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1 de setembro de 2025

Voto impresso: a institucionalização do coronelismo.

             Plenário do Senado Federal - Foto de Edilson Rodrigues da Agência Senado.

No dia 20 deste mês de agosto de 2025, a CCJ do Senado, aprovou, por 14 a 12 votos, a obrigatoriedade do voto impresso nas eleições.

“Num país aqui ao lado,
Gente que anda de ônibus
ruim, caro, raro e atrasado,
Paga combustível
pra avião de senador e deputado”.
(Anônimo uruguaio)

No dia 20 deste mês de agosto de 2025, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, chamada por Getúlio Vargas de “a verdadeira casa das oligarquias brasileiras”, aprovou, por 14 a 12 votos, a obrigatoriedade do voto impresso nas eleições. O projeto segue para votação no plenário do Senado e, se aprovado, retorna para análise na Câmara.

Enquanto o Brasil se organiza para fazer frente aos ataques contra sua soberania, patrocinados pela família de mafiosos, bucha de canhão do governo norte-americano em sua jornada insana de combate à construção do BRICS, pilar de uma nova ordem mundial, mais um atentado poderá ser perpetrado pelos inimigos do povo instalados no Congresso de 15 bilhões de reais/ano, neste ano de 2025.

Enquanto o governo Lula e seus aliados no Congresso trabalham para salvar o país, sua economia e seus empregos, esses inimigos internos aproveitam a conturbação para aprovar leis contra a preservação do meio ambiente e emendas instituindo o voto impresso, incansáveis em sua sanha de predadores do futuro.

O argumento para a bizarrice é que se possa conferir o voto digitado na urna eletrônica. Segundo a emenda do senador Esperidião Amin (PP-SC), a urna imprime o registro de cada voto, o eleitor confere a correspondência e deposita esse boletim em uma caixa lacrada.

Para Amin, “Não basta a urna ser segura, ela precisa parecer segura e transparente para o cidadão comum...”.

A verdade é que a extrema direita brasileira ainda não se contentou com a campanha de difamação nacional e internacional que colocou em suspeição o processo eleitoral no Brasil, o mais moderno, transparente e eficiente que há. Ainda não desistiu de, por todos os meios e de qualquer forma, abandonar as urnas eletrônicas para trazer de volta os velhos métodos de eleição.

Por isso, busca perenizar, legitimar e institucionalizar a suspeita sobre um processo seguro, testado e aprovado, sob o argumento de torná-lo mais transparente.

E foi um político chamado Bolsonaro que, há cerca de dez anos, pautou essa discussão. Durante seus 26 anos de mandato, usufruindo salários, passagens, auxílio-moradia e todas as mordomias impensáveis no Primeiro Mundo e inaceitáveis no chamado mundo em desenvolvimento, ele teve aprovados apenas dois projetos.

Apresentou um PL para estender o benefício de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para bens de informática e outro que autorizava o uso da chamada “pílula do câncer” – a fosfoetanolamina sintética.

Sua pauta preferencial era atender aos interesses de militares, sua primeira base – coitados, tão despidos de privilégios –, mas depois se fixou nas questões da segurança pública, da forma mais atrasada e venal possível, porque isso rendia votos da população desesperada por um mínimo de segurança e paz.

E a primeira emenda de sua autoria, aprovada em 2015, determinou a impressão de votos das urnas eletrônicas. Assim, essa proposta do voto impresso nasceu também com um insuperável vício de origem. Não é possível esperar de tal criatura uma iniciativa que venha em benefício da maioria. E é sua própria história que nos ensina isso.

O objetivo dessa iniciativa não poderia ser outro senão garantir que, de posse do voto impresso, eleitor e eleitora o apresentariam a quem devessem fazê-lo, para manter o emprego; para ganhar uma cesta básica; para conseguir uma consulta no hospital; para receber um aumentozinho no salário; para receber um lote; quem sabe um caminhão de telhas, um carguinho no Estado ou na prefeitura, a salvação, um lugar quentinho no céu e, quem sabe, o outro pé de botina.

O voto impresso daria, finalmente, aos donos dos currais eleitorais, a certeza de que o gado votou conforme combinado, tratado, comprado, obrigado e ameaçado.

E o pastor, o padre, o dono da fazenda; o dono da empresa de terceirização, o dono da loja ou da escola particular – enfim, os donos e donas dos currais – colheriam, confortável e seguramente, os frutos do voto de cabresto, moeda de troca valiosa no jogo social. Isso seria muito mais eficiente e discreto do que colocar a Polícia Rodoviária Federal para barrar ônibus de eleitores no caminho das urnas.

Que inteligente! Quem desconfiaria de tal astúcia?

Não seria preciso voltar muito longe na história deste país ou ler Gilberto Freyre, Galeano, visitar as inúmeras teses sobre coronelismo, ler Graciliano – o que é altamente recomendável – para se ter certeza disso.

Quem, como eu, nasceu no interior do Brasil, conhece bem a história do voto de cabresto e dos currais eleitorais. Não porque coronel precisasse comprar sua patente, coisa que um de meus bisavôs se deu ao trabalho de fazer, como dono de gado e gente. O número de votos que ele poderia depositar nas urnas é que determinava seu poder.

