"Os
conselhos não são para referendar o que o governo quer, são para ouvir, propor
e recomendar. Os conselhos servem exatamente para fazer o que o nome sugere:
aconselhar."
A Constituição Federal enfatiza,
repetidas vezes, a necessidade de garantir o caráter democrático e
descentralizado da administração pública, a democratização dos processos
decisórios, através da participação da comunidade e da sociedade nos processos
de formulação das políticas públicas, e de monitoramento e accountability da
sua execução (ex. arts. 194, 198, 204, 216). Os conselhos, fóruns e órgãos
colegiados são espaços, ou instâncias, que permitem pôr em prática este
preceito constitucional. Não são contra o governo. Pelo contrário, existem para
fortalecer o Estado.
Essas instâncias podem ser consultivas
e/ou deliberativas. No caso da Saúde, o Conselho Nacional é o órgão máximo de
tomada de decisão. Geralmente, os conselhos têm claramente definidas as suas
estruturas, que na maioria das vezes são de composição paritária entre
representantes do governo e representantes da sociedade civil.
Têm, igualmente, mecanismos claros de
eleição de seus integrantes com critérios que exigem atuação e experiência
comprovadas na área específica. São uma expressão da democracia representativa
e participativa. A participação neles é voluntária e não remunerada. Geralmente
reúnem pessoas de notório saber com grande capacidade para contribuir com o
aprimoramento das políticas públicas, seja na formulação das mesmas, seja no monitoramento
de sua execução. São espaços próprios da democracia. Na Grécia Antiga, o espaço
era a praça pública, hoje são os conselhos.
Os conselhos não são para referendar o
que o governo quer, são para ouvir, propor e recomendar. Os conselhos servem exatamente
para fazer o que o nome sugere: aconselhar. São espaços que permitem consultar
diferentes áreas do governo, especialistas e representantes da sociedade civil
reunidos neles sobre propostas de políticas públicas antes de serem lançadas, a
fim de ouvir sugestões, críticas e elogios, visando assegurar que sejam as mais
adequadas possíveis.
Quando várias pessoas pensam juntas em
torno de uma questão, as chances de errar são menores. A população não é o
problema, é parte da solução. Podemos dar o exemplo do programa brasileiro de
aids, que se tornou uma referência mundial, porque escuta as pessoas mais
afetadas pela epidemia e formula as políticas de acordo com suas necessidades,
fundamentadas em princípios de direitos humanos e critérios epidemiológicos,
conforme preconiza a lei orgânica do Sistema Único de Saúde.
Otimizar recursos, ninguém é contra. É
possível sim usar as tecnologias para realizar reuniões virtuais. No entanto,
as reuniões presenciais são fundamentais porque permitem um grau de articulação,
diálogo e entendimento que não é possível no ambiente virtual.
Entende-se que a atual administração
federal se comprometeu e tem preocupação com um governo “mais” enxuto, com
menos gastos. No entanto, suspender e colocar em xeque os conselhos e instâncias
afins não previstos em lei representa uma possível ameaça à democracia e aos
mecanismos democráticos decisórios construídos no Brasil nos últimos 30 anos.
Destituir esses mecanismos teria implicações muito além da diminuição de
despesas: surge à sombra de um possível regime autoritário e antidemocrático,
com tomada de decisão monocrática alheia aos preceitos constitucionais da
participação da sociedade neste processo. Para preservar a tomada democrática
de decisões sobre questões que afetam diretamente a população, o Estado precisa
de conselhos.
Autor:
Toni Reis - Professor, formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR), é especialista em sexualidade, mestre em Filosofia e doutor em
Educação. Publicado no Congresso em Foco!
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