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1 de junho de 2025

Fusca azul!

Na correria de juntar os documentos de meu falecido pai, esquecidos em antigas caixas de camisa feitas de papel, apareceu uma tirinha verde e amarelada, lembrando o título de eleitor de antigamente. Não era. Era o documento de propriedade do fusca vermelho que ele teve décadas atrás. Certificado de registro e licenciamento de veículo é o nome correto e não havia versão digital como hoje. Aliás, sem o celular em mãos, não é mais possível se identificar ou comprovar quem somos e por onde vamos. Já somos um código binário impresso em nossos telefones. Conheci bem aquele carrinho, pois foi nele que aprendi a dirigir pouco depois de fazer 18 anos. Não tive muito interesse em seguir adiante com a habilidade e somente perto dos 30 anos é que usei o aprendizado para tirar a carteira de motorista (ou carta, como dizem muitos motoristas aqui em Campinas, mesmo não trabalhando nos correios e não remetendo o documento a ninguém). Ainda acreditava que a bicicleta era o melhor transporte para curtas distâncias, o que foi verdade até os joelhos protestarem.

No estacionamento do supermercado, um fusquinha preto, totalmente descaracterizado, faltando parte do para-choques dianteiro, com 'teto solar' e rodas rebaixadas, pouco lembrou aqueles objetos de colecionador que ainda circulam por aí. Lamentei. Entre as crianças, ver um fusca continua a ser uma brincadeira. Se azul, vale mais. A trovadora Maria Felim bem o sabe e relatou os tapas que recebe dos netos ao comentar postagem anterior em que já havia falado dos fusquinhas de minha vida (https://adilson3paragrafos.blogspot.com/2024/02/diversao.html). A resistência e perenidade desses veículos mostram que realmente foram concebidos como carro popular (é a tradução do alemão para Volkswagen), para aguentar condições distintas de tráfego e que fossem baratos, independente do momento fascista em que o mundo estava. Há uma sociologia do fusca que merece ser estudada. Convido a fazerem o que eu fiz e colocar esse termo (sociologia do fusca) nos buscadores da internet e conferir a miríade de páginas e assuntos que resultam. Da história à política, de Adolf Hitler a Juscelino Kubistchek, está tudo lá.

E um desses assuntos é Pepe Mujica, que dirigia um fusca azul. Na simplicidade de comunista convicto e praticante dizia que os bens materiais precisam ser suficientes, não demasiados. Vive-se, não se acumula. O câncer dele - tal qual de meu pai oito anos atrás - já ia avançado. Faleceu hoje, quando escrevo, um dia triste, mas de morte já esperada. Foi mais um 13 de maio, aniversário de Lima Barreto, a ser lembrado também com a morte de Mujica. A vida é feita de muitas mortes para tão poucos dias. Não, Lima Barreto estava muito longe de possuir um veículo, e se deslocava apenas a pé e com os trens de subúrbio. Tanto é que a primeira crônica inédita que dele descobri relatava que o narrador entrou em um carro e uma pesquisadora desmereceu o achado por dizer que Lima jamais andaria em tal veículo. Nem na ficção. Mas a crônica é de Lima, isso já ficou comprovado, e preciso juntá-la com a outra centena descoberta por mim e por Felipe Rissato para publicarmos esse pedaço ainda desconhecido do escritor da negritude. E nem pensemos em cancelá-lo (como está na moda) porque era machista e misógino. 

Autor: Professor Adilson Roberto Gonçalves – Publicado no Blog dos Três Parágrafos.

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