Nos tempos de Faenquil, a Faculdade de Engenharia Química de Lorena, antecessora da Escola de Engenharia de Lorena, hoje um campus da USP naquela prestigiosa cidade vale paraibana, estudamos os resíduos agroindustriais de várias maneiras. Certa vez fomos procurados por uma jornalista voluntariosa que queria investigar a possibilidade de as fibras de bagaço de cana comporem tecidos finos a serem usados em desfile de modas. Ela tinha contatos e a ideia de compor uma bandeira - um pedaço de tecido que seria usado para costurar um vestido, por exemplo. Conseguimos um financiamento para bancar um pré estudo que incluiu alunos de graduação. Batizamos a empreitada de "bagaço fashion", não sem a devida ironia. Usando a semelhança fonética, dizia-se que eu era fashion: fechem os olhos para o que visto. O que de mim é visto não é o que visto. Nunca tive preocupação ou interesse para o vestir. Meus dois ternos são os mesmos comprados e usados pela primeira vez no casamento de meu irmão, ainda que o diâmetro abdominal tenha sido muito fiel, pois chegou a mim e não me abandonou mais. A roupa é para vestir e proteger, não para desfilar ou se mostrar. A roupa que uso não faz parte de mim. Mas, antes da grita modista, admiro quem se veste bem e se sente bem assim fazendo. E aquele projeto não seguiu adiante por falta de financiamento posterior e não por deselegância.
Reconheço que ter apenas duas calças jeans no guarda-roupa é exagero da simplicidade, beirando a displicência e negligência com o dia a dia, e até com a higiene pessoal. Admito sem receios, pois sei que os mais próximos não leem o Blog! O descaso com a moda supera o da personagem de Anne Hathaway no filme O diabo veste Prada, de 2006, dirigido por David Frankel, estrelado também por Meryl Streep. A jovem, também jornalista, passa a ser secretária da editora de uma revista de moda, mas veste-se mal, muito mal. Em uma das passagens do bom filme, ironiza a preocupação dos diretores para decidirem sobre uma roupa, em particular com tons de azul, e recebe uma aula sobre a cultura do uso da cor em tecidos e acessórios. Ou seja, moda é também cultura que será transferida para o uso geral, assim suponho. Talvez o salto seja muito grande entre um vestido revolucionário da passarela milionária e o que o povo trajará com salário-mínimo. Compraremos isso tudo em alguma loja do shopping center? Talvez sim, provavelmente não. Cito o shopping, pois é o espaço que virou a meca da convivência social, ao que parece, e os urbanos nem se importam em pagar R$20 para estacionar seus carros e ficarem trancafiados lá dentro, sob o ar condicionado e luzes artificiais para comer comidas também condicionadas e artificiais, já que suas vidas passaram a ser condicionadas e artificiais.
Os ipês, por sua vez, já se vestem de exuberante amarelo e estão devidamente trajados para a primavera que se descortina. De qualquer forma, com as festividades verdadeiramente cívicas da semana da Pátria em curso, preciso comprar alguma coisa, pois, ao contrário dos ipês, estou sem roupas para a festa... sem roupas até para ficar confortavelmente no sofá à frente da tv e a tudo assistir. Seria interessante saber como o magistral autor Luis Fernando Verissimo registraria este período de festa em suas crônicas. Ter vivido até os 88 anos foi uma vitória e, por tudo o que escreveu, interpretou e ironizou do país, temos apenas a agradecer. Mas a morte é sempre uma tristeza, ainda que esperada, prevista e até desejada em face da condição que o corpo leva em vida. Curioso que suas posições políticas foram muito bem nítidas e, com sua morte quase fechando o mês de agosto - triste sina deste mês de maus agouros - até a extrema direita divulga, em júbilo e respeito, suas frases de efeito. Não contaminarão o espetáculo, contudo.
Autor: Professor Adilson Roberto Gonçalves – Publicado no Blog dos Três Parágrafos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário