O DISCURSO OFICIAL É MENTIROSO, MAS É PRECISO RECONHECER QUE GASTOS PREVIDENCIÁRIOS NÃO SÃO SUSTENTÁVEIS (FOTO; AGENCIA BRASIL)
O debate sobre previdência sempre
suscita paixões e ideologias. No afã de ganhar no grito, vários números são
jogados de maneira distorcida e desonesta. São elencados, abaixo, alguns pingos
nos is. É preciso reconhecer que os gastos
previdenciários vêm crescendo acima da variação do PIB desde 1997 e essa
trajetória não é sustentável. Além disso, é verdade que a partir de 2024 haverá
um aumento da população dependente derivada da ampliação da expectativa de vida
e do envelhecimento populacional. Também é fato que gastamos mais em
previdência do que alguns países que possuem mais idosos do que há aqui.
Entretanto, diz a Constituição que
cabe ao Estado uma parte do financiamento da previdência, o que não é uma
peculiaridade do Brasil. França, Alemanha, Bélgica, Espanha e Portugal, por
exemplo, têm contribuições estatais muito superiores ao Brasil para financiar a
previdência. Atualmente, a União entra com aproximadamente 22% da despesa. Essa
fatia passa de 50% na Suécia, na Irlanda, na Dinamarca e no Reino Unido.
Não é honesto que, nos documentos
oficiais do governo sobre a reforma, esteja o resultado negativo atual para
justificá-la. Desde 2015, o País está em um período de recessão ou estagnação
econômica, isso quer dizer que as receitas fiscais e previdenciárias caíram
muito, ao passo que despesas, como seguro-desemprego, aumentaram. São fatores
conjunturais e o debate sobre previdência deve ser de longo prazo.
Há que considerar que atualmente 30%
das receitas da União são desvinculadas. Parte delas é para financiar a
previdência e está sendo distribuída para outros fins. Adicionalmente, no
governo Dilma, o executivo enviou propostas de desonerações e o Congresso
Nacional as ampliou a diversos setores, o que contribuiu para a redução das
receitas previdenciárias. Tal fato torna ainda mais desonesto o debate a partir
do quadro atual da previdência, que apresenta números muito ruins.
Parte da desonestidade no discurso
oficial diz respeito aos argumentos sobre os servidores públicos. O Regime
Próprio de Previdência Social (RPPS), de fato, foi origem de ampliação de
desigualdades e garantia de privilégios. Entretanto, já houve seis alterações
constitucionais na previdência desde 1988. Em 2003, aqueles servidores públicos
que recebem acima do teto do INSS, passaram a contribuir perpetuamente com uma
alíquota de 11%, mesmo após a aposentaria (E.C 41/03). Essa contribuição foi
fundamental para corrigir distorções, além de gerar receitas para a União.
As propostas de ampliação desta
alíquota para 14% e o estabelecimento de alíquotas progressivas são razoáveis.
Além disso, os servidores públicos federais que entraram após 2003 não se
aposentam com a integralidade de seus salários e não há mais paridade entre os
servidores ativos e inativos. Dessa forma, é falsa a afirmação que acabarão com
a integralidade.
Já os servidores de todos os poderes
que ingressaram após 2012, com exceção dos militares, estão limitados ao teto
do INSS, tal qual o setor privado (E.C. 70/2012). Isso é válido inclusive para
Ministros do STF. Caso queiram obter uma aposentadoria maior, devem contribuir
separadamente. Essa última alteração, ocorrida no governo Dilma, foi muito
relevante no sentido de equalizar os regimes previdenciários no Brasil.
Dessa maneira, há um ajuste de longo
prazo em curso na previdência dos servidores públicos e a despesa desses em
percentual do PIB é declinante desde 2003. A partir de 2024 alguns resultados
mais expressivos devem aparecer, haja vista que a parcela de servidores que se
aposentaram no sistema antigo vai diminuir. No que toca aos estados e
municípios, muitos já aderiram a esse sistema e aqueles que não aderiram, devem
fazê-lo.
