Em meio a dúvidas, incertezas e muita
polêmica, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo presidente Jair
Bolsonaro traz uma série de mudanças no sistema previdenciário e na forma como
o brasileiro lida com a aposentadoria. Para esclarecer os principais pontos do
texto encaminhado ao Congresso, o Jornal da Cidade ouviu o advogado,
conciliador e palestrante Ailton Tipó Laurindo, mestre em direito
previdenciário e professor universitário.
Vale destacar, contudo, que ainda há
um longo caminho pela frente, já que a reforma da Previdência terá de ser
aprovada pelo Congresso Nacional para entrar em vigor. Por alterar regras da
Constituição Federal, ela foi apresentada como Proposta de Emenda à
Constituição (PEC), que demanda, no mínimo, três quintos de votos favoráveis da
Câmara dos Deputados e do Senado.
A reforma precisará ganhar a adesão,
portanto, de 308 deputados e 49 senadores. Neste momento, o texto está sob
análise da Comissão Especial da Reforma da Previdência da Câmara dos Deputados,
formada por um grupo de parlamentares. Se aprovado, seguirá para a ordem do dia
do plenário da Casa para votação.
Veja, abaixo, quais são os principais
impactos da reforma na vida dos cidadãos, segundo Ailton Tipó.
1. Qual é a
mudança nas regras gerais para concessão da aposentadoria?
A
aposentadoria pelo fator previdenciário e pela fórmula 86/96 deixam de existir.
A idade mínima aumenta de 60 para 62 anos para as mulheres e se mantém em 65
anos para os homens. O tempo mínimo de contribuição, para ambos, vai para 20 anos.
Hoje, com 15 anos de contribuição, a pessoa se aposenta com 85% da média
salarial. Com a nova regra, se aposentará com 20 anos de contribuição e
receberá 60% da média salarial (para cada ano que ultrapassar 20 anos de
contribuição, são acrescentados mais 2% na média salarial). "E vale
destacar que, na regra atual, a média salarial considera os 80% maiores
salários de contribuição desde julho de 1994, enquanto a nova proposta
considera todos os salários de contribuição desde julho de 1994, sem descartar os
valores menores", destaca.
2. Pode nos dar
um exemplo prático desta mudança?
Um
trabalhador com 65 anos de idade, 20 anos de contribuição e média salarial de
R$ 2.240,90 receberia 90% da média salarial, ou seja, R$ 2.016,81. Com a
reforma, esse mesmo trabalhador teria média salarial de R$ 1.899,41 e receberia
60% da média, ou R$ 1.139,65. "É uma mudança na base de cálculo que
impacta, também, em outros benefícios, como o auxílio doença e aposentadoria
por invalidez", acrescenta.
3. Depois da
reforma, como será possível receber a aposentadoria integral?
Para
receber 100%, é preciso contribuir por 40 anos. Quem contribui mais de 40 anos
tem aposentadoria maior, de até 110%. Hoje, pelo fator previdenciário, podem
receber a aposentadoria integral a mulher com 30 anos de contribuição e o homem
com 35 anos de contribuição.
4. Como a reforma
irá funcionar para quem está perto de se aposentar?
Para
estas pessoas, o governo propõe três regras de transição. A primeira é a idade
mínima progressiva, de 56 anos para mulheres até chegar a 62 anos, em 2031, e
61 anos para homens, até atingir 65 anos em 2027 (a cada ano, a idade para se
aposentar sobe meio ano). Para elas, o tempo mínimo de contribuição é de 30
anos e, para eles, de 35 anos. A
segunda é o sistema de pontos: para a mulher, a soma da idade com o tempo de
contribuição deve ser de 86 pontos, mas a pontuação sobe um ponto a cada ano
até chegar a 100 pontos em 2033. Para o homem, a soma deve ser de 96 pontos,
com a pontuação chegando a 105 pontos em 2028. Elas devem ter ao menos 30 anos
de contribuição e eles, 35 anos.
O
terceiro e último é o pedágio, que só vale para quem está a dois anos de pedir
a aposentadoria. Ele permite aposentadoria aos 30 anos de contribuição, para
mulheres, e 35 anos de contribuição, para homens, com acréscimo de 50% do tempo
que falta para se aposentar. Exemplo: um trabalhador que está a 18 meses de se
aposentar no momento em que a nova regra entrar em vigor, terá de trabalhar
mais outros nove meses e poderá se aposentar.
5. A idade mínima
pode aumentar daqui a alguns anos?
Sim.
A proposta é que o limite seja aumentado toda vez que a expectativa de vida da
população aumentar. "A aferição será feita a cada quatro anos pelo IBGE.
