O
pretexto agora são as vacinas. Enquanto isso, doenças que pareciam sob
controle, como o sarampo, proliferam em ritmo de epidemia medieval!
As estatísticas são aterradoras: nos
três primeiros meses de 2019, quadruplicaram os casos de sarampo em todo o
mundo. O alerta é da Organização Mundial da Saúde (OMS). No ano anterior, o
surto da moléstia – até então considerada sob controle, ao menos nos países
mais abonados – já vinha dando sinais de virar epidemia, causando “muitas
mortes, principalmente entre as crianças”.
Os números iniciais coletados até
início de abril nos 170 países monitorados pela OMS citam 112.163 casos desta
doença altamente infecciosa e potencialmente mortal. No mesmo período em 2018,
28.124 casos foram anotados.
Catalogado entre as “doenças da
infância”, o perigo do sarampo chegou a ser declarado abolido nas Américas
neste século, tendo o Brasil merecido da Organização Pan-Americana de Saúde um
certificado de erradicação da moléstia – certificado que está sob ameaça desde
2016, quando ocorrências tópicas passaram a pipocar, primeiro no Ceará, depois
em Roraima e no Amazonas, para o que a imigração de venezuelanos tem servido de
perfeita desculpa. Extraoficialmente avalia-se que, por ano, os casos de
sarampo no Brasil tenham chegado aos três dígitos.
Foto: Diogo Moreira/A2Fotografia
A África Subsaariana, foco endêmico de
todas as mazelas, está sendo bombardeada pela recente praga. De um ano para cá,
as ocorrências de sarampo cresceram 700%. Mas, muito embora as condições de
higiene determinem a maior ou menor facilidade de contágio, a atual irrupção em
escala global mostrou que o mal não discrimina suas vítimas por país ou classe
social. Países como a Geórgia e o Cazaquistão passaram a figurar, ao lado do
Sudão e de Madagáscar, na lista negra do sarampo. E, no mês passado, o prefeito
de Nova York, Bill de Blasio, declarou “estado de emergência sanitária” ao
saber que, de um ano para outro, o número de pessoas infectadas numa única área
da cidade, a comunidade de judeus ortodoxos do Brooklyn, passara de 2 para 285. O pretexto agora são as vacinas. Enquanto isso, doenças que pareciam sob
controle, como o sarampo, proliferam em ritmo de epidemia medieval.
As estatísticas são aterradoras: nos
três primeiros meses de 2019, quadruplicaram os casos de sarampo em todo o
mundo. O alerta é da Organização Mundial da Saúde (OMS). No ano anterior, o
surto da moléstia – até então considerada sob controle, ao menos nos países mais
abonados – já vinha dando sinais de virar epidemia, causando “muitas mortes,
principalmente entre as crianças”.
Os números iniciais coletados até
início de abril nos 170 países monitorados pela OMS citam 112.163 casos desta
doença altamente infecciosa e potencialmente mortal. No mesmo período em 2018,
28.124 casos foram anotados.
Catalogado entre as “doenças da
infância”, o perigo do sarampo chegou a ser declarado abolido nas Américas
neste século, tendo o Brasil merecido da Organização Pan-Americana de Saúde um
certificado de erradicação da moléstia – certificado que está sob ameaça desde
2016, quando ocorrências tópicas passaram a pipocar, primeiro no Ceará, depois
em Roraima e no Amazonas, para o que a imigração de venezuelanos tem servido de
perfeita desculpa. Extraoficialmente avalia-se que, por ano, os casos de
sarampo no Brasil tenham chegado aos três dígitos.
A África Subsaariana, foco endêmico de
todas as mazelas, está sendo bombardeada pela recente praga. De um ano para cá,
as ocorrências de sarampo cresceram 700%. Mas, muito embora as condições de
higiene determinem a maior ou menor facilidade de contágio, a atual irrupção em
escala global mostrou que o mal não discrimina suas vítimas por país ou classe
social. Países como a Geórgia e o Cazaquistão passaram a figurar, ao lado do
Sudão e de Madagáscar, na lista negra do sarampo. E, no mês passado, o prefeito
de Nova York, Bill de Blasio, declarou “estado de emergência sanitária” ao saber
que, de um ano para outro, o número de pessoas infectadas numa única área da
cidade, a comunidade de judeus ortodoxos do Brooklyn, passara de 2 para 285.