E isso, no Brasil, não faz parte do passado. Matéria da Agência Pública, de 27 de outubro de 2022, mostra o quanto os currais eleitorais estão em funcionamento no Brasil. Mais de 1.200 empresas foram denunciadas ao Ministério Público do Trabalho por assédio eleitoral antes do primeiro turno das eleições.

No segundo turno, o MPT recebeu 1.850 denúncias contra 1.440 empresas dos setores industrial, agrícola e até de comunicação, como a Usina Laguna, de Mato Grosso do Sul, que premiou participação forçada em carreata, bem como o uso de adesivos do candidato neonazista com rodadas de cerveja; o Colégio Farroupilha, de Porto Alegre; o Colégio Ibero-Americano, de Cuiabá; o Grupo Colorado. Uma lista enorme, de todos os estados, que não caberia aqui.

Os números das eleições de 2022 são sete vezes maiores do que os de 2018, sendo Minas Gerais o campeão em denúncias, seguido pelo Paraná.

Estamos falando de denúncias de pessoas que se arriscaram a perder o emprego, como de fato perderam, para tentar barrar esse abuso. Imaginemos quantos silenciaram diante dessa prática porque não tinham outra escolha. Não há como determinar o número dos que tiveram de se calar.

Diante da preocupação manifestada pelo senador Amin, quando da defesa da emenda aprovada na CCJ do Senado, faz-se necessária uma pequena pausa nessa prosa para um rápido flash da história do autor do que chamaremos de “emenda da transparência”:

“Era 30 de novembro de 1979 quando o ditador João Figueiredo estava presente na capital catarinense para conhecer o projeto de uma usina siderúrgica. A recepção ao ditador foi organizada pelo então prefeito Esperidião Amin e o governador Jorge Bornhausen, ambos da ARENA, que aconteceu no Palácio Cruz e Souza. Ao chegar à Praça XV de Novembro, foi recepcionado por uma manifestação estudantil que contava com mais de 4 mil pessoas. A Polícia Militar reprimiu, resultando em violência e sete estudantes indiciados pela Lei de Segurança Nacional. Depois desse dia, a população presenciou semanas de grandes manifestações, com milhares exigindo a liberdade dos estudantes e o fim do regime militar. Esperidião reprimiu com brutalidade e caçou os organizadores das manifestações, recebendo elogios da cúpula militar” (www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter).

Então, quer queiramos ou não, esse cuidado com o “cidadão comum” também padece de vício de origem.

Sobre a tão grande preocupação com a transparência do voto, que só precisa ser secreto e depositado em urna inviolável – como restou provado que o são as urnas eletrônicas –, não é preciso muito esforço para prever o que acontecerá se a iniciativa prosperar no parlamento dos ricos.

Não é teoria da conspiração imaginar as almas sebosas cevadas pelo ódio nas catacumbas do WhatsApp e dos templos; os escravos modernos das espeluncas de terceirização, ameaçados de demissão; os habitantes do mundo paralelo criado pelas mentiras, imprimindo o voto e, ato contínuo, denunciando que o impresso não condiz com o voto que teriam digitado: “O voto impresso está diferente da minha cola!”.

Para quem inventou mamadeiras de piroca, kit gay, ataques à honestidade de Dilma, de Lula e de tantos outros sacrificados no altar do mensalão; para quem acreditou nas mentiras absurdas inventadas para derrotar Haddad em 2018 e que, depois da mortandade na pandemia, ainda deu 58 milhões de votos ao sacripanta nas eleições de 2022, participar de uma ação como essa seria coisa pouca.

Imaginemos as proporções e as consequências de tamanho escândalo, com denúncias pipocando do Oiapoque ao Chuí! “Então, Bolsonaro não perdeu as eleições de 2022!” “Então, Lula não venceu!” “Nós sabíamos! Denunciamos isso o tempo todo!” “Por isso queremos anistia para os gestores e os participantes do 8 de janeiro! Eles tinham razão, fomos roubados!”.

A “emenda da transparência” é transparentemente pior do que a proposta original do voto impresso; conseguiu-se melhorar para pior a proposta de Bolsonaro.

E o sonho dourado dos inimigos da democracia se realizaria: desmoralizadas as urnas eletrônicas, voltemos aos bons tempos em que mortos votavam, tempos em que se emprenhavam urnas e todo mundo era feliz.

Mas bom mesmo para essa gente era o tempo em que não havia eleições e a caserna punha ou tirava da Presidência da República o milico que lhe aprouvesse, sem Congresso ou Judiciário para atrapalhar, ou imprensa para questionar.

Sim, é para coisas desse tipo que o voto impresso servirá: para desmoralizar eleições que possivelmente seus defensores perderiam; para desqualificar, mais uma vez e, desta vez, para sempre, as urnas eletrônicas – invenção brasileira eficiente, segura, confiável, nunca é demais repetir.

Essa iniciativa aprovada no Senado brasileiro busca, candidamente, nada mais nada menos do que trazer de volta e institucionalizar o coronelismo que ainda pulsa raivoso Brasil adentro. Finalmente, no século 21, descobriu-se a maneira de fazer isso via voto impresso!

E o Estado de Direito sofrerá mais um revés e poderá ser abolido de vez. 

Autor: Maria Lúcia de Moura Iwanow - Professora de literatura, aposentada. Publicado no site Brasil 247.

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