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15 de fevereiro de 2022

Democracia!

O conteúdo deste artigo foi extraído do meu novo livro “A democracia dos ausentes – Um exercício de cidadania”.

“Com uma democracia desrespeitada, ela acaba não sendo representativa para milhões de brasileiros, que muitas vezes acabam se abstendo de votar, anulando seus votos ou os deixando em branco. Isso promove o afastamento também da participação no processo democrático, deixando de acompanhar, fiscalizar e cobrar os atores da democracia no país.

“Segundo a opinião pública, os eleitos não representam os eleitores”, observa Rupak Patitunda, um dos responsáveis pela pesquisa Ipsos. “A democracia no Brasil, desta forma, não é representativa.”

Somente um em cada dez cidadãos veem o Brasil como um país onde a democracia é respeitada. Para 86%, isso não acontece. “A própria democracia, o que se espera de seu conceito, não é respeitada”, avalia o pesquisador. “Existe uma expectativa sobre o regime que não é atendida pelos seus clientes.”

A percepção de desrespeito às normas democráticas pode estar relacionada à ideia de desigualdade. Para 96% dos entrevistados, todos devem ser iguais perante a lei, mas somente 15% consideram que essa regra é devidamente observada no Brasil. Isso na minha opinião pode inserir o Poder Judiciário, em boa parte responsável pela desigualdade e pela impunidade.

É quase consensual a noção de que a corrupção é um entrave para que o país alcance um nível mais avançado de desenvolvimento. Nove em cada dez eleitores concordam com as avaliações de que “o Brasil tem riquezas suficientes para ser um país de primeiro mundo”, de que “o Brasil poderia ser um país de primeiro mundo se não fosse a ação da corrupção” e de que “o Brasil ainda pode ser um país de primeiro mundo quando acabar com a corrupção”.

O brasileiro em geral, não se sente representado pelos vereadores de suas cidades, na maioria das vezes desconhece os deputados estaduais de seu Estado e o que estão fazendo, e vê muito distante os deputados federais e os senadores. Essa percepção de distância e da nulidade de seus atos em prol do povo brasileiro leva a descrença, a desconfiança da certeza de que esses conjunto de atores da nossa democracia ganham salários aviltantes, possuem vantagens inalcançáveis da totalidade da nação e ainda por cima tem desempenho pífio. Se acrescentarmos os índices de corrupção, fraudes, facilitação de ascensão de carreiras aos apaniguados e parentes fica impossível para o cidadão comum apoiar essa classe política nacional.

O brasileiro há muito tempo percebeu que a classe política desconhece a ética e ao contrário pratica o que chamo de desvios éticos...

Segundo o Professor Humberto Dantas, docente da USP e da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) “Quando a população detecta uma falta de zelo com a coisa pública, ela, automaticamente, observa esses desvios como um desrespeito aos princípios democráticos”.

Dantas afirma ainda que “a sociedade está conseguindo identificar as estruturas, dentro do Legislativo e do próprio Judiciário, que visam apenas a beneficiar seus próprios membros, e que estariam agindo apenas para manter privilégios e um certo espírito corporativo”. Ou seja, a população acredita que a classe política representa apenas ela própria, e não a sociedade como um todo.

O cientista político destaca que o próprio conceito de democracia ainda não é algo claro para uma considerável parcela dos brasileiros. “Acho muito relevante a gente tentar entender o que as pessoas acham que é democracia. Pela minha experiência, elas têm uma dificuldade para traduzir uma definição básica de democracia”, diz.

A palavra “democracia” nasceu na Grécia, especificamente na cidade-Estado de Atenas, no período clássico, sendo composta pelos radicais “demos” e “kratos”, que significam, respectivamente: “povo” e “governo”. De forma geral, a democracia é definida, desde a antiga Grécia, como “governo do povo”, ou “governo popular”, em contraposição a outras formas de governo, que também remontam à Idade Antiga, como a Aristocracia, a Monarquia, a Diarquia, a Tirania, a Oligarquia, entre outros. Entretanto, quando pensamos em democracia no mundo contemporâneo, temos que rever ou pensar em algumas coisas.

A democracia moderna, tal como a concebemos hoje, isto é, pautada em ordenamentos jurídicos e instituições políticas sólidas, que representam os três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), só se tornou possível após a derrocada do Antigo Regime Absolutista, na transição do século XVIII para o século XIX. Com a Revolução Francesa e, depois, a Era Napoleônica, surgiram na Europa alguns dos alicerces do que viria a ser o nosso modelo de regime democrático: a formação de grandes centros populacionais, em virtude da Revolução Industrial; a noção de povo associada a uma nação; a soberania política da nação passou a ser vinculada a esse povo, e não mais ao rei; e a instituição do voto, ou sufrágio universal, como parte do sistema representativo direto.

A democracia desenvolvida em Atenas não era considerada o melhor dos governos possíveis (como é hoje o nosso modelo de democracia), e isso por um motivo razoavelmente simples: apenas uma fração mínima dos “homens livres” integrava a vida política de Atenas. Mulheres, escravos, estrangeiros e outras categorias sociais não tinham direito de participar das deliberações da Assembleia (Ekklesia). A experiência da democracia ateniense tinha como preocupação fundamental, antes de qualquer coisa, evitar a tirania – pior forma de governo para época. Do mesmo modo, a forma de governo aristocrático também cumpria esse papel.

O sistema político brasileiro pode ser chamado de representativo, mas a nossa Constituição Federal de 1988 permite uma ampla participação popular que, caso fosse efetivamente aplicada, poderia colocar-nos no patamar de democracia participativa, inclusive prevendo a possibilidade de uma iniciativa popular legislativa.

Alguns estados dos Estados Unidos exercem a participatividade semidireta, e um bom exemplo de país que exerce a democracia participativa é a Suíça. Já a democracia direta não existe mais a nível nacional na contemporaneidade devido à sua inexequibilidade perante a ampliação do conceito de cidadania.

Sistematicamente, democracia e ditadura são termos opostos. Não é o simples fato de haver escolha política em um país (eleição) que o torna, automaticamente, uma democracia. Muitas ditaduras permitem eleições para que o processo político pareça mais legítimo. Porém, a ausência de participação popular na política e outros fatores podem denominar o que chamamos de ditadura. Para ser considerado, efetivamente, uma democracia, um país deve conter, entre outras coisas:

Liberdade de expressão e de imprensa;

Possibilidade de voto e elegibilidade política;

Liberdade de associação política;

Acesso à informação;

Eleições idôneas.

A não observância dos fatores anteriores, somada a outros fatores, como a derrubada de uma constituição legal sem a formação de uma Assembleia Constituinte, pode indicar a existência de uma ditadura.

Como tantas outras coisas no Brasil, a relação entre democracia e política aqui é complicada. Na Primeira República, ou República Velha, tivemos um período provisório comandado por setores militares (1889 – 1894). Um período em que a chamada “política café com leite” deu início a um longo conchavo entre líderes de São Paulo e Minas Gerais para a presidência do país.

Em 1930, uma chapa liderada pelo paulista Júlio Prestes, é indicada e eleita. Porém os políticos mineiros não aceitam a eleição, iniciando a Revolução de 1930, que acaba com a república e inicia a Era Vargas. Uma característica da Primeira República era o voto de cabresto, em que os coronéis locais mandavam e fiscalizavam as pessoas quando votavam, criando uma fraude que descaracteriza a legitimidade do processo democrático. O desejado “voto impresso” me faz lembrar desses coronéis.

A democracia só foi restabelecida no Brasil em 1945, e, em 1964, o país vive outro golpe contra a república brasileira e contra a democracia. Trata-se do golpe civil-militar que impôs um regime de exceção entre 1964 e 1985, suspendendo direitos civis e a constituição, impondo a censura contra a imprensa e fechando, por alguns momentos, o Congresso Nacional.

Em 1985, a ditadura militar acaba, mas deixa como marca as eleições indiretas para presidente. Há a prevalência de um grande movimento, iniciado ainda no fim da ditadura, que se chamava “Diretas Já!” que pedia o reestabelecimento de eleições diretas para presidente. Em 1988, acontece a Assembleia Constituinte que cria a Constituição Federal de 1988 e restabelece a possibilidade da democracia plena, reforçando direitos e promovendo a igualdade.

O respeito a essa democracia, até mesmo por parte de representantes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, e por parte da população civil, ainda é um problema, pois temos visto a violação sistêmica dos valores constitucionais por parte de políticos eleitos pelo povo e por parte do próprio povo. Em meio a altos e baixos, a democracia brasileira segue oscilando.