A epidemia chegou a países ricos. Em
Nova York, o foco é a comunidade de judeus ortodoxos. Há o dedo de Deus, ou dos que falam em
nome Dele, na tragédia. Aferrados à leitura literal do Velho Testamento, os
judeus hassídicos de Crown Height e arredores tendem a ser resistentes aos
progressos da ciência médica mesmo diante de casos extremos de vida e morte. A
intolerância obtusa condena não apenas as crianças da comunidade, mais
vulneráveis ao sarampo, como também facilita a propagação do vírus insidioso
para além das fronteiras do gueto.
Galileu Galilei Charles Darwin
É desumano, incompatível com o estágio
civilizatório atual, que se sacrifiquem rebentos no altar de Abraão a fim de se
satisfazer crendices obscurantistas e ideias perdidas na escuridão dos séculos.
E o judaísmo ortodoxo, ou facções dele, está longe de ser um exemplo isolado. O
catolicismo tem um longo prontuário no que diz respeito a confrontar quem
desafia seus dogmas – embora a própria essência da ciência seja o cultivo
permanente da dúvida, até que a verdade, depois de testada, seja comprovada.
Galileu Galilei teve de se esquivar da
fogueira da Inquisição, quatro séculos atrás, fingindo não acreditar, como ele
próprio demonstrara, nas pegadas do polonês Nicolau Copérnico, que a Terra era
um mero planeta e não o centro do universo, como queria a cosmogonia cristã. Há
gente no Brasil miliciano que ainda recusa o Sistema Solar. Outro baque no
narcisismo religioso veio de Charles Darwin, no século XIX, ao observar que
foram os acasos filogenéticos e as ocorrências mutantes que produziram o homem,
nada a ver com o sujeito moldado em barro pelo Criador, “à sua imagem e
semelhança”. Para as seitas que leem a Bíblia ao pé da letra, Darwin ainda hoje
é impossível de engolir.
O anticientificismo e o
anti-intelectualismo que vicejam entre os cultos evangélicos menos esclarecidos
convertem-se, na prática, numa negação radical da Medicina. Se dá errado a
cura, é culpa dos médicos; se dá certo, é pela graça divina. O seriado Sob
Pressão, criado por Jorge Furtado e já com duas temporadas na Globo, é um
admirável retrato do dia a dia de um hospital de subúrbio no qual as
precariedades brutais são desafiadas pela abnegação teimosa da equipe. O
ingrediente agravante são a superstição e a patetice dos familiares: os mórmons
que recusam transfusões de sangue, os pentecostais que esperam pela
manifestação do Espírito Santo, os adversários da vacinação obrigatória.
O Brasil tem tradição neste último
quesito. Em novembro de 1904, inconformada com a obsessão higienista da jovem
República, a população da capital prorrompeu num quebra-quebra que durou uma
semana. O pretexto era a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola
comandada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz.
Cartão postal de 1904 com cena da
Revolta da Vacina: a jovem República higienista irritou o populacho do Rio com
a vacinação por decreto
Um levante eminentemente popular. Nos
Estados Unidos do século XXI, ao contrário, o movimento dos antivaxxers é
midiático e se veste de glamour. Muitas das estrelas de Hollywood se tornaram
militantes, em grande parte influenciadas pela Cientologia, um conjunto de
crenças e práticas de autoajuda criado pelo Ron Hubbard em 1952. Encontrou solo
fértil naquela Califórnia paz e amor que odeia os tratamentos clínicos
tradicionais, defende o parto natural e desconfia de uma conspiração orwelliana
do Estado contra o indivíduo. Muito da expansão da aids na populosa comunidade
gay de San Francisco, no início da década de 1980, ocorreu por resistência à
profilaxia proposta pelas autoridades sanitárias – como se o Estado nada tivesse
a ver com a intimidade do cidadão.
Autor:
Nirlando Beirão – Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário