Menor cobertura vacinal leva a mais doença e maior gasto direto e perda de produtividade; onde a descrença cresce, a cobertura cai e os surtos custam caro.
Na semana passada, numa coletiva na Casa Branca, Trump e o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. anunciaram medidas sobre autismo. A frase chave de Trump foi “Se você está grávida, não tome Tylenol…”. A cena não é inusitada, mas não deixa de ser chocante. Nessa reunião foi anunciado que a U.S. Food and Drug Administration (FDA) iniciaria processo de mudança de bula do paracetamol (Tylenol) para incluir menção a possível associação com certos resultados prejudicais ao desenvolvimento infantil quando usado na gestação. Trump afirmou que tomar muitas vacinas “muito juntas” estaria ligado ao autismo e defendeu espaçar e dividir o calendário de vacinação infantil.
Uma das frases ditas pelo presidente nesse encontro mostra bem como o tema é tratado: “Há grupos de pessoas que não tomam vacinas nem remédios e não têm autismo”.
Entidades médicas vieram a público garantir a segurança do paracetamol como analgésico/antitérmico de escolha na gestação, com uso criterioso, e que os dados não sustentam um elo causal com TEA/TDAH. A OMS (Organização Mundial de Saúde) rejeitou a ideia de vínculo causal entre Tylenol e vacinas e o autismo.
As atitudes de Trump e Robert Kennedy Jr. mostram negacionismo. Kennedy é um advogado ambientalista, com boa formação e que ganha dinheiro com a divulgação antivacinas. Foi fundador e presidente do Conselho da Children’s Health Defense (CHD), ONG antivacina que em 2022 teve receitas de US$ 23,5 milhões, e recentemente divulgou expectativa de pelo menos US$ 2 milhões em adiantamentos por livros futuros e relatou ganhos de US$ 200 mil em três dias de palestras. Não há um balanço global de quanto dinheiro é perdido pelo negacionismo, mas os dados mostram os impactos econômicos. Em 2021, nos EUA, os custos diretos evitáveis da covid em hospitalizações de não vacinados geraram gastos de US$ 13,8 bi.
A menor cobertura leva a mais doença e maior gasto direto e perda de produtividade. Onde a descrença cresce, a cobertura cai e os surtos custam caro — tratamento, vigilância, resposta, ausências no trabalho. Em 2023, houve 10,3 milhões de infecções e 107,5 mil mortes, impulsionadas por cobertura vacinal insuficiente do sarampo, diz a OMS. Se considerarmos um custo de US$ 2,6 a 3,7 mil por caso, os gastos anuais diretos em sarampo atingem de US$ 2,7 a 3,8 bilhões — fora mortes e perda de produtividade. O negacionismo é vivo em nossa sociedade, embora não dê para entender por que acreditam nesses “Apóstolos da ignorância”. “O problema do mundo é que tolos e fanáticos estão sempre certíssimos, e os sábios, cheios de dúvidas”, disse Bertrand Russell.
Autor: Fabio Gallo – Professor de Finanças da FGV – Publicado no Jornal O Estado de São Paulo.
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