A prisão do pastor Everaldo, presidente
do PSC, mais uma vez expõe a relação perniciosa e permissiva entre política e
religião no Brasil. Se na década de 1930 a ascensão do comunismo via revolução
bolchevique de 1917 na Rússia facilitou uma articulação católica em torno do
movimento conservador integralista, na atual quadra a relação se
institucionalizou. A atuação ostensiva e eficaz no Congresso da “Bancada da
Bíblia”, que reúne católicos e evangélicos, contribuiu decisivamente para a
eleição de Bolsonaro. O apoio a ele foi dado dos próprios púlpitos, fato até
então inédito.
No início do século XX, os operários
eram estimulados pela Igreja Católica a se manter nos sindicatos para combater
a esquerda. As religiões de matriz protestante ainda eram incipientes, e
praticamente não tinham expressão no mundo político. Naquela época, foram
criados os Círculos Operários Católicos e a Juventude Operária Católica. Mas
uma instituição – a Liga Eleitoral Católica – foi quem escancarou os objetivos
políticos da Igreja em relação à estrutura e ao funcionamento do
governo. A LEC foi criada explicitamente para influenciar na
formação dos legislativos nas eleições de 1933, de olho na Constituinte. Teve
atuação nacional e funcionou basicamente como filtro ideológico, indicando os candidatos
mais perfilados com o conservadorismo moral, como a luta contra o divórcio, e a
defesa do ensino religioso. Estudiosos apontam que Vargas foi eleito com apoio
desses grupos e incorporou ao seu governo muitas das suas postulações. Em
troca, eles foram beneficiados com a concessão de vários
privilégios.
Olhando em retrospectiva, percebe-se que
após a era Vargas a influência religiosa só foi aparecer novamente de forma
mais explícita em 1964, quando conservadores católicos radicais se uniram para
derrubar João Goulart. A “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, até na
denominação, remete muito aos jargões atuais, como o slogan bolsonarista
“Brasil acima de todos, Deus acima de Tudo”.
Escancarou geral
Se dos anos 1930 aos anos 1960 a
influência religiosa, basicamente católica, era feita em bases, digamos, mais
aceitáveis e por meio de lobbies legítimos, atualmente a relação
religião/governo é praticada em bases abertamente fisiológicas e sem qualquer
pudor de natureza ética. Enquanto a igreja católica tem uma atuação mais
crítica e por vezes incisiva em relação ao governo Bolsonaro, através de
organizações como a CNBB, grupos evangélicos, de mãos dadas com um governante
francamente populista, não se envergonham em atuar descaradamente em sentido
contrário e em oposição até mesmo ao que preceituam os princípios bíblicos. O
pastor Everaldo, por exemplo, foi preso por organizar uma “caixinha” de
propinas que dividia com o Governador do Rio, Wilson Witzel. Não que não
existam corruptos entre os católicos. Claro que existem. O padre Robson, da
Diocese de Trindade, Goiás, por exemplo, está sendo investigado por comprar fazendas
e casas de praia, tudo com dinheiro oriundo do dízimo. Não consta
que tenha tido atuação político-partidária, apesar de grupos católicos
autônomos, espalhados pelo país, anunciarem publicamente apoio a Bolsonaro,
mesmo contra a orientação da CNBB.
O dízimo que constrói fortunas
Mas o que vem chamando a atenção nos
últimos anos é a desfaçatez com que pastores evangélicos exibem fortunas
pessoais estrondosas. Segundo a revista Forbes, o Bispo Edir Macedo, da
Igreja Universal do Reino de Deus, com uma fortuna pessoal de 2 bilhões de
reais, lidera o ranking, que ainda envolve Valdemiro Santiago e Silas Malafaia,
entre outros. Sob o manto protetor da liberdade religiosa assegurada pela
Constituição Federal, pastores de igrejas caça-níqueis espalhadas por todo o
país não se ruborizam em vender objetos milagrosos e incentivar o pagamento de
dízimo principalmente pelos mais humildes. Como a gerência desses recursos não
é auditada nem as igrejas precisam comprovar a origem, há denúncias de que
muitas delas funcionam como lavanderias de dinheiro. O catolicismo vem perdendo
espaço no Brasil justamente porque ainda mantém a visão conservadora e estoica
em relação aos bens terrenos. Enquanto os pentecostais, por exemplo, trabalham
na perspectiva de uma “teologia da prosperidade”, o que os exime de evitar a
ostentação e os números estratosféricos de suas contas pessoais, vistas como
sinais da interferência divina.
Como a relação espúria e o apoio a
Bolsonaro lhes garante atuação livre de qualquer controle, muitos desses
líderes religiosos não só se servem dessa complacência como se orgulham de
gozar da intimidade do capitão-presidente. E não se envergonham de oferecer
apoio explícito aos políticos conservadores mais criticados. Há fotos de
Malafaia, por exemplo, ao lado de Eduardo Cunha, Temer e Bolsonaro, para ficar
num exemplo. E a imagem do pastor Everaldo batizando Bolsonaro nas águas do rio
Jordão, em Jerusalém, corre pelas redes sociais. Com uma bancada sólida, aliada
a outros setores conservadores como as bancadas da Bala (militares e policiais)
e do Boi (ruralistas), atualmente os evangélicos dão as cartas e cada vez mais
definem os rumos do atual governo.
Autor:
Paulo José Cunha é professor, jornalista e escritor – Site Congresso em Foco.
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