O mundo que emergirá do choque que
estamos sofrendo será um mundo purgado pelo horror, e melhor, ou condenado pelo
amoralismo para sempre.
Naomi Klein publicou um livro
intitulado A Doutrina do Choque, ou A Ascensão do Capitalismo do Desastre, em
que defende a tese de que o capitalismo se nutre de desastres, e de choque em
choque vai ampliando seu poder. O livro é recente, mas saiu antes do ataque do
coronavírus, um desastre que ninguém previa e ninguém sabe como vai terminar. E
no meio do qual nenhuma tese, nem a reducionista da Naomi, sobrevive.
Oportunistas já se aproveitam da
confusão da pandemia para lucrar e confirmar a pior expectativa do que o
capitalismo amoral é capaz, segundo a Naomi. Está em curso a maior intervenção
do Estado na vida das nações e das pessoas desde a Segunda Guerra Mundial, mas
a velha briga entre dirigismo econômico e mercado persiste, enquanto contam os
mortos. O mundo que emergirá do choque que estamos sofrendo será um mundo
purgado pelo horror, e melhor, ou condenado pelo amoralismo para sempre.
Se estamos a caminho de uma escolha
definidora do que seremos pós-tragédia viral, talvez não seja ingenuidade
demais discordar da Naomi e esperar que no fim de tudo isso surja um mundo
menos desigual e mais, na falta de outra palavra, decente. Para participar da
velha briga, que continuará quando o coronavírus for apenas uma má memória,
entre estatismo e livre mercado, traga-se de volta o John Maynard Keynes. Se
for difícil transportá-lo fisicamente – afinal, o homem está morto desde 1948 –
recuperem suas ideias, e as escolhas que ele pregou para combater o capitalismo
sem-vergonha.
Keynes foi o cara que defendia um Estado
forte a serviço do bem geral e a intervenção do Estado na economia para
humanizá-la. A austeridade “made in” Chicago que hoje norteia a maioria das
economias mundiais não teria prevalecido se o keynesianismo tivesse se imposto
ao liberalismo, quando ainda dava.
Mas, enfim, que mundo nos espera quando
passar o horror? Acho que será melhor do que este. Disse ele, ingenuamente.
Autor: Luis Fernando Verissimo – Publicado no Jornal
O Estado de SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário