A
lei define saneamento: abastecimento e tratamento de água, esgotamento
sanitário e manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais!
Em um país com mais de 55 milhões de
pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, privatizar o saneamento é
prejudicar e condenar os pobres. Como se não bastasse a insensibilidade para
com a saúde de milhões de pessoas privatizar o saneamento é condenar também o
meio ambiente. Esgotos e lixo não coletado e ou, não tratado, é fator de
poluição de rios, córregos e praias. Desde a redemocratização, o País assistiu
a diversos ataques ao sistema público de saneamento, resistindo a alguns,
sucumbindo a outros.
O último golpe foi desferido por
Michel Temer que, no apagar das luzes, editou a Medida Provisória nº 868 que
ressuscita um texto do governo Fernando Henrique Cardoso. A medida acaba com a
possibilidade do contrato programa ser assinado por dois entes públicos,
privilegiando nas licitações as empresas privadas. Empresas que trabalham sob a
lógica da maximização do lucro, que não abrange os mais pobres.
A lei define saneamento: abastecimento e tratamento de água, esgotamento
sanitário e manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais.
Em um país com mais de 55 milhões de
pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, privatizar o saneamento é
prejudicar e condenar os pobres. Como se não bastasse a insensibilidade para
com a saúde de milhões de pessoas privatizar o saneamento é condenar também o
meio ambiente. Esgotos e lixo não coletado e ou, não tratado, é fator de
poluição de rios, córregos e praias. Desde a redemocratização, o País assistiu
a diversos ataques ao sistema público de saneamento, resistindo a alguns,
sucumbindo a outros.
O último golpe foi desferido por
Michel Temer que, no apagar das luzes, editou a Medida Provisória nº 868 que
ressuscita um texto do governo Fernando Henrique Cardoso. A medida acaba com a
possibilidade do contrato programa ser assinado por dois entes públicos,
privilegiando nas licitações as empresas privadas. Empresas que trabalham sob a
lógica da maximização do lucro, que não abrange os mais pobres.
Segundo dados da Munic (Pesquisa de
Informações Básicas Municipais), um terço dos municípios brasileiros não tem um
programa de saneamento estabelecido. Cerca de 70% da população que compõe o
déficit de acesso ao abastecimento de água possui renda domiciliar mensal de
até 1/2 salário mínimo e dados do IBGE apontam um salto de quase 2 milhões de
pessoas a mais vivendo em situação de pobreza de 2017 para 2018.
Isso significa que é a população mais
pobre que está mais vulnerável à falta de saneamento e à água. Em um sistema
sanitário orientado para o lucro, os mais pobres têm menos chance de serem
contemplados. Precisamos de um modelo capaz de promover a universalidade do
saneamento, e é essa decisão que se apresenta para nós hoje. Mas para tomá-la,
precisamos entender como chegamos aqui.
Uma longa luta
No Brasil, o processo neoliberal teve
início durante o governo de Fernando Collor nos anos 1990, com a abertura do
mercado brasileiro e as primeiras propostas de desestatização, e avançou no
governo de Itamar Franco com a privatização da CSN (Companhia Siderúrgica
Nacional). Mas, mesmo em meio de um feroz cenário econômico neoliberal, nenhum
dos dois presidentes ousou propor a privatização do setor energético e de
saneamento. Foi só com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a
Presidência da República que a agenda de privatização para ambos os setores foi
inaugurada.
No setor elétrico e de
telecomunicações, a agenda neoliberal se traduziu na privatização da Telebras e
das distribuidoras de energia. No saneamento, porém, o então presidente FHC
esbarrou em uma questão: a titularidade. Isso porque desde a Constituição de
1930 o saneamento brasileiro prevê que o titular do serviço de saneamento é o
município. Mesmo os governos autoritários da Ditadura Militar respeitaram essa
premissa, tanto que na década de 1960 foram criadas as empresas estaduais de
saneamento, obrigando os municípios a se conveniarem com estas empresas para
terem acesso aos recursos do governo federal.
Foi só em 1985, com a
redemocratização, que esta medida cai, fazendo com que os recursos da União
passassem a ser disponibilizados para todos os entes da federação. Foi uma luta
e também uma conquista. Assim, as companhias passaram a se fortalecer por meio
dos convênios com os municípios. O município que não se conveniasse com a
empresa estadual não teria acesso aos recursos do governo federal.
Apesar desta obstrução, cerca de 1.600
municípios se mantiveram sem assinar convênio e prestando diretamente os
serviços de saneamento no âmbito de seu município, inclusive o município de
Porto Alegre que não é conveniado com a empresa estadual, a Corsan (Companhia
Riograndense de Saneamento).
Foi este imbróglio que não permitiu a
privatização das empresas estaduais, uma vez que estas, na qualidade de
concessionárias das prefeituras, não poderiam privatizar os serviços sem
autorização municipal. Diante deste impasse e da necessidade de convencer
individualmente os 5.570 prefeitos a vender as empresas, o processo de
privatização foi travado.
O governo federal, então, cria um
projeto de lei para cassar a titularidade dos municípios nas regiões
metropolitanas. Nessa ocasião, nós, movimentos sindicais e sociais,
organizações e representantes de universidades, fundamos a Frente Nacional pelo
Saneamento Ambiental (FNSA), congregando instituições como a Abes (Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), a Assemae (Associação
Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento), a FNU (Federação Nacional dos
Urbanitários), a Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros)
e demais entidades do setor de saneamento.
A Frente se organiza em torno da
agenda de combate ao PL, defendendo a titularidade municipal. Logo quando o
projeto entrou em tramitação no Senado, a FNSA pressionou pela substituição da
relatoria, que estava destinada ao senador Fogaça, fervoroso seguidor da
cartilha neoliberal de José Serra.
Articulando com a presidência do
Senado, conseguimos a substituição da relatoria, que ficou a cargo do senador
Josaphat Marinho, jurista e político ilibado, embora conservador. Após várias
conversas, Josaphat compreendeu nossas demandas, principalmente com a
dificuldade nas regiões metropolitanas onde havia apenas uma estação de
tratamento para atender a vários municípios. O senador propôs uma saída
brilhante: “A titularidade nessa situação deve ser compartilhada entre o estado
e todos os municípios integrantes da região que recebem água desse manancial”.
Essa foi a tese que prevaleceu, sendo
ratificada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Desde então, nas regiões
metropolitanas onde houver uma estação de tratamento com um manancial atendendo
a vários municípios, a titularidade é compartilhada entre o estado e os
municípios integrantes da região metropolitana.
Por causa dessa premissa, o projeto de
lei do governo FHC, que cassava a titularidade dos municípios, não conseguiu
avançar. Coube ao deputado Adolfo Marinho a relatoria do projeto na
Câmara, e ele decidiu fazer uma peregrinação pelo Brasil com diversas
audiências públicas. A Frente sempre estava presente em todas, fazendo o
enfrentamento ao projeto de desregulamentação do governo Por fim, o
projeto do Fernando Henrique acabou não sendo votado – uma grande vitória
nossa.
Era Lula
Em 2003, assume o governo Lula, que
pede o arquivamento do PL 4147, tirando definitivamente da agenda do País a
privatização do saneamento. O Brasil iniciou, assim, uma nova era do setor,
mesmo diante do quadro dramático deixado por FHC com a falta de investimentos
federais e o consequente sucateamento das empresas que ampliaram os índices de
falta de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Uma das primeiras medidas da equipe
que assumiu a Secretaria de Saneamento de Lula foi colocar à disposição do
serviço público brasileiro 2 bilhões de reais para o setor, obtidos via
financiamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Mesmo assim,
ainda havia dificuldades para operação dos recursos por conta das pressões em
cima do desempenho do superávit primário nos primeiros anos do governo Lula, já
que o saneamento fazia parte do cálculo como gasto público, e não como
investimento.
É criado, então, o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), que tira o saneamento do cálculo do superavit,
acabando com as amarras. Só no ano de 2007, por exemplo, foram disponibilizados
cerca de 12 bilhões para o setor. Em paralelo, a Secretaria Nacional de Saneamento
iniciou a formulação de um projeto de lei que pudesse dar um norte às ações de
saneamento no Brasil, que se efetiva com a promulgação da lei federal
nº11.445/2007.
A nova legislação estabelece a
realização do “Contrato Programa”, com o objetivo de firmar a segurança
jurídica dos convênios entre a Prefeitura e as empresas estaduais. Isso
significa que o contrato, quando assinado por dois entes públicos, dispensa a
licitação e substitui os antigos convênios.
A lei define os elementos que
constituem o saneamento básico: abastecimento e tratamento de água, esgotamento
sanitário e manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais. A legislação
ainda estabelece a necessidade de apresentação de um plano diretor municipal de
saneamento, que precisa ser amplamente discutido com a população.
A volta das privatizações
Nessa época, a nossa principal luta
era a universalização dos serviços de saneamento, conquistando o Plano Nacional
de Saneamento Básico. Com o golpe ao mandato da presidenta Dilma Rousseff, em
2015, e a consequente ascensão do governo ilegítimo de Temer, a privatização do
setor voltou à agenda. Este recrudescimento se materializa com a edição da
Medida Provisória nº844, que desestrutura o setor, os princípios de gestão e os
marcos legais. A medida acaba, principalmente, com o subsídio cruzado,
instrumento que permite que municípios com alta arrecadação financiem os
municípios mais pobres, inviabilizando o acesso a serviços públicos de água e
esgoto em municípios com menor arrecadação.
Com este cenário de ataque frontal ao
saneamento, organizações da sociedade civil e movimentos sociais retomam a
Frente Nacional pelo Saneamento, criam o Observatório Nacional dos Direitos à
Água e ao Saneamento (Ondas), que tem o objetivo de ser um braço técnico com formulação
de estudos e investigações acerca de gestão, legislação e financiamento. Além
disso, o Ondas contribui para fortalecer a luta contra a privatização do
serviço público de água e do esgotamento sanitário. A ordem do dia é derrubar a
MP nº 868 por ela ser, sobretudo, inconstitucional e continuar a luta para que
o saneamento brasileiro possa avançar rumo à universalização.
Autor:
Clovis Nascimento - Eng.º civil e sanitarista, pós-graduado em Políticas
Públicas e Governo.
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