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1 de março de 2019

Gente que fala demais!

"O Brasil é o pior país da América do Sul para se criar meninas". Foi a mais recente das muitas declarações polêmicas de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. E ainda deu um conselho a quem tem filhas em casa: "foge do Brasil". Aqueles que têm dinheiro para viver em Miami, provavelmente já se foram. A imensa maioria tem que ficar por aqui mesmo, e torcer para que as autoridades combatam a pedofilia. A ministra prevê, alicerçada em estudos acadêmicos, que "uma em cada três meninas no país, sofrerá algum tipo de abuso até completar 18 anos. "
Motivos para deixar o Brasil não faltam. A comunidade LGBT , na sua totalidade, é vulnerável a crimes de homofobia. Provavelmente todos os homossexuais, lésbicas, bi e transexuais já sofreram algum tipo de violência ou aversão. Ainda no final de semana, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, criticava a frase da mesma Damares que invoca a velha convenção - "meninos vestem azul e meninas vestem rosa".
A ideia conduzida no bojo desta expressão, para o jurista, contraria o direito à liberdade sexual resguardada pela Constituição. Em seu voto, cobra também do Congresso Nacional a aprovação de projetos que por lá tramitam, tipificando o crime de homofobia. O relatório do ministro Celso de Mello, discute a criminalização de atos praticados por conta de orientação sexual. A sua leitura tomou uma sessão inteira, por cerca de quatro horas. A outra metade do seu voto ficou para a próxima quarta-feira.
Veja que o Brasil tem problemas de toda ordem. Um deles pode ser chamado de ativismo judicial. Dependendo da boa vontade dos ministros, o tribunal levará, pelo menos, três sessões plenárias para discutir duas ações sobre o mesmo assunto. Hoje, há 32 mil processos à espera de sentença na Suprema Corte. Quase três mil tramitam há dez, quinze anos. Uma das hipóteses para tanto falatório seria a presença de câmeras de televisão transmitindo para todo o país, em tempo real.
Em suma: a vaidade de esbanjar erudição elastece as justificativas de voto tornando-as verborrágicas. Estudos com métodos econométricos de Felipe de Mendonça Lopes, demonstram que, antes da tevê, os votos tinham 37 páginas, em média. Depois que passaram a transmitir as sessões, a papelada passa das 85 laudas. Há decisões famosas, como a do caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, que ultrapassaram 500 páginas. Esse negócio de transmissão das sessões dos tribunais, pela tevê, é coisa criada aqui.
Nos Estados Unidos, sequer os fotógrafos entram com suas câmeras nas galerias. Lá, um único juiz escreve a decisão vencedora e os demais a subscrevem. Os que discordam assinam também uma única decisão discordando. Aqui, na cabeça dos ministros, a qualidade dos votos é medida pelo tamanho do calhamaço. A formatação e as pesquisas doutrinárias e teóricas, são produzidas com a ajuda de muitos juízes, requisitados para trabalharem junto aos gabinetes dos ministros.
Ainda bem que os ministros do STF se mostram recatados no uso das redes sociais. Diferente dos políticos. Um tuite do filho do presidente Jair Bolsonaro derrubou o ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria Geral da Presidência. Acontece num momento em que se busca consolidar as bases do governo, para aprovação da reforma previdenciária. Bebianno foi presidente do PSL, partido seu e de Bolsonaro. Suspeita-se que tenha criado uma candidata laranja, em Pernambuco, para ficar com R$ 400 mil do Fundo Partidário.
Apuradas as urnas, a candidata teve apenas 274 votos. Cada voto custou 46 mil reais. Na reeleição de Dilma aconteceu a mesma coisa. Os modelos de roubalheira eleitoral se repetem, agora com fundos públicos. Para o PSL, partido que amealhou votos em cima de um discurso anticorrupção, o potencial de confusão é enorme.
As velhas raposas da política preferiam que Bebianno fosse fritado em fogo baixo. O vereador Carlos Bolsonaro, o zero2 no jargão de caserna da família, foi afoito. Chamou o ministro de "mentiroso". Os militares que se encontram no primeiro escalão do governo, estão preocupados com a possibilidade de os rumos do Palácio serem ditados pelos filhos do presidente. O vice Hamilton Mourão foi claro: "Que os pais segurem seus filhos e ponham ordem na casa".
Autor: Jornalista Zarcilio Barbosa – Publicado no JC – Bauru - SP

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