Ele
tem método!
Bolsonaro contra o planeta: um caso clínico? | Reprodução
Vamos chamar a coisa pelo nome. O
presidente eleito por milhões de brasileiros não é louco. Psicóticos e
neuróticos podem ser classificados assim. Eles sofrem e enxergam o sofrimento
do outro. Eles não têm método. Bolsonaro é diferente. Pelos estudos da psiquiatria
inglesa no século XIX, Bolsonaro se encaixaria em outra categoria: a dos
psicopatas.
Conversei com o psicanalista Joel Birman
para entender essas fronteiras entre transtornos mentais. “A psicopatia não é
uma loucura no sentido clássico, mas uma insanidade moral, um desvio de caráter
de quem não tem como se retificar porque não sente culpa ou remorso”. Os
psicopatas são “autocentrados, agem com frieza e método”. “Não têm empatia em
relação ao outro, o que lhes interessa é o que lhes convém”. A palavra
psicopatia vem do grego psyché, alma, e pathos, enfermidade.
A pandemia só tornou esses traços de
Bolsonaro mais gritantes. Desde os primeiros grandes gestos do presidente,
ficou claro, disse Birman, que seus atos “são marcados por crueldade e violência”.
Proposição de liberar fuzis para civis. Proposição de acabar com os radares nas
estradas. Proposição de não multar a falta de cadeirinha para crianças.
Proposição de acabar com os exames toxicológicos para motoristas de caminhão e
ônibus. Proposição de legalizar o garimpo predatório nas florestas e terras
indígenas. Tudo isso é um atentado à vida.
Eu poderia lembrar o que muitos teimam
em esquecer. Que Bolsonaro já era assim antes de ser eleito. Quem defende
torturador e condena as vítimas, publicamente, no Congresso, não é uma pessoa
que preza a vida. Não surpreende, portanto, que o ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal, denuncie, sem meias palavras, a “política genocida”
de Bolsonaro. O presidente trocou seu ministro da Saúde, era sua prerrogativa,
mas será barrado pelo STF se insistir em condenar o isolamento social e ameaçar
a saúde pública.
Ao criar uma realidade paralela,
Bolsonaro desfruta sua liberdade de ir e vir sem se importar com as
consequências de seu exemplo. Ele refuta a ciência, ignora as normas sanitárias
nacionais e internacionais, receita remédios polêmicos sem autoridade para
isso, ironiza quem se isola, chamando a mim e a você de “moleques”. Coloca em
maior risco os pobres. O presidente é uma temeridade ambulante. Troca um
ministro da Saúde competente e popular em plena batalha.
Ao se recusar a divulgar o resultado de
seu exame, Bolsonaro despreza a população, se acovarda e age diferente dos
homens públicos que honram seus cargos. Pode até ser que esteja imune após uma
versão branda da Covid-19 e por isso se sinta apto a saracotear pelas ruas e
padarias, mexendo em dinheiro e comida, enxugando o nariz e apertando as mãos
do povo aglomerado. Bolsonaro não é burro nem louco. É perverso, ao estimular
um comportamento de altíssimo risco.
A OMS classifica a psicopatia como um
transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações
sociais. A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, autora do livro Mentes
perigosas, diz que a “psicopatia não é uma doença, é uma maneira de ser”. O
psicopata, segundo ela, sempre vai buscar poder, status e diversão. Enxerga o
outro apenas como um objeto útil para conseguir seus objetivos.
Mandetta tinha deixado de ser útil. Por
brilhar demais, por ter trânsito com o Congresso e por não se curvar a suas
teses temerárias. Um ministro como esse, generoso e articulado, enlouquece um
presidente transtornado. A ciência é a luz. O resto é escuridão.
Autora:
Ruth de Aquino – Publicado no Jornal O Globo
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