Falar do Cerrado é falar de um Brasil profundo, às vezes esquecido. É o segundo maior bioma do país, ocupando cerca de 25% do território nacional, e abriga uma biodiversidade que impressiona: são mais de 12 mil espécies de plantas catalogadas, das quais quase metade não existe em nenhum outro lugar do planeta. É o bioma das veredas de buriti que inspiraram Guimarães Rosa, dos ipês que pintam o horizonte de amarelo, rosa e roxo, e das nascentes que alimentam oito das doze principais bacias hidrográficas do Brasil.
Mas, apesar de sua importância, o Cerrado é o bioma mais desmatado do país. E essa é uma verdade que corta o peito. Falar de Cerrado é falar de resistência — da natureza e das comunidades que nele vivem. Ele é o "berço das águas", e sem ele a Amazônia seca, o Pantanal se desfaz, e o São Francisco perde sua alma.
Incêndios e queimadas: o drama que se repete a cada ano
Quem nunca viu aquelas imagens impressionantes de incêndios no Cerrado? Chamas altas, céu vermelho, fumaça densa. Parece cena de filme apocalíptico, mas é a realidade de todos os anos, principalmente entre julho e setembro, quando a seca castiga a região. Em 2023, segundo dados do MapBiomas Fogo, mais de 60% das áreas queimadas no Brasil estavam no Cerrado.
O problema é que, embora o fogo faça parte da ecologia do Cerrado (algumas espécies até dependem dele para se regenerar), o que vemos hoje é um desequilíbrio brutal. A maioria dos incêndios é causada por ação humana — seja por desmatamento, limpeza de pasto ou queimadas criminosas para abertura de novas áreas agrícolas. E isso tem um impacto devastador: solos perdem nutrientes, animais morrem queimados ou fogem para áreas urbanas, e o clima regional se altera.
Quando o Cerrado queima sem controle, ele perde sua capacidade de reter água, e isso é grave. Estamos falando de menos água para as grandes cidades, menos energia para as hidrelétricas, menos comida nas mesas. É um efeito dominó.
Veredas de buriti, o espelho d’água do Cerrado. onde nasce a vida e o Brasil se abastece - Foto de André Dib
ESG e o papel das empresas: responsabilidade que vai além do discurso
Em tempos de transição verde, falar de Cerrado é falar de ESG na prática. Não adianta só plantar árvores para compensar carbono em outro bioma; é preciso cuidar de onde nasce a água que irriga as lavouras e move o agronegócio.
Muitas empresas já entenderam isso e começam a adotar políticas de desmatamento zero para o Cerrado, rastreabilidade da soja e da carne, investimentos em tecnologia de monitoramento e programas de restauração ecológica. Mas ainda é pouco. A preservação do Cerrado deveria ser tratada como uma questão de soberania nacional — tão importante quanto a proteção da Amazônia.
Aqui cabe uma reflexão: o Brasil quer ser protagonista na agenda climática global, especialmente com a COP30 em Belém. Mas como exigir compromissos internacionais se ainda permitimos que o Cerrado seja destruído em ritmo acelerado? ESG não é só relatório bonito no fim do ano — é ação concreta, é regeneração, é diálogo com comunidades e transparência radical.
Filosofia e poesia: o Cerrado como metáfora da resistência
O Cerrado é um mestre silencioso. Ele ensina que beleza e força podem nascer em solos aparentemente pobres. Ele nos mostra que é possível florescer em meio à adversidade. Quando vejo um pequizeiro retorcido ou um ipê solitário em meio à seca, penso que o Cerrado é o retrato da resiliência brasileira: duro na queda, mas generoso com quem o respeita.
Guimarães Rosa dizia que "o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". E o Cerrado é essa travessia. Ele é o meio, o entre lugar onde a vida insiste em brotar. Celebrar o Dia Nacional do Cerrado é, portanto, celebrar essa filosofia de resistência, de cuidado, de respeito aos ciclos da natureza. É um convite para olhar para dentro e perguntar: estamos sendo bons guardiões deste patrimônio?
pê amarelo em meio à mata seca - Ipê amarelo florido esperança que rompe a seca e colore o coração do bioma - Foto de André Dib.
O que podemos fazer: de pequenas atitudes a grandes transformações
Proteger o Cerrado não é tarefa só de governos ou empresas — é responsabilidade de todos nós. Algumas atitudes simples podem fazer diferença:
- Consumir de forma consciente – prefira produtos certificados, que respeitam critérios socioambientais e não vêm de áreas de desmatamento ilegal.
- Apoiar ONGs e projetos locais – há iniciativas incríveis de restauração e proteção do Cerrado, como o ISA, o WWF-Brasil e o IPAM.
- Cobrar políticas públicas – pressione parlamentares e governos para aprovar leis de proteção ao Cerrado e para ampliar unidades de conservação.
- Espalhar a mensagem – fale sobre o Cerrado, escreva nas redes, eduque crianças e jovens sobre sua importância.
Se cada um fizer um pouco, esse bioma pode ter futuro. Afinal, não existe economia sem ecologia. Não existe agronegócio sem água. E não existe Brasil sem Cerrado.
O Cerrado é de todos nós
Neste 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, não podemos apenas postar uma foto bonita de ipês floridos. É preciso sentir o peso simbólico desta data e agir. O Cerrado não é só um bioma — é um coração que bombeia vida para o país inteiro. Quando ele sofre, todos sofremos.
Proteger o Cerrado é proteger o Brasil. É garantir que as próximas gerações ainda possam ouvir o canto da seriema, sentir o cheiro do pequi e se encantar com o pôr do sol vermelho que só esse lugar sabe oferecer.
Então, que tal transformar este dia em um ponto de virada? Que tal fazer do Cerrado não apenas um tema de campanha, mas um pacto de sobrevivência coletiva?
Cervo no brejo - O príncipe do Cerrado, sereno nas águas rasas símbolo de resiliência - Foto de André Dib.
Autor: Oscar Lopes – Publisher da Neo Mondo – Publicado no site Neo Mondo.
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