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8 de setembro de 2025

Cartas

É um pleonasmo redundante a cotidiana missiva diária do dia a dia que me faz interagir com o mundo frio ao redor. Se não aquece a inexistente alma, esquenta o teclado derivado da máquina de escrever, lembrando o tempo das aulas de datilografia. A Folha de S. Paulo me presenteou com a dedicação, abrindo espaço para publicar "Missivista contumaz" por ocasião de seu aniversário deste ano (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2025/02/missivista-contumaz.shtml). Não que o jornal publique tudo o que lá chega, mas alguma coisa fica estampado naquelas páginas. Chamamos de cartas, mas estão longe daqueles papéis pautados ou não, com letra cursiva em que o pensamento vinha antes da expressão, pois não se admitiam rasuras. Algumas eram perfumadas, como as que recebia naquele longínquo mês de março de 1994 quando estava ainda só na Europa. As missivas podem render prêmios inusitados. Já ganhei dois anos de assinatura da revista CartaCapital pela seleção de cartinhas lá publicadas, ainda que gostem de comer meu nome inteiro, deixando o Roberto no anonimato ou transformando-o em sobrenome. Minha constância de cartas para a mensal Piauí fez-me ser nomeado missivista contumaz - mesmo título, outro veículo - e já ganhei um pinguim representativo da revista.

As cartas preteridas (notem bem, não preferidas, com já foi publicado em jornal campineiro) acabam ocupando alguns bytes no computador antes de serem aproveitadas para compor artigos, digamos, mais robustos a serem enviados para as duas dezenas de veículos que aceitam textos opinativos. Sim, este Blog já recebeu algumas dessas linhas abandonadas e desprezadas por editores de jornais e revistas, acolhidas na amplitude do espaço e com a justificativa que, curtos ou longos, os textos são todos de minha lavra. Auto plágio dirão outros, sim, mas quem nunca usou os próprios ditos para reeditar alhures? As cartas trocadas entre famosos integram livros históricos e culturais para sabermos um pouco mais dos meandros da elaboração do intelecto ou das decisões pessoais que levaram a posições políticas. Hoje, na ausência das missivas física, manuscritas ou não, restam as mensagens cibernéticas presas em celulares que somente virão a público quando apreendidos pela Polícia Federal. E cada história que contam!

A revista CartaCapital foi criada e comandada até aqui por Mino Carta, falecido nessa semana. Um sujeito incrível por suas realizações e pela forma como sobreviveu à ditadura brasileira. Li seu livro "O Brasil", de 2013, com um misto de apreensão e esperança naquilo que o país pode vir a ser. Assisti a alguns fóruns de discussão promovidos pela revista em São Paulo, que alimentaram minhas crônicas. Há um conjunto grande de outras inspirações dessas vivências e leituras que poderia citar. Pode ter sido um descanso, mas o egoísmo faz com que o luto pela perda de Mino Carta seja forte, duro, triste. O jornalista, que trazia na história familiar e no sobrenome a proximidade com a palavra escrita, silencia em definitivo. Adorava ver suas apresentações da revista semanal, regadas a muita ironia, vinho fino e com o doce sotaque genovês que ainda conservava. Sua obra já é definitiva e de referência. Levará um bom tempo para transformarmos essa ausência em saudade.

Autor: Professor Adilson Roberto Gonçalves – Publicado no Blog dos Três Parágrafos.

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