São cada vez
mais evidentes os sinais de que Bolsonaro, como governante, toma suas decisões
estimulado pela perspectiva do aplauso fácil e imediato.
O “bolsonarismo” é, por enquanto,
apenas uma caricatura mal-ajambrada de movimento populista, desses que de
tempos em tempos assombram o Brasil, mas isso não significa que o País possa
tranquilizar-se. Ao contrário: a esclerose precoce do governo de Jair Bolsonaro
parece ter despertado no presidente o demagogo que ele sempre foi e que se
encontrava apenas anestesiado em razão de conveniências políticas. Caso isso se
confirme, a recuperação do País, repleta de obstáculos, será seriamente
prejudicada, com consequências graves para a solvência do Estado e para a
retomada do desenvolvimento. Nem é preciso enfatizar o perigo que um cenário
desses representa para a estabilidade do País e mesmo para a ordem social.
São cada vez mais evidentes os sinais
de que Bolsonaro, como governante, toma suas decisões não por razões de Estado
ou como parte de alguma estratégia política de longo prazo, e sim estimulado
pela perspectiva do aplauso fácil e imediato, este que brota de suas fanáticas
hostes nas redes sociais – meio de comunicação caótico e irresponsável que
Bolsonaro escolheu para se dirigir à sociedade, a título de estabelecer uma
“relação direta entre o eleitor e seus representantes”, como disse em seu
discurso ao ser diplomado como presidente. Desse modo, Bolsonaro equipara os
atos de governo a tuítes tolos e a “memes” engraçadinhos. Nem é preciso
mencionar os riscos institucionais que essa prática acarreta – basta lembrar a
recente confusão criada pelo presidente e por um de seus filhos no Twitter a
respeito de um dos ministros de Bolsonaro, demitido como consequência do
imbróglio.
Para os propósitos de Bolsonaro, no
entanto, as redes sociais são o meio ideal para confundir a opinião pública,
criando uma realidade paralela na qual a gritante falta de traquejo do presidente
para o exercício de tão importante cargo seja convertida em qualidade de “homem
simples”. Nesse mundo bolsonarista, a falta de um programa claro de governo, em
que haja firme compromisso com o progresso consistente e sadio do País, é
compensada pela espetacularização das decisões do presidente e de seus
ministros. Foi com esse espírito demagógico, por exemplo, que Bolsonaro
anunciou recentemente nas redes sociais uma devassa no Ministério da Educação.
“Daremos início à Lava Jato da Educação!”, exclamou o presidente no Twitter,
para compreensível delírio dos bolsonaristas mais animados, que acham que todos
os problemas do País se resumem à corrupção.
A ninguém, contudo, é dado o direito
de surpreender-se. Em 1999, este jornal publicou uma entrevista com Bolsonaro
na qual o então deputado federal declarou sua admiração por Hugo Chávez, então
recém-eleito presidente da Venezuela, dizendo que “gostaria muito que sua
filosofia chegasse ao Brasil”. Chávez conquistara o poder denunciando a
hegemonia das oligarquias políticas, a degradação dos partidos, a corrupção
desenfreada e a falência das instituições – e sobre essas bases ideológicas
construiu uma ditadura populista tão sólida que sobreviveu a ele.
Não se pretende, com esse paralelo,
sugerir que Bolsonaro possa reencarnar Chávez, mas é importante observar que o
presidente brasileiro se elegeu com um discurso semelhante ao do falecido
caudilho venezuelano e apresenta a mesma preocupante falta de compromisso com
as liberdades democráticas. Seu histórico de defesa da ditadura militar e de
supressão de direitos em nome de uma certa “ordem” fala por si, mas é preciso
acrescentar ainda o fato de que Bolsonaro pretende resumir seu governo a uma
luta do “bem” contra o “mal” – situação que inviabiliza a democracia. Foi assim
que, recentemente – pelo Twitter, é claro –, Bolsonaro avisou que haverá
“dificuldade” para “tentar consertar tudo isso”, pois “o sistema não
desistirá”. Esse “sistema”, presume-se, engloba todos aqueles que discordam de
Bolsonaro.
Assim, contando ainda com formidável
concentração de poder político, econômico e cultural, resultado de uma vitória
eleitoral acachapante e da ausência de uma oposição digna do nome, Bolsonaro e
seu entorno parecem ter decidido acelerar sua marcha populista – receita certa
para o desastre.
Autor: Notas
& Informações, O Estado de São Paulo.
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