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21 de outubro de 2025

O erro de cálculo de Miltinho Sardin!

O título que Bauru gostaria de esquecer.

Há condecorações que a cidade acaba engolindo com o amargo gosto do arrependimento. O título de “Cidadão Bauruense” outorgado a Nelson Wilians Fratoni Rodrigues em março de 2022, por iniciativa do vereador Miltinho Sardin, é uma dessas peças que, de adorno cívico, transforma-se em evidência de um julgamento tragicômico. Naquele momento, a Câmara Municipal, em uníssono de deslumbramento, celebrava a parábola do menino do Paraná que, diz a lenda, usou o desdém paterno – “De você, só espero o pior” – como alavanca para erguer um império. O advogado midiático, com seus jatos, helicópteros e um escritório fortaleza em São Paulo, era a encarnação de um sonho de consumo, não de virtude. Sua biografia, uma narrativa convenientemente armada para vender a ilusão de que o sucesso, por si só, é um atestado de idoneidade.

A fábula, porém, começou a desmoronar quando a prosaica realidade dos números, contabilizada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), resolveu contestar o storytelling. O relatório é um soco no estômago da retórica vazia: o escritório de Wilians movimentou a astronômica quantia de R$ 4,3 bilhões em operações financeiras suspeitas entre 2019 e 2024. Detalhe que escancara a engenharia do esquema: em apenas sete meses, entre setembro de 2021 e abril de 2022, a máquina girou com a precisão obscena de R$ 529,8 milhões em créditos e R$ 522,8 milhões em débitos. Essa simetria quase perfeita não é fruto do acaso ou do vigor da advocacia; é a assinatura clássica de operações de layering, o etapismo da lavagem de dinheiro, destinado a dissimular a origem ilícita dos recursos.

O que sustenta esse ciclone financeiro? A base mais sórdida possível: a espoliação de aposentados e beneficiários do INSS. A Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, investiga um esquema em que associações fantasmagóricas prometiam auxílio jurídico e, em troca, realizavam descontos abusivos nos proventos dessa gente incauta. Esse dinheiro, extraído do bolso dos mais vulneráveis, iniciava então uma jornada labiríntica por contas e mais contas, até emergir “limpo”. No centro da teia, as transações bilionárias do escritório Wilians Advocacia. E não se trata de uma conexão remota: pagamentos diretos do advogado ao empresário Maurício Camisotti, apontado como operador do esquema, somaram R$ 15,5 milhões. É a ponte de ouro ligando o mundo corporativo glamoroso ao submundo da fraude.

Diante da CPMI dos Descontos Indevidos, instada a investigar justamente esse saque, o empreendedor de si mesmo, o coach de redes sociais, encontrou refúgio no mais eloquente dos silêncios. Calou-se. Amparado por um habeas corpus – concedido, ironia das ironias, pelo ministro Kássio Nunes Marques, colega de toga de seu antigo companheiro de Instituição Toledo de Ensino (ITE), André Mendonça –, Wilians preferiu a mudez à explicação. O mesmo homem que transforma a própria vida em um reality show para consumo das massas, quando confrontado com a seriedade do Estado, escolheu o direito de não produzir prova contra si mesmo. Uma decisão legal, sim, mas que soa como a admissão tácita de que não há narrativa que possa embelezar a frieza desses R$ 4,3 bilhões.

E Bauru? Ah, Bauru... A cidade que o acolheu e lhe deu as ferramentas para crescer viu-se representada por um vereador que, em um acesso de fervor por um sucesso aparente, colocou o nome da cidade em um projeto de lei para homenagear quem hoje é investigado como peça central de um esquema bilionário. Miltinho Sardin e os pares que aprovaram a honraria tornaram-se, involuntariamente, coadjuvantes dessa tragédia. O título de “Cidadão Bauruense” agora é um espelho que reflete a facilidade com que o poder público se ajoelha perante a ostentação, confundindo riqueza com caráter e popularidade com retidão.

O pai de Nelson Wilians profetizou, há décadas, que esperava “o pior”. Cumpriu-se a profecia, mas o protagonista do pior talvez não seja apenas o filho. É todo um sistema que se rende ao espetáculo, que confunde celebridade com credibilidade e que, no deslumbramento, é cúmplice moral daqueles que forjam impérios sobre o sofrimento alheio. Resta à Câmara Municipal de Bauru uma única forma de começar a lavar sua honra: revogar imediatamente o título e transformar esse episódio em uma lição perene sobre os perigos de se celebrar o brilho antes de apurar a sua origem. 

Autor: Fernando Redondo – Jornalista independente – Publicado na sua página do Facebook.

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