O Brasil,
apesar de todos os pesares, continua vivo e funcionando, à espera de dias
melhores!
Ainda era um estudante. Caminhava com
um grupo de colegas a mais de dois mil metros nas montanhas dos Picos de
Urbión, na província de Soria, na Espanha. De repente, uma névoa espessa
nos envolveu e quase não conseguíamos nos ver. Sem falar, percebemos o perigo
que corríamos. A noite estava caindo e não podíamos nos mover por medo de cair
em um precipício. O frio começava a açoitar nossos corpos jovens. É nesses
momentos que um pequeno detalhe pode ser tudo. De repente um colega mais
arrojado conseguiu andar alguns metros e vislumbrou uma luz que parecia ser um
fogo. Quase às cegas, nós o seguimos.
A coisa mais primitiva do mundo, a
mais essencial, um fogo aceso dentro de uma minúscula cabana de um pastor de
ovelhas iria nos salvar. O pastor, cujas mãos pareciam raízes, nos fez sentar
junto ao fogo. Esquentou uma tigela de leite. Tirou um pedaço de pão duro de
dentro de um saco. O banquete estava servido. Confortada nossa fome, aquecidos
pelo fogo, esperamos, quase sem falar, que amanhecesse e o nevoeiro se
dissipasse e que pudéssemos voltar ao acampamento. Muitos anos se passaram.
Nunca esqueci a sensação que tive ao constatar que o elemental, uma chama, uma
tigela de leite quente e um pedaço de pão duro, podem, em sua insignificância,
se tornar de repente um sonho de felicidade.
Hoje vivemos em uma sociedade em que o
que importa é o grandioso. Os superlativos primam. Na política, na religião e
na economia. Tudo é medido em trilhões e quintilhões. O que você escreve nas
redes vale a pena se as curtidas abundam. Não importa se te leram, se o que
você escreveu fez alguém pensar ou simplesmente sorrir. O que conta é o volume.
Não há espaço para a essência.
O insignificante, o invisível, o que
germina em silêncio, não tem lugar na mesa milionária do esbanjamento. Nada
mais sem valor do que um grão de arroz ou de trigo perdido entre os dedos. Mas
esse grão, junto com outros milhões, permite alimentar a humanidade. Poucas
coisas são tão insignificantes e frágeis quanto uma lágrima. Unidas, resumem,
no entanto, toda a dor e felicidade do mundo. O que nos faz estar vivos não é o
que aparece, mas o invisível que se move dentro do nosso corpo, dos átomos às
bactérias.
A história de cada um é um acúmulo de
fragilidades. Ninguém nasce super-homem, sábio ou herói. A luta nos curte e
fortalece. Entramos na vida insignificantes. Nada mais frágil do que um
recém-nascido. Chora perdido em um mundo desconhecido e hostil. Aprende a andar
caindo. O que nos fascina nele é a capacidade de superar sua fragilidade.
Sorrimos quando o vemos sair correndo sem cair. Nos emociona quando pronuncia a
primeira palavra vencendo a barreira que o introduz na sociedade do Homo
Sapiens.
Toda a nossa vida é uma corrida de
obstáculos. Dizemos às crianças, nos lugares de perigo, que se tomem pelas
mãos. Juntos somos mais fortes. Multiplicando insignificâncias, cruzamos melhor
as barreiras que a vida nos coloca.
Do insignificante nasceu o mais
sublime do ser humano. Com um punhado de letras, que não chegam a 30 nas
línguas latinas, o Homo Sapiens foi criando, ao longo dos séculos, seus monumentos
literários. Foi à mão de uma mulher ou de um homem que gravou a primeira
palavra em uma tabuleta de argila. Desde então o mundo não foi mais o mesmo.
Com a linguagem e a escrita, também
criamos algo ao mesmo tempo tão pequeno e grandioso quanto às metáforas e os
símbolos. Nas palavras, como na vida, o mais significativo geralmente é o que
brilha menos. Às vezes, as palavras com menos sílabas são as mais carregadas de
força simbólica. Nada mais expressivo do que um sim ou um não. Ou uma
interrogação.
A sociedade de hoje se engana quando
despreza o normal e corre em busca do surpreendente. Equivoca-se quando
prostitui a força dos símbolos. As mãos juntas são, por exemplo, a maior expressão
da convivência. A mão fechada, o punho, nos evoca presságios de guerra. Com a
mão aberta, se abençoa. Para poder empunhar uma arma, precisamos fechá-la.
As coisas mais belas da natureza
costumam ser flor de um dia. É esse gesto insignificante de piscar, frágil como
um cristal, que revela que existimos. Neste Brasil agitado e
perplexo, o mais significativo é que a roda do cotidiano funcione às 24 horas
do dia para que todos possam comer, mobilizar-se, ter luz e água. E se
divertir. Não são os grandes feitos o mais importante, mas esses 207 milhões de
pessoas que vivem sua vida feita de tristezas e alegrias, sem claudicar.
Tudo isso porque a força de eros e da
vida acaba sendo, como dizia Freud, mais poderosa do que a morte. A consciência
das pessoas é mais saudável do que os seus deslizes. A verdade do que vivemos é
maior do que todas as fake news que o poder tenta colocar sobre nossos ombros.
O Brasil, apesar de todos os pesares, continua vivo e funcionando, à espera de
dias melhores.
A minúscula cabana daquele pastor na
montanha, com o fogo aceso e sua acolhida amistosa no meio de um nevoeiro que
poderia ter sido mortal, me lembra ainda hoje que muito do que lutamos para
conquistar não vale a sensação que produz a força do essencial e do inesperado.
Autor:
Juan Arias - El País
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