Tenho dedicado os últimos vinte e quatro
meses ao estudo do fenômeno das fake news a fim de entendê-lo melhor. Meu foco
tem sido decifrar quais são seus mecanismos e, especialmente, como combatê-las.
Neste texto, focalizo os três pontos mais importantes do meu diagnóstico e três
recomendações de ação.
Minha dedicação a esta pesquisa se deve
à minha crença de que as fake news interditam o debate democrático, pois
sequestram e maquiam os temas e prioridades conforme os interesses de quem elas
servem. No longo prazo, mantidas as condições atuais, é até possível que a
racionalidade prevaleça. A questão é que ao não fazermos nada hoje, o longo
prazo pode não ser mais o que seria porque as condições do debate e as
decisões, vão se deteriorar.
O primeiro aprendizado é que a lógica
das redes sociais, com a sua capacidade de disseminação de informação e os seus
algoritmos, torna o fenômeno de fake news um problema de uma escala nunca
experimentada antes por nós. O argumento de que sempre existiriam notícias
falsas, como forma de minimizar essa realidade, não é racional justamente
devido aos recursos da tecnologia moderna.
Analogamente, sempre existiram empresas
de venda por catálogo e nenhuma delas jamais se aproximou de uma ínfima parte
do valor de mercado, importância e dominância da Amazon. Por quê? Porque a
tecnologia de inteligência de dados tornou o negócio da Amazon exponencialmente
mais poderoso. Temos o mesmo fenômeno com as fake news. Não dá para comparar o
catálogo da Sears há cinquenta anos com a Amazon, nem as fake news de jornalecos
impressos de outrora com a máquina digital de hoje. Quem defende a
transformação que a tecnologia trouxe para a eficiência e escala dos negócios
tem que reconhecer que ela também fez o mesmo para as fake news.
O segundo ponto é que não devemos debater
se as publicações são fake ou não uma a uma, faz mais sentido observar o
veículo que as publicaram. O que quero dizer com isso? Veículos que não têm um
processo de checagem de informações, não são formalmente constituídos, não
produzem material assinado por repórteres, para ficar em alguns exemplos, não
poderiam distribuir material como se fossem empresas jornalistas.
Qual a importância dessa regra de
classificação? Separar o que são os esquemas criados para gerar fake news de
erros ou mesmo material mal feito de veículos legítimos. A Globo obviamente
erra em várias matérias, mas não produz fake news, as quais não são meros
erros, mas são produzidas por alguém que sabe que a informação é falsa, sem
checar, sem assinar com um nome verdadeiro, e sem nem corrigir quando apontado
o erro.
Pensemos na indústria farmacêutica: em
várias ocasiões laboratórios regulamentados já produziram remédios que tiveram
efeitos colaterais graves e não previstos, mas não fizeram isso de “propósito”
nem pelo modelo de negócio, até porque os efeitos desses erros são ruins para
eles financeiramente. Entretanto, há vários casos de laboratórios clandestinos
que produzem todo tipo de fórmula maluca, sem nenhuma preocupação com efeitos
colaterais, pois o modelo de negócios deles é exatamente vender ilusões sem
preocupação com reputação nem regulamentação.
Por fim, e não menos importante, a
constatação de que as plataformas lucram imensamente direta e indiretamente com
a indústria de fake news, com a geração de tráfego dessas notícias e com os
milhões de robôs do ecossistema de manipulação.
Esses aspectos, que considero os mais
importantes, me levaram à seguinte conclusão fundamental: é inútil o debate de
como “aprender” usar as redes sociais em “favor” do debate construtivo, são
inúteis também as constatações, óbvias por sinal, de que as forças democráticas
não aprenderam a usar esses mecanismos e que o debate tem de chamar atenção
para os “temas que interessam a população”. Salvo um cenário de extrema
depressão e perda de renda, como a que parecia que iríamos entrar antes do
auxílio emergencial e onde a atenção para coisas práticas pode aumentar muito
como de fato deu sinais, isso é inútil no formato de funcionamento das redes
sociais hoje.
Não vai existir nenhum tema que ganhe a
mesma atenção no debate que esses temas fabricados e manipulados por milícias
digitais, pois estes últimos jogam com os impulsos reptilianos do cérebro, sem
nenhuma preocupação com consequências ou responsabilidade. E também nenhuma
força democrática consegue jogar esse jogo de forma legítima, isso equivale a
ficar discursando que nenhuma força conseguiu apreender e usar as táticas do
PCC para vencê-los. Não é por falta de conhecimento dos métodos deles que as
forças policiais não os “vencem”, nem por falta de recursos, é pelas limitações
legais que elas precisam ter, claramente, porque elas são cobradas para jogarem
dentro dos limites institucionais.
