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1 de maio de 2019

Quem tem medo de filosofia?

Em "Admirável mundo novo", o escritor Aldous Huxley (1931) criticava a transformação dos homens em máquinas, para atender aos conceitos de Henry Ford, criador da produção em série que revolucionou a indústria no início do século 20. Ele profetizava que a liberdade de pensamento seria um pecado mortal, e, mais tarde, "uma abstração sem sentido". O fordismo foi aperfeiçoado por Stakhanov, na antiga União Soviética, de Stalin, para condicionar indivíduos a um destino ligado, unicamente, aos segmentos de produção.
Os norte-americanos, que se envolveram em duas grandes guerras mundiais, perceberam logo que a unidade de uma sociedade é emanada de pessoas conscientes do seu papel político. Essa coesão resulta de amplos e profundos debates entre várias correntes de opiniões, necessários à construção de consensos. O mundo ocidental europeu, após tantas deflagrações, também entendeu a importância de uma educação interdisciplinar que oriente para um projeto de desenvolvimento nacional, fator de sobrevivência das nações democráticas. É um engano avaliar disciplinas pela sua aplicabilidade imediata, desconsiderando sua importância na resolução de problemas da sociedade. Chaplin deu uma grande contribuição a esse entendimento, com sua obra-prima "Tempos Modernos", onde Carlitos se neurotiza na sua única função de apertar porcas.
A questão não é mais médicos e menos filósofos. O presidente Bolsonaro tuitou que quer uma educação voltada à "leitura, escrita e fazer conta e depois um oficio que gere renda para a pessoa e bem-estar da família, que melhore a sociedade a sua volta". Seu ministro da Educação Abraham Weintraub, anunciou a redução de gastos com ensino de filosofia e sociologia, para privilegiar disciplinas que gerem renda e empregos. Estudos demonstram que os gastos nas áreas de Humanas não chegam a ultrapassar 1% da malha curricular. São as que custam menos por não exigirem insumos químicos e equipamentos de ponta. Ainda são prelecionadas à custa de giz e saliva. Muito mais importante é o reconhecimento da educação como uma prática social. A construção da cidadania depende da apropriação de conhecimentos em economia, política, cultura, ética e estética, que podem ser alcançadas mediante práticas comprometidas com a educação de qualidade. O ensino de Filosofia e Sociologia busca a interação do fazer e refazer laços sociais com significações mais humanitárias, justas e participativas. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assim preconiza. Não vamos construir um país onde ainda se entende como instintivos, o estupro, a pedofilia, bullying, maltrato de animais, o uso de vantagens desproporcionais para impor sua vontade.
Ainda vivemos, em todas as classes sociais, com a cultura do estupro, tido como meio legítimo e desejável de certificar a apropriação da mulher pelo homem. Há ainda muita gente que enxerga nas atitudes, roupas, modo de vida das vítimas uma provocação que motivaria a barbárie. A conscientização filosófica e sociológica, conseguiu, ainda que só recentemente, a exacerbação da lei para esse tipo de crime. Até há pouco, entendia-se como estupro apenas a conjunção carnal forçada. Agora, basta a prática do ato libidinoso.
As reflexões sociológicas nos conscientizam dos perigos da transformação de classes alienadas dos meios de comunicação de massa, em vítimas do consumismo e da manipulação política. É a classe média que elege o que há de mais podre, que é o poder legislativo. Ainda lutamos, neste país, com a discriminação em função de raça, cor, sexo, idade, obesidade e até surdez. As agressões a professores, nas escolas, por alunos e pais de alunos, crescem em proporções epidêmicas. Tudo porque ainda não compreendemos a dimensão do outro, um assunto filosófico que parece perfunctório. Mas sem as crianças e os jovens refletirem, discutir e argumentar sobre os conceitos mais simples, a sociedade não vai entender dos benefícios de uma convivência em harmonia.
No Brasil, os 10% mais ricos concentram 43% da renda. Precisamos de cidadãos que consigam distinguir que desigualdade é diferente de diferença. Mas para assumir as diferenças também precisamos diminuir a desigualdade.
Antigamente, para ensinar ofícios nem era preciso de escola. Bastava ao adolescente se empregar, como aprendiz, na oficina de um mestre-artesão. O presidente Bolsonaro há de querer muito mais do que isso. Profissionais completos, cientes do contexto em que desempenham seu trabalho e, principalmente do seu papel no mundo. 
Autor: Zarcillo Barbosa – Jornal da Cidade de Bauru

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