Temos um problema mais sério nos
militares. Eles contribuem com um percentual menor, por menos tempo e se
aposentam com salários maiores. Há paridade e integralidade e a proposta na
mesa não busca acabar com esses direitos que os demais servidores não possuem há
16 anos. Há propostas de ampliação do tempo de contribuição e também de
alíquotas previdenciárias, que continuariam mais vantajosas do que são para
todos os demais cidadãos. Eles são poucos, mas a participação nas despesas é
muito mais do que proporcional. De toda forma, o famoso direito a pensão
de filhas solteiras deixou de valer para quem entrou após 2001. Há previsão
de cobrança de alíquotas sobre tais pensionistas, que são bem-vindas.
Tínhamos excessos no sistema de
pensões, que precisam mesmo de correção. Entretanto, mais uma vez, já houve
reformas e seu resultado virá em longo prazo. Em 2015, o direito a pensão vitalícia
passou a ser apenas para quem possui mais de 44 anos de idade. Já para um
dependente de 21 anos, por exemplo, a pensão dura apenas três anos.
A despesa com o Benefício de Prestação
Continuada deve sair do debate previdenciário. Trata-se de uma política pública
assistencial, sem contrapartida contributiva. É um pacto social que não
deixemos os idosos morrer de fome, eles recebem um salário mínimo e somam hoje
quase 5 milhões. A despesa deve ser coberta 100% com recursos da União e o
“déficit” é de 100%.
A aposentadoria rural é também,
em grande medida, uma política assistencial. Não há exigência de contribuição,
apenas de comprovação de que houve atividade no campo. Trata-se de uma
compensação histórica efetuada aos trabalhadores deste segmento, haja vista que
eles não possuíam direitos trabalhistas e previdenciários até 1988. Mas temos
quase 10 milhões de aposentados rurais atualmente, quase todos recebem um
salário mínimo e não cabe falar em “déficit”. A despesa é quase integralmente
coberta com recursos da União, porque assim foi pactuado no passado. Se há
desejo da sociedade alterar esse direito, que seja discutido, mas que se tire
da conta esse “déficit”.
Isso tudo posto, fica evidente que o
aperto proposto nos trabalhadores urbanos é excessivo. Até pouco tempo atrás, o
resultado previdenciário deste setor estava positivo. Eles compõem a esmagadora
maioria da população brasileira e 2/3 desses se aposentam com um salário
mínimo. Não é possível considerar “o déficit previdenciário” como um todo,
dadas todas as informações expostas acima.
Estabelecer uma idade mínima de 65
anos para homens e 62 para as mulheres, com ampliação progressiva a partir de
alterações demográficas é um absurdo em um país tão heterogêneo como o Brasil.
Há regiões em que a expectativa de vida é próxima a isso e há outras regiões em
que as pessoas vivem muito mais. Uma regra uniforme e um corte tão elevado de
idade é perverso com aqueles que começam a trabalhar antes e com quem vive
menos (os mais pobres).
A proposta de regime de
capitalização é indizível. Representa um rebaixamento previdenciário muito
expressivo para a grande maioria dos contribuintes. Possui um custo de
transição extremamente elevado e 60% dos países que adotaram voltaram atrás.
O debate público precisa ser mais
honesto e verdadeiro. É preciso considerar os ajustes já efetuados, separar
mais as contas e os tipos de previdência, considerar as desonerações efetuadas,
levar em conta o quadro conjuntural e estabelecer regras menos duras com alguns
cidadãos. Os excessos do passado em pensões e nos servidores públicos já estão
em correção. Não podemos punir as gerações presentes e futuras pelas regras
anteriores, as quais já foram corrigidas, mas seus resultados contábeis ainda
não são plenos.
Autor:
Rober Iturriet Avila
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