Em menos de seis meses a polícia poderia
“tomar” o lugar ou “vencer” o PCC, pois tem mais de um milhão de homens armados
e treinados pelo Brasil, milhares de veículos e até dezenas de helicópteros. Se
eles pudessem sair decapitando gente em praça pública sem limites, com ordens
para matar todos os membros, filiados e suas famílias, queimar casas, tocar
fogo em alas de presídios onde estão líderes, eu garanto que em seis meses a
polícia seria o novo PCC. É isso que propõe os que dizem que os democratas
precisam “aprender os mecanismos das redes”. Temos que pensar em outra forma de
combate.
Feita essa análise dos mecanismos e da
impossibilidade de combater nas mesmas regras do jogo atual, listo três
sugestões de caminhos que precisam de mudança na legislação, por isso defendo
que a luta deve ser feita dessa maneira, e não está em “apreender” o impossível
de se fazer dentro dos limites institucionais. São essas as minhas sugestões:
Primeiro, é preciso que as plataformas
tenham algum tipo de responsabilidade. As mais óbvias: robôs e perfis
identificados como não pertencentes a pessoas e/ou empresas reais devem ser
bloqueados. Para que uma empresa, instituição ou entidades públicas usem robôs,
por exemplo, de atendimento ao público, elas devem se cadastrar em alguma base
e informar o que o robô fará e quem é a entidade responsável. Robôs não
cadastrados deveriam ser bloqueados.
A segunda sugestão é que notícias
deveriam ter uma identificação visual fácil diferente, vamos imaginar aqui de
“cor azul” só para argumentação. Por notícias refiro-me àquelas publicadas por
órgãos que seguem os critérios discutidos no segundo item do diagnóstico. E
apenas essas empresas poderiam ser direcionadas como empresas de imprensa para
os anunciantes. Quem não tivesse essa certificação, não teria os seus “posts
azuis” e não poderia entrar em lista de veículos de comunicação para receber
tráfego de anúncios pagos, quem quiser anunciar assim mesmo teria que assumir
que está anunciando em alguma coisa que não é considerado veículo de imprensa.
Assim como os algoritmos precisam
identificar e rebaixar a prioridade de distribuição de material dessas
entidades. E o ponto crucial: quem daria essa “certificação” para as empresas?
Não pode ser a plataforma nem governos. Uma alternativa seria um comitê formado
pelas associações de imprensa, academia e associação de advogados de cada país.
Essa é apenas uma ideia do conceito. A base dele é que sem esse selo não vai
ter nem post “azul” nem receber receita de tráfego de anúncios como veículo de
comunicação. Usando novamente o exemplo da indústria farmacêutica, eles
precisam de “selos” para vender os remédios.
O descumprimento de qualquer uma dessas
obrigações legais gerariam multas e responsabilização jurídica para as pessoas,
plataformas e empresas envolvidas. Se ficarmos paralisados na posição
irredutível do virtuosismo da internet totalmente desregulada, corremos o risco
dos que querem não apenas regular, mas controlar a internet e todo o processo
do debate público, terem força para tal.
E, por fim, é fundamental que as
plataformas abram os seus algoritmos de geração de tráfego para a validação da
academia, algum consórcio de universidades mundiais reconhecidas, para garantir
que eles não estão estimulando os discursos de ódio e as posições de
extremismos. Assim como garantir que os perfis mapeados, que disseminam as
notícias de veículos não certificados, sejam penalizados e não premiados pelos
algoritmos. Também não tem nada de extraordinário nisso, os laboratórios
farmacêuticos abrem as suas fórmulas de bilhões para terem as patentes e testes
liberados. No longo prazo esse processo protege as próprias plataformas de não
serem capturadas pelas próprias forças que hoje estão a estimular.
Na minha análise esses são os três
pontos fundamentais, que requerem esforços de legislação nacional e algum
acordo em órgãos multilaterais mundiais. É certo que algumas pessoas vão ver
vários pontos negativos neles, e é fato que algumas injustiças serão cometidas
nesse credenciamento, mas a minha lógica é a de evitar ao máximo o falso
“negativo” positivo passar no exame médico, ou seja, melhor ter um erro e
barrar algumas empresas de comunicação legítimas, e permitir recursos e
ajustes, do que deixar milhares ilegítimas sem serem barradas e as fake news
nos devorarem. Devoram inclusive os oportunistas que não sabem o tamanho da
força com que estão lidando e resolvem servir os que a dominam.
Construir esse novo paradigma de regras
passa do Poder Executivo e Congresso Americano, pois são as únicas forças hoje
com poder de fogo para negociar com as plataformas e formar uma coalizão
mundial. De onde concluímos que a esperança de alguma movimentação nesse
sentido, nos próximos anos, está condicionada ao resultado da eleição americana
de novembro. Essa sem hipérboles a mais importante da minha geração.
Autor:
Paulo Dalla Nora Macedo é empreendedor, Vice-presidente do Instituto Política
Viva e Cofundador da Associação Poder do Voto.
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