No país do amarelão, da
febre do rato e outras doenças primitivas, o mito caipira combate o ´liberou
geral´ do Palácio do Planalto.
Presidente Jair Bolsonaro ao sair o Palácio do Alvorada, na sexta-feira, 28/03/20. Joédson Alves - El País
A essa altura da carreata da ignorância,
só resta ao Jeca Tatu emancipado ―representante da gente na sala de
televisão da quarentena― chamar na chincha o bocó lá de Brasília. Direto da
Refazenda gilbertiana, cabe ao nosso Jeca Total mostrar que até o amarelão
(ancilostomose) ainda faz estrago no Vale do Ribeira e em outras freguesias
desprotegidas. Só o Jeca Tatu, o guru do Almanaque Biotônico Fontoura, para
contar ao espertalhão do Planalto que o brasileiro, ao contrário do que ele
folcloriza, não resiste meia hora ao esgoto e à falta de saneamento.
A febre do rato (leptospirose) segue
castigando nos mocambos e palafitas, adverte o Jeca, sorumbático e
macambúzio, saindo de pés-descalços do “Urupês” (livro de 1918) de Monteiro
Lobato. Quem tem que ser estudado, o capiau segue na prosa, é Vossa Excelência,
com todo respeito deste caipira. O brasileiro pega de tudo, não me venha com
seus arroubos de vilão Vaca-Brava, pois até a lepra (hanseníase), daquela mais
primitiva, campeia solta no mato e nos arrabaldes.
A criatura corre do mosquito e não
escapa do caramujo, foge da dengue e vem a zika, na mesma terra
onde ainda persistem sarampo, caxumba e rubéola. O sujeito acha que é apenas
mais uma ressaca existencialista e lá vem o diagnóstico: chikungunya na
caveira. Na roça, para a tristeza do Jeca, resistem a doença de Chagas, a peste
bubônica, a curuba... Agora dá licença que vou tomar meu elixir de salsa,
caroba e cabacinha, ave!, tesconjuro.
Jeca Total deve ser Jeca Tatu, presente,
passado, memória das enfermidades brasileiras, com sua garrafa de pinga para
enxotar o saturno dos trópicos, xô melancolia, arreda tristeza, vade retro
perdigotos do Belzebu, do Cramulhão, do Pé-de-Pato, do Coxo, do Temba, do Coisa
Ruim, do Mafarro, do Tristonho, do Não-Sei-Que-Diga, do Que-Nunca-Se-Ri, do
Pai-da-Mentira, do Capeta, do Tendeiro, do Mafarro, do Capiroto, do Diacho, do
Gabinete-do-Ódio, do Rei-Diabo, do Demonião, do Satanazim, do Língua-Solta e da
vasta assembleia lucrativa sem fim.
Jeca Tatu, que saiba Vossa Excelência,
pode ser da roça, mas não é besta, em matéria de coronavírus rumina o
seu capinzim metafísico guardado na sua choupana, pita o seu cigarrinho de
palha ouvindo Cascatinha & Inhana, mais precisamente a faixa “Índia”, sou
Jeca mas não sou imbecil de marcar touca, de que vale o milharal depois de
bater as botas?
Preguiçoso uma disgrama, repara se fui
eu e minha família que passamos uma vida toda de flozô no parlamento, com
direito a esquema de “rachadinha” e quetais, mordendo um naco do contracheque
dos barnabés das cercanias. Desculpa aí, presidente, não queria desafinar a
viola, mas seu exército de tabaréus não toca outra moda, a não ser xingar a
gente de indolente e vagaba. Nem o amigo Mazzaropi escapou dessa, foi barrado
na cancela, virou comunista simplesmente por ter filmado “O Corintiano”, vê se
pode! Imagina se os papa-capins tivessem visto A banda das Velhas Virgens,
que fita de cinema.
No Brasil das amarelidões, Jeca Tatu
pode ser a cor tingida na crônica de Renato Carneiro Campos que serviu de guia
ao filme Amarelo manga, do diretor Claudio Assis: “Amarelo é a cor
das mesas, dos bancos, dos tambores, dos cabos, das peixeiras, da enxada e da
estrovenga. Do carro de boi, das cangas, dos chapéus envelhecidos. Da charque!
Amarelo das doenças, das remelas, dos olhos dos meninos, das feridas
purulentas, dos escarros, das verminoses, das hepatites, das diarreias, dos
dentes apodrecidos... Tempo interior amarelo. Velho, desbotado, doente.”
Autor: Xico Sá,
escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (editora Companhia das Letras),
entre outros livros. Comentarista do programa “Redação Sportv”.
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