Com o avanço da tecnologia existem várias possibilidades de os eleitores acompanharem os eleitos e participarem da fiscalização e cobrança pelos seus atos. Existem além dos sites amplamente divulgados das Câmaras, Assembleias, Câmara Federal, Senado, Portais dos governos municipais, estaduais e do federal, a possibilidade através de aplicativos instalados nos seus celulares. Vejam alguns exemplos:

Sr. Cidadão

Com o slogan “Monitore o trabalho do seu político” o Sr. Cidadão permite acompanhar quantos políticos quiser ao criar uma conta no aplicativo, recebendo de volta algumas notificações sobre as atividades deles nas casas legislativas. Assim, é só escolher quais políticos tem interesse em monitorar e ficar por dentro dos votos, gastos, receitas, bens e dados de campanhas eleitorais. O serviço é gratuito. Disponível para sistemas Android.

Meu Deputado

Este app permite que se possa acompanhar os deputados federais com apenas alguns toques. É possível ver informações referentes a presenças em sessões, despesas e votos em algumas leis, além de disponibilizar um ranking com filtros personalizados que permite visualização dos maiores gastos mensais por categoria, estado, partido e mês/ano. Disponível para sistemas Android e iOS.

Colab

O aplicativo Colab incentiva que o cidadão seja mais ativo e participe das decisões de sua cidade. Se intitulando como uma rede social para cidadania, o app é transparente e aberto para todas as cidades do Brasil, permitindo uma ponte para que o usuário possa se conectar diretamente com a Prefeitura de sua cidade e promete muito mais. Disponível para sistemas Android e iOS.

Tá de Pé?

Lançado pelo grupo Transparência Brasil, o aplicativo Tá de Pé permite ao cidadão monitorar a construção de escolas e creches públicas financiadas pelo Governo Federal em todo o país. O projeto foi vencedor do Desafio Google de Impacto Social em 2016 no voto popular, e surgiu depois que os criadores descobriram que das 7.453 obras de escolas e creches públicas financiadas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 29% estão paralisadas e 17% atrasadas, o que representa 46% das obras que ainda precisam ser entregues. Com isso, já foram desperdiçados pelo menos R$ 1,5 bilhão.

Após baixar o app, o Tá de Pé fornece uma lista de obras próximas ao usuário, que poderá, por meio do aplicativo, tirar fotos e enviar informações sobre o andamento da construção, de forma anônima e segura. As fotos serão analisadas por engenheiros parceiros da Transparência Brasil e, se forem constatados indícios de atraso, a organização entrará em contato com a prefeitura responsável pela execução da obra. Caso a prefeitura não responda, outras instâncias serão acionadas como Câmara Municipal, o Ministério da Educação e até mesmo a Controladoria-Geral da União. Disponível para sistemas Android. 

Meu Município

Segundo o portal, o domínio é 100% público e gratuito. O site organiza e disponibiliza de forma simples os dados de todos os municípios brasileiros de maneira fácil de acompanhar e comparar como, por exemplo, monitorando o quanto uma prefeitura arrecada e gasta do dinheiro público.

Câmara dos Deputados

O próprio órgão do governo disponibiliza no site oficial da Câmara Federal, além das notícias, outras informações e serviços com muitos dados como a biografia, discursos e presença em plenário, posições em votações e projetos apresentados. Além disso, o cidadão pode se cadastrar em um Boletim Eletrônico e receber quinzenalmente notícias do deputado escolhido via e-mail.

Senado

O site do Senado também possui um espaço que disponibiliza interação entre cidadão e a política. Em uma aba específica, chamada de e-Cidadania, o internauta pode opinar sobre projetos de lei da Casa, participar de debates sobre estas matérias e, até mesmo, propor uma nova lei.

Ranking dos Políticos

Esta é uma organização civil que monitora o desempenho dos 513 deputados federais e 81 senadores desde 2012, quando foi lançado. O portal surgiu depois que seus fundadores encontraram dificuldades para se informar sobre o histórico dos parlamentares, como votações, presenças em sessões e despesas. De acordo com o site, o objetivo é fornecer informações sobre quem é quem no Congresso Nacional por meio de três bandeiras: Anticorrupção, Anti-Privilégios, Voto Consciente.

Detector da Corrupção – Vigie Aqui

Uma das mais interessantes e importantes ferramentas da atualidade, o Detector da Corrupção traz informações judiciais de 850 políticos, reunindo dados de parlamentares relacionados à administração pública de tribunais de todo o País. Para ter acesso a plataforma, basta instalar o aplicativo no celular e tirar uma foto da imagem de um político ou buscar pelo nome dele. Então, as informações sobre o candidato aparecem na tela.