Se a expectativa de vida aumentar em um ano, a idade mínima também será elevada
em um ano, para homens e mulheres", afirma. Exemplo: pela regra atual, uma
mulher de 40 anos com atuais 15 anos de contribuição se aposentaria com 55 anos
de idade. Na nova proposta, ela não se enquadraria em nenhuma regra de
transição e poderia se aposentar somente com 62 anos. Se a expectativa de vida
aumentar um ano a cada quatro anos, sua aposentadoria só será possível perto
dos 70 anos.
6. Qual a idade
mínima proposta para aposentadoria de trabalhadores rurais?
Hoje,
trabalhadores rurais podem se aposentar com 60 anos de idade (homem) e 55 anos
(mulheres), com 15 anos de contribuição em atividade rural. A proposta é de
aposentadoria com 60 anos de idade e 20 anos de contribuição para homens e
mulheres.
7. Quem já cumpre
as exigências, mas ainda não se aposentou pode perder o direito?
Mesmo
que o segurado não peça o benefício agora, o chamado direito adquirido continua
valendo. A orientação é procurar um advogado de confiança para avaliar qual o
melhor momento para requerer a aposentadoria.
8. Há alguma mudança
para quem é aposentado e continua trabalhando?
A
principal é que ele não terá mais direito a multa de 40% do FGTS se for
demitido.
9. Como ficará o
reajuste anual da aposentadoria?
A
proposta não diz se haverá mudança nos critérios de reajuste, mas tira da
Constituição a reposição da inflação para os benefícios acima de um salário
mínimo. A definição das regras dependerá de lei complementar
Capitalização,
PIS e pensão por morte: O advogado Ailton Tipó Laurindo explica detalhes da
proposta de implantar um sistema de Previdência por capitalização, fala das
mudanças para quem precisar mover ações contra o INSS e como fica o benefício
assistencial pago a idosos sem renda ou deficientes. Comenta, ainda, as
alterações no cálculo do valor da pensão por morte do cônjuge e do pagamento do
PIS para quem tem renda até dois salários mínimos.
10. Como
funcionará o sistema de Previdência por capitalização?
O
sistema atual é o de repartição, em que os trabalhadores da ativa contribuem
para pagar o benefício de quem está aposentado. Após a reforma, os segurados
poderão optar pelo sistema de capitalização, em que cada trabalhador poupa para
a própria aposentadoria. Esse sistema ainda não foi detalhado e depende de lei
complementar. "Há uma preocupação, contudo, sobre como será o
financiamento dos que estão para se aposentar, se começar a haver redução
significativa de contribuições pelo sistema de repartição", acrescenta
Tipó.
11. Haverá
mudança no valor da pensão por morte paga pelo INSS?
O
valor, hoje, é 100% do benefício do segurado que morreu, se ele for aposentado.
Se ainda estivesse na ativa, o pagamento é o valor médio dos 80% maiores
salários de contribuição desde julho de 1994. Quando os filhos completam 21
anos, a cota deles fica com o cônjuge. Com a reforma, o percentual cai para 60%
para o cônjuge, mais 10% por filho, até o limite de 100%. As cotas deixam de
ser pagas para os filhos quando completam 21 anos, sem transferência de valores
para o cônjuge.
12. Qual
a mudança para mover ações contra o INSS?
Moradores
de municípios pequenos que não têm sede da Justiça Federal, como Agudos,
Pederneiras, Pirajuí e Lençóis Paulista, terão de ir até Bauru, Lins, Botucatu
ou Avaré para mover ações contra o INSS, como, por exemplo, para questionar um
auxílio-doença cancelado. Hoje, estes moradores podem ingressar com ações na
Justiça Estadual.
13. A
reforma muda a forma de pagamento do PIS?
Hoje,
tem direito a receber o PIS (que equivale a um salário mínimo por ano) quem tem
renda até dois salários mínimos. Com a reforma, o limite muda para quem recebe
até um salário mínimo.
14. E
como fica o direito ao benefício assistencial pago a idosos sem renda ou
deficientes?
O
BPC, concedido a pessoas de alto grau de vulnerabilidade, que tem renda per
capita familiar menor de um quarto de salário mínimo (menos de R$ 250,00),
continuará a existir, mas com novas regras. Hoje, o benefício é de um salário
mínimo (R$ 988,00) para idosos com idade mínima de 65 anos. Com a reforma,
serão criadas duas categorias: para quem tem entre 60 e 69 anos, o valor do
benefício passará a ser de R$ 400,00 e, para quem tem 70 anos ou mais, fica
mantido o pagamento de um salário mínimo. Vale lembrar que quem possui entre 65
e 69 anos e já tem direito ao benefício continuará recebendo um salário mínimo.
Entrevista
publicada no Jornal da Cidade - Bauru
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