Algo me
inquieta muito, o silêncio das ruas!
Sabíamos que Jair Bolsonaro é um
iletrado primitivo, tosco até o extremo limite da ignorância e do
desconhecimento do mundo, mas temos de admitir que, na Presidência da
República, consegue se superar. Quanto aos filhos, às três cabeças do
Cérbero do nosso Inferno, sabíamos seguirem os passos paternos, com a obsessiva
disposição a empunharem armas leves e pesadas e a simpatia declarada por
torturadores do passado e as gangues do presente, ditas milícias. Eles também
conseguem superar-se. Quem os orienta é autor de um livro intitulado O
Mínimo Que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota.
Aplicado a ele próprio, mostra uma
condescendência terrificante: Olavo de Carvalho, trânsfuga do manicômio,
é matto da legare, louco para a camisa de força, como caberia dizer em
italiano. Isso também era do conhecimento até do mundo mineral, mas
reencontrá-lo hoje como ideólogo do bolsonarismo diz tudo a respeito da
situação de absoluta demência em que o País precipita.
A ilustrar melhor a personalidade do
“astrólogo”, como o define o vice-presidente Mourão, ele acaba de atacar
os militares chamados a sustentar o governo com a cavalaria da sua verborragia
de Napoleão de hospício. Trata-se, neste caso, de mais uma prova de sua
gravíssima enfermidade mental.
Nesta moldura aterradora sem deixar de
ser cômica, o que mais me impressiona e me dói é a tranquilidade das ruas, a
indiferença, a insensibilidade, a tibieza gerais, sem excluir a inércia de
agremiações consideradas vermelhas, ou comunistas, pelos governantes atuais do
nosso peculiar país. Até a mídia, ao se afastar de Bolsonaro, encarado com maus
olhos pelo deus mercado, não altera o inesgotável apoio ao ódio social e
racial.
A pantomima encenada pelo STJ ao
meter sua colher prepotente no caldeirão do julgamento de Lula confirma que a
prisão do ex-presidente é o único motivo de união entre os envolvidos no golpe
que começa pelo impeachment de Dilma Rousseff e deságua na eleição de
Bolsonaro, e eleva Sérgio Moro à condição de deus ex machina da
operação encomendada por Tio Sam, no momento descabelado debaixo da cartola.
A contenda que opõe o bolsonarismo
apoiado pela Lava Jato e o Supremo exibe nas pregas do seu desenvolvimento as
evidências do totalitarismo em marcha. Se o conge de dona Rosângela é
o vilão-mor, a tanto merece ser alçado graças à conivência criminosa do STF,
partícipe fatal do golpe de fio a pavio. E está claro o porquê do denominador
comum chamado Lula: voltasse ele à Presidência, conforme certamente se daria,
seria o entrave decisivo ao propósito de Washington de recolocar o Brasil no
centro do seu quintal. Eliminá-lo à força da ribalta eleitoral foi à saída e o
capitão levou com o beneplácito dos senhores da casa-grande, dispostos, na
emergência, a agarrar em fio desencapado, como diria Plínio Marcos.
O país da casa-grande e da senzala
chegou à Idade Média mais profunda e as duas entidades funcionam com crescente
pontualidade. Belos versos escreveu Orestes Barbosa: a porta do barraco
era sem trinco/ e a Lua furando nosso zinco/ salpicava de estrelas nosso
chão/ e tu pisavas os astros distraída.
E lá vem a punhalada instigada pelo
senhor feudal: sem saber que a ventura desta vida/ é o barraco, a cabrocha
e o violão. Quando adolescente me irritava a cantoria: Mangueira, seu cenário
é uma beleza. Visto de qual ângulo, caras-pálidas? O que me inquieta na zona
miasmática situada entre o fígado e a alma é a forma mentis a nutrir
tanta inércia e tanta resignação, como se a desigualdade estivesse escrita nas
estrelas.
Penso nos condimentos da receita. A
crença na ginga incomparável, na malemolência, na picardia matreira, e também
no passa-moleque, no “levar vantagem”, no golpismo miúdo e graúdo, no maldito
jeitinho. Acrescentem o sorriso de superioridade do sambista e do futebolista e
a convicção de que a glória da pátria amada, idolatrada, salve, salve, está no
gramado e no batuque carnavalesco fadado a encantar o mundo.
Ao cabo de 519 anos de existência,
insuficientes nas nossas plagas para criar uma nação, tamos aí a padecer
Bolsonaro na cabeça enquanto o povo, quase sempre abandonado por quem haveria
de iluminá-lo, trafega pelo Limbo.
Autor:
Mino Carta – Carta Capital
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