As emoções
transformaram o cérebro dos mamíferos há mais de 200 milhões de anos e
perpetuaram uma poderosa influência que se mantém viva em nossa espécie
Jovens beijam-se em Madri com a Catedral de Almudena ao fundo.
Foto Luis Sevillano
A expressão "inteligência
emocional" está incluída hoje no léxico de muitos, tanto de pessoas comuns
quanto de intelectuais ou celebridades. Até mesmo ministros usam a expressão em
seus comentários e alertas. Mas nem todo mundo se refere à mesma coisa quando
usa essa expressão. Para alguns, a inteligência emocional é algo como um tipo
de inteligência mais avançada do que a clássica, ou seja, do que a inteligência
analítica, medida em testes que fornecem resultados em quociente numérico.
Há também aqueles que se referem à
inteligência emocional pelo lado negativo, como uma incapacidade de controlar
as emoções: "Comporta-se como se não tivesse inteligência emocional".
Também não faltam aqueles que acreditam ser um novo tipo de inteligência recém-inventada,
pois, afinal de contas, o conceito de inteligência não é absoluto, tal como a
altura ou o peso de uma pessoa, pois sempre depende do critério do observador.
Outros, por sua vez, sequer sabem a que se referem quando falam sobre esse tipo
de inteligência. Talvez, por tudo isso, valha a pena tentar esclarecer o
conceito.
Há alguns anos, a popular revista Time colocou
na capa de uma de suas edições uma pergunta escrita em letras garrafais e
dirigida ao público em geral: "Qual é o seu quociente de inteligência
emocional?". A própria revista, em letras muito menores,
respondia: "Não é o seu quociente de inteligência. Nem sequer é um
número. Mas a inteligência emocional pode ser o melhor preditor de sucesso na
vida, redefinindo o que significa ser inteligente". Foi à época em que o
jornalista Daniel Goleman havia publicado seu conhecido e bem-sucedido
livro Inteligência Emocional, fazendo com que muitos acreditassem que ele
tinha criado ou descoberto esse (novo) tipo de inteligência.
O conceito também serviu para que
muitos ousassem desafiar a evolução biológica do cérebro e as habilidades
mentais, colocando a emoção à frente da razão, dando primazia à primeira.
Certamente, as emoções transformaram o cérebro dos mamíferos há mais de 200
milhões de anos e perpetuaram uma poderosa influência que se mantém viva em
nossa espécie até os dias atuais. Mas, em muito menos anos, embora não poucos,
cerca de 60 milhões, o cérebro dos primatas desenvolveu o neocórtex, o córtex
cerebral moderno, um acúmulo de neurônios altamente organizados e capazes de
dominar o resto do cérebro. Esse desenvolvimento conferiu, embora nem sempre
notemos, primazia à razão, ou seja, a capacidade de dominar os sentimentos.
O desenvolvimento ocorreu de uma
maneira muito especial, que tampouco costumamos perceber. Como um sujeito
fabuloso e perspicaz, a razão se propôs a dominar a emoção usando suas próprias
armas: uma emoção só pode ser eliminada por outra emoção, outra emoção que seja
mais forte e poderosa e/ou incompatível com a qual se deseja eliminar.
Qualquer pessoa que tenha sofrido uma
crise sentimental, como ser abandonada por seu parceiro, sabe muito bem que a
melhor maneira de superar essa crise não é tanto subestimar a perda, e sim
iniciar um novo romance. E, para isso, para despertar emoções incompatíveis com
as indesejáveis, é para o que serve a razão. Bem usada, a razão sempre será
mais poderosa do que as emoções. Tanto a razão quanto a emoção fazem parte do
sistema funcional que é a mente humana. Vão juntas e dependem uma da outra. A
inteligência emocional é a capacidade de lidar com as emoções usando a razão.
As emoções são o exército indispensável que continuamente mobiliza a razão.
Quem soube disso antes e melhor não
foi o jornalista Daniel Goleman, nem os psicólogos John Mayer e Peter Salovey,
da Universidade Yale (EUA), estudiosos modernos do conceito. Foi o imperador
romano Marco Aurélio (121-180 dC), que ficou conhecido como o sábio e
verdadeiro pai da inteligência emocional. Em seu imperecível trabalho, Meditações,
excelente tratado sobre a inteligência emocional, inclui a frase que todas as
faculdades de Psicologia deveriam esculpir com um martelo e cinzel sobre o
mármore de sua fachada: "Nossa vida é o que nossos pensamentos fazem
dela".
Ninguém captou melhor a essência
evolutiva da mente humana do que este grande filósofo da Roma Antiga; a
capacidade de raciocínio para modificar as emoções, a maneira de ver as coisas,
embora não possamos mudá-las.
Essa capacidade, afirma Marco Aurélio,
está sempre ao nosso alcance para facilitar a vida. Usando o neocórtex, podemos
fazer com que nosso raciocínio, nossas emoções e nosso comportamento se
encaixem. Esse encaixe é a verdadeira essência da inteligência emocional, uma
capacidade mental tão antiga quanto o próprio Homo sapiens.
Mas quem não deseje voltar a tempos
tão remotos, ainda resta à possibilidade de educar sua inteligência emocional
seguindo os passos do autor clássico espanhol mais lido e traduzido depois
de Cervantes, o jesuíta Baltasar Gracián (1601-1658). Sua obra A Arte
da Prudência, publicada em 1647 e traduzida em vários idiomas, às vezes em
belos formatos de papel bíblico e fita de referência, é um dos melhores
tratados sobre inteligência emocional que podem ser lidos atualmente.
Como relatado pelo EL PAÍS em 16 de
dezembro de 1993, seu autor nunca poderia imaginar que uma de suas traduções
nos EUA, de 1992, venderia mais de 100.000 cópias. Além disso, e respondendo a
uma pesquisa do The New York Times, a escritora Gail Godwin recomendou a
leitura da obra a políticos aspirantes às eleições presidenciais naquele
país. Na Espanha ou no Brasil, o mesmo conselho também poderia servir.
Autor:
Ignacio Morgado Bernal é diretor do Instituto de Neurociências da
Universidade Autônoma de Barcelona. Barcelona: Ariel, (2010).
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