Água - (crédito Pixabay).
A constatação é que dinâmicas de ocupação e uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento global, estão sorvendo recursos hídricos do país. Nas cidades, moradores sofrem com fenômenos típicos do fim da estação de estiagem, como níveis críticos de umidade que afetam a saúde, o incômodo das altas temperaturas e os incêndios — favorecidos pelas duas condições anteriores e que tornam a qualidade do ar ainda mais sufocante. No campo, habitantes encaram a seca que faz minguar lavouras, emagrece o gado e reduz a água disponível até para o consumo humano. Enquanto brasileiros dessas duas realidades consultam o céu ou a meteorologia e torcem ou imploram pela chegada da chuva, um outro drama, silencioso e muito mais preocupante, avança seca após seca: os recursos hídricos do país estão encolhendo.
Analisando a realidade do ano anterior, o MapBiomas — uma rede global formada por universidades, ONGs e empresas de tecnologia, que, há uma década, monitora transformações na cobertura vegetal, hídrica e no uso da terra — alerta que 2024 manteve a realidade de redução na superfície de água do país, já registrada em anos anteriores, em tendência observada a partir de 2009 e só quebrada desde então em 2022. Pior: segundo a plataforma, oito dos 10 anos mais secos de toda a série histórica estudada, a partir de 1985, ocorreram na última década.
A constatação é que dinâmicas de ocupação e uso da terra, associadas a eventos climáticos extremos ligados ao aquecimento global, estão sorvendo recursos hídricos do país, como observou Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água. E isso vem ocorrendo em uma velocidade assustadora. Depois de perder, em 2023, uma superfície de água de 571 mil hectares, uma área do tamanho do Distrito Federal, o país viu o seu conjunto de recursos hídricos ser drenado em mais 400 mil hectares, área que supera em duas vezes e meia a da cidade de São Paulo, com base em dados da rede multidisciplinar.
A exemplo do que ocorreu no Pantanal mato-grossense, que em 2024 foi o bioma que mais perdeu superfície de água em relação à média histórica, com recuo de impressionantes 61%, segundo a rede, menos áreas alagadas representam mais espaço para que o fogo ganhe terreno. Mais solo calcinado pelas chamas, por sua vez, significa menor permeabilidade e menos recursos hídricos realimentando o lençol freático, o que impulsiona um ciclo perverso de degradação.
Ao mesmo tempo em que os recursos naturais encolhem, a demanda por água, seja nas grandes cidades, seja na indústria, seja no agronegócio, tende a se manter continuamente na direção contrária, apontando para uma combinação insustentável. Essa realidade exige soluções cuja busca não pode mais ser adiada, sob ameaça de situações como a crise hídrica de 2014/2015, que afetou drasticamente o abastecimento em metrópoles como São Paulo e Belo Horizonte, sem mencionar o potencial de impacto sobre ecossistemas e sobre setores como a geração de energia e a segurança alimentar.
30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada no próximo mês, em Belém (PA), representa mais uma janela de oportunidade para enfrentar o tema. De fato, a água promete ser um dos principais tópicos de discussão da cúpula. O que se espera — e se faz urgente — é que o assunto não se limite a discursos, números e exposições alarmantes, sem se transformar em ações práticas com alcance capaz de reverter o quadro atual.
Para além das discussões diplomáticas e governamentais, porém, a gestão de recursos hídricos precisa ser, tanto quanto uma cobrança diária, uma agenda abraçada por toda a sociedade. Consumo consciente da água, diminuição do desperdício, redução do uso de poluentes e outras atitudes de poupança e preservação são providências que devem partir de cada cidadão. Não dependem de governos nem da COP30. Podem, e devem, começar hoje.
Artigo do Correio Braziliense – Publicado em 13 de outubro de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário