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A América tem um histórico de violência, não apenas devido à imensa quantidade de armas nas mãos do cidadão comum, incluindo crianças, como por uma mentalidade cultural herdada do velho faroeste, de que cada um tem que se defender a si mesmo e fazer justiça pelas próprias mãos.
Segundo o procurador do estado do Minnesota, um indivíduo disfarçado de polícia terá visitado na noite do crime as residências de quatro autoridades, curiosamente todas eleitas pelo Partido Democrata, com a intenção de as assassinar. O suspeito não terá conseguido os seus intentos em dois casos – um porque estava um carro da polícia à porta e outro porque as pessoas estavam de férias noutro local. Entretanto, terá mesmo conseguido matar a congressista Melissa Hortman e o marido, e feriu gravemente com quinze tiros um senador estadual do Minnesota, John Hoffman, e a mulher.
Depois duma intensa caça ao homem que durou dois dias, as forças policiais conseguiram deter numa floresta, para onde tinha fugido, Vance Boelter, de 57 anos, que agora vai enfrentar seis acusações federais, que o podem levar mesmo a ser punido com a morte ou prisão perpétua. Dentro do carro tinha uma lista de alvos a abater que incluía democratas e figuras ligadas a movimentos pelo direito ao aborto como, por exemplo, a deputada Ilhan Omar e a senadora Tina Smith. Sabe-se quem são as vítimas, por serem figuras públicas e ligadas à atividade política. A congressista democrata Melissa Hortman, de 55 anos, é mãe de dois filhos e foi presidente da Câmara dos Representantes do Minnesota.
Mas afinal quem vem a ser o suspeito dos homicídios? Boelter trabalhava numa empresa de segurança e é cristão evangélico. Quem o conhece e acompanhava o seu trabalho na igreja mostrou-se profundamente surpreendido ao saber que poderia estar ligado ao ataque.
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Os EUA estão cada vez mais divididos pelo trumpismo e o envio de forças militares para a Califórnia tem funcionado como rastilho por todo o país, onde as manifestações de protesto contra Trump vêm a ganhar cada vez mais força. A postura autocrática, arrogante e estúpida do presidente chega a atingir as raias da demência.
Quando uma jornalista lhe perguntou se, na sequência destes assassínios, Trump iria ligar a Tim Waltz, o governador democrata do Minnesota, com uma palavra de solidariedade que é não apenas normal, mas obrigatória em casos semelhantes, o Presidente não encontrou nada melhor para responder do que achincalhar em público Waltz, chamando-lhe péssimo e incompetente.
Mas o que leva um cristão envolvido na sua igreja local e com missões pontuais em África, a tentar liquidar a tiro uma lista de pessoas selecionadas? Nada mais, nada menos do que o erro crasso em que parte do evangelicalismo norte-americano caiu há muito, ao misturar religião e política e ao esquecer aquele princípio basilar de Jesus Cristo: “o meu reino não é deste mundo.” Por via disso, tais cristãos confundiram serviço com poder, exemplo com imposição, e a força da oração com a força das armas.
Muito embora a falta de ensino religioso seja hoje gritante – basta dizer que, por exemplo, a percentagem de católicos brasileiros que acreditam na reencarnação ronde os 46%, mesmo não sendo uma doutrina católica – a verdade é que no caso americano o principal problema é mais precisamente a perda de foco no Evangelho. Tais cristãos já não seguem o genuíno Cristo bíblico, mas sim uma projeção construída mentalmente, de que resulta uma espécie de super-homem com uma arma automática nas mãos, pronto a impor pela força a toda a gente os seus conceitos, ideias, opiniões e vontade particulares.
Mas esta cultura vem de longe. O nacionalismo cristão branco está a destruir a igreja cristã na América, desde o tempo do Moral Majority, do Tea Party e dos neoconservadores religiosos de direita. Donald Trump é apenas uma figura que personificou essa tendência, que infunde o medo, promove a mentira e espalha o ódio por palavras e actos, puxando assim pela face mais negra que todos os seres humanos comportam dentro de si.
Os maiores inimigos da Igreja neste momento não são externos, encontram-se no seu interior, e são os falsos cristãos, isto é, aqueles que, dizendo-se discípulos de Cristo, não o têm como foco, exemplo, inspiração e modelo de vida. Pelo contrário, são pessoas que confundem Deus com César, poder espiritual com poder político e ética cristã com “espírito do mundo”. São esses que estão a destruir a Igreja, seja ela católica, ortodoxa, protestante ou evangélica. É urgente regressar ao espírito do Evangelho.
Autor: José Brissos – Lino – Publicado na Revista Visão.
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