a curiosidade e a aprendizagem, soubermos relativizar e criarmos
espaços de paz, poderemos encontrar recursos para contemplar a mudança de
maneira mais positiva e construtiva.
Autor:
Pilar Jericó – Publicado no Diário El País
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