Pezão é o
quarto governador consecutivo a terminar nas mãos da Justiça no Rio. Até quando
esse Estado será capaz de suportar semelhante vexame público?
Foto Ricardo Moraes - Reuters
O Cristo Redentor, símbolo protetor da
maravilhosa cidade do Rio, capital de um dos Estados mais importantes do
continente brasileiro, deve estar envergonhado. A corrupção de seus políticos e
governantes chegou a tal estágio que tudo parece podre. O governador Pezão,
que acaba de ser preso sob a acusação de ter roubado 40 milhões de
reais do Estado, passa a fazer companhia ao seu antecessor Cabral, condenado a
mais de 100 anos de cadeia.
Pezão é o quarto governador
consecutivo a terminar nas mãos da Justiça no Estado do Rio. Até quando esse
maravilhoso território dos deuses da cultura e da arte será capaz de suportar
semelhante vexame público?
Enquanto as televisões e os jornais
davam as imagens da detenção do governador Pezão — que pediu à polícia,
impávido, que “o deixassem tomar o café da manhã” antes de levá-lo —, eu
pensava em tantos humildes servidores públicos do Rio, de policiais a
professores, que estão com os salários atrasados e não conseguem sobreviver, a
ponto de alguns deles terem preferido o suicídio. Pensava nas filas às portas
dos hospitais sem recursos, nas Universidades públicas endividadas até os
olhos, na merenda minguada das crianças pobres das escolas, nas mais de mil
favelas abandonadas à violência cruzada do narcotráfico e de tantos
policiais vendidos.
Você acha estranho que, quando chega a
hora, o cidadão comum, que contempla indefeso toda essa podridão política, opte
por soluções-limites de candidatos radicais e pregadores da
violência? Não, a culpa de que cresça no Brasil o desejo iconoclasta de acabar
com “tudo isso aí” não nasce da índole violenta e irresponsável da gente
trabalhadora. Nasce da acumulada frustração do dia a dia com quem a governa e
saqueia.
A detenção do quarto governador
consecutivo do Estado de Rio, de vários partidos diferentes, revela que é todo
o sistema político como tal que está doente, e que esse mar de corrupção não
acabará enquanto não for feita uma reforma política drástica que, se não
impedir, pelo menos possam frear essa vergonha que sente o cidadão. Esse
trabalhador que sai de casa a cada dia, quando não está castigado pelo
desemprego, para ganhar honestamente o pão para sua família. Samuel, um desses
trabalhadores, que ganha 1.500 reais por mês num trabalho duro,
confidenciava-me hoje, vendo as notícias sobre o governador acusado de
corrupção, que não conseguia imaginar o que são os 40 milhões que Pezão teria
roubado. “Um milhão para mim já é muito difícil de pensar”, dizia-me.
Tem razão. De fato, se fizesse
cálculos, para poder ganhar esses 40 milhões, fruto de corrupção pela qual o
governador é acusado, meu amigo precisaria trabalhar nada mais e nada menos que
dois mil e quinhentos anos. Não, não é demagogia, é dor e injustiça que os
pobres acumulam até que acordam do seu pesadelo e dizem chega!
Enquanto isso, os senhores togados
do Supremo, que sempre acham pouco o seu salário e demais privilégios, preparavam-se
para legitimar um suculento indulto natalino decidido pelo presidente Temer,
que permitiria que mais de 20 corruptos, entre políticos e empresários, saíssem
da prisão.
Dizem que eles, em seu Olimpo, não têm
por que escutar a turma que grita por justiça nas ruas. Para eles, conta só a
fria letra da lei. Eles se esquecem que, junto com a garantia dessa letra
escrita, existe também o espírito da mesma, que está esculpido com sangue na
carne viva dos que perdem o sono por não saberem como pagar as contas do mês ou
como comprar um remédio para seu filho doente.
Até quando, Rio?
Autor: Juan Arias – El País
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