Além disso, a ferramenta dá a possibilidade de que se instale uma extensão no navegador de internet e, assim, sempre que um político condenado, processado ou investigado aparecer na página, o plugin deixará grifado o nome dele de roxo. Ao passar o mouse por cima do nome ainda dá para conferir a ficha judicial dele.

Pardal

O Pardal é um aplicativo criado pela Justiça Eleitoral para que os eleitores possam atuar como fiscais no combate à propaganda eleitoral irregular. O aplicativo possibilita informar irregularidades em tempo real. Na ferramenta é possível enviar fotos e vídeos para comprovar as denúncias feitas.

Além do aplicativo para celular, a plataforma tem uma versão para web, é disponibilizada nos sites dos tribunais regionais eleitorais para acompanhamento das notícias de irregularidades.

Vigie Aqui (Google Chrome)

Criado pelo site Reclame Aqui, o Vigie Aqui é um plugin para Google Chrome que alerta o usuário a respeito de candidatos não tão confiáveis. Sempre que o nome de um político condenado, processado ou investigado aparecer na página, a extensão vai grifar o nome de roxo.

 #TemMeuVoto (web);

Este é uma web app, o que significa que ele abre pelo navegador do PC ou do celular. Com o #TEMMEUVOTO, o usuário só precisa responder a sete perguntas que dão um direcionamento a respeito das suas posições políticas. Em seguida, a plataforma exibe os candidatos que mais se encaixam no seu perfil.

Poder do Voto (Android e iOS);

Este app disponível para Android e iOS permite acessar uma ficha completa a respeito de políticos cumprindo mandato ou não. Com ele, você pode acompanhar as leis em votação no Congresso, como o político que você segue votou e pode expressar sua opinião sobre os posicionamentos dele.

Appoie (Android e iOS);

Mais um app para Android e iOS. Assim como o Poder do Voto, este aqui permite acompanha o trabalho de políticos em exercício ou que já passaram pelo Congresso. Ele também tem uma ferramenta de “match” que mostra quais candidatos têm mais a ver com o seu perfil.

Transparência Brasil

O trabalho dessa organização não governamental é dividido em duas áreas: monitoramento das instituições e advocacy. A iniciativa representa a sociedade civil nos conselhos de Transparência da Controladoria Geral da União, do Senado Federal e do governo do Estado de São Paulo.

Site Gênero e Número que lançou uma plataforma para facilitar a busca de candidatas mulheres aos cargos no executivo e legislativo. A ferramenta possibilita filtrar candidaturas femininas por cargo, partido e etnia. A ação faz parte do Observatório 50-50, uma iniciativa coletiva que une diferentes organizações da sociedade civil para fortalecer os processos democráticos, acompanhar as esferas de poder e ampliar o debate sobre política e gênero.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as candidaturas femininas nas eleições de 2018 alcançaram 30,7% dos registros de matrículas, 8.435 do total de 27.485. Pela legislação, 30% é o percentual mínimo de candidatas por partido. Nas eleições de 2014, foram 8,1 mil, o que representou 31,1%.

No pleito de 2018, o Centro-Oeste foi a região com maior percentual de mulheres na disputa eleitoral (31,14%), seguido respectivamente pelo Sudeste (31,02%), Sul (30,84%), Nordeste (30,30%) e Norte (29,75%).

Esses são alguns exemplos, mas provavelmente existem outros que servem para ajudar o cidadão e o eleitor a acompanhar, fiscalizar e poder cobrar os políticos eleitos. Ajudando o cidadão a participar da vida política do país. Apenas com um smartphone você pode acessar qualquer um deles e se manter informado sobre os candidatos, seus trabalhos, performance e os governos em sua cidade, seu estado e no país. Somem a isso os sites, os canais de TV fechadas que transmitem conteúdo das câmaras municipais, assembleias legislativas e congresso nacional. Informação existe e mecanismos são muitos para que o eleitor esteja informado e possa acompanhar de perto o que acontece no país em termos de políticos e partidos. Falta na verdade é vontade de querer participar e mudar o que está acontecendo no país há anos.

Autor: Rafael Moia Filho – Escritor, Blogger, Analista Político e Graduado em Gestão Pública.

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