Ao longo da história os
falsos profetas acabaram sendo os maiores assassinos e enganadores das pessoas
simples e menos escolarizadas.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é visto em uma farmácia em Brasília nesta sexta-feira. Adriano Machado - Reuters
Entre os transtornos psiquiátricos que
afetariam o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, apontados por um grupo
de psicanalistas à Folha de S. Paulo figura seu messianismo de querer
resolver o drama do coronavírus de forma milagrosa. Assim, se distancia do
consenso mundial da ciência que afirma que ainda não existe nenhuma evidência
médica de cura fora de uma possível vacina.
Esse messianismo do líder brasileiro e
seu falso dilema de que seria preciso escolher que as pessoas morram de fome se
forem isoladas ou do novo coronavírus pode levar a um perigoso e fatal
equívoco.
Desse modo, o presidente isola o Brasil
do resto do mundo, onde ainda não foi encontrada uma forma melhor de evitar que
o novo vírus continue matando milhares de pessoas do que o isolamento social.
Não por acaso estão sendo aconselhados Governos de unidade nacional para melhor
fazer frente à tragédia. O inimigo que assombra o mundo é forte demais para que
se possa brincar com ele com cálculos simplistas de política menor. É hora de o
mundo estar nas mãos de todas as forças mais bem preparadas para enfrentar o
perigo juntos, sem distinções ideológicas.
Já se sabe que todos os messianismos,
usados e abusados pelos líderes populistas de todas as tendências políticas,
são perigosos porque o ser humano é inclinado a acreditar em receitas
milagrosas. Assim, os brasileiros podem acabar sendo arrastados pela miragem do
presidente, desobedecendo autoridades ao afrouxar o isolamento, como já se
viu em São Paulo e em outras localidades, com consequências que podem ser
fatais.
Ao longo da história, os falsos profetas
acabaram sendo os maiores assassinos e enganadores das pessoas simples e menos
escolarizadas.
Em um país como o Brasil, com um forte
componente religioso, brincar com receitas oferecidas pelos pastores ao
presidente que consideram ungido por Deus para acabar com a peste é voltar ao
obscurantismo da Idade Média, como já lembrei em outra coluna. Pretende-se,
como então, substituir a ciência e a medicina por receitas de cunho messiânico.
Insistir como faz o presidente nessa
volta aos tempos tristes em que a religião se apoderava da ciência e
da medicina hoje significa isolar o Brasil do resto do mundo, onde a ciência
está se unindo para dar uma resposta segura à doença mortal que possa evitar
tanta morte e tanta dor.
Hoje está claro que nada nem ninguém
será capaz de fazer o presidente brasileiro recuar de seu messianismo. Assim,
os altos militares de seu Governo se equivocam se acreditam que basta
que eles retoquem os discursos do presidente nas redes de rádio e televisão.
Vimos como essa falsa conversão dura
menos de 24 horas para o presidente e em seguida sintoniza com o chamado
“gabinete do ódio”, e multiplicado pelas redes sociais dominadas pelo
seu pequeno grupo de seus seguidores mais fanáticos.
Daí a responsabilidade dos militares
presentes no Governo, que deveriam entender neste momento que nem eles são mais
capazes de fazer mudar a índole psicológica do ex-capitão Bolsonaro nem
de conter seus arroubos autoritários. Não é um paradoxo que, na esperança de
que o Brasil possa continuar sendo uma democracia sem ameaças
contínuas de golpes autoritários, o país esteja hoje nas mãos dos militares?
Que a democracia conquistada no Brasil
com dor e lágrimas depois da ditadura militar esteja hoje ameaçada
pela personalidade totalitária do presidente já não é um segredo. Como tampouco
o é que o presidente continue defendendo e exaltando a ditadura e a tortura,
algo que o melhor do Exército, especialmente os mais jovens, hoje rejeitam e
desejam esquecer, como soube esta coluna de testemunhas nos quartéis.
Esses ímpetos absolutistas do presidente
só poderiam ser paralisados pelos importantes militares que continuam em seu
Governo e que se equivocariam se pensarem que são capazes de detê-lo. Eles
deveriam entender que, na realidade, o presidente já não governa.
Quando os militares decidiram entrar em
um Governo saído das urnas foi dito que era uma maneira de mostrar que eles
respeitariam a democracia e a Constituição.
Portanto, a esperança de que Bolsonaro
renuncie a um poder que já não consegue exercer não passa tanto pela longa e
complexa liturgia do impeachment ou pelas formas jurídicas de
demissão forçada, mas pela esperança de que os militares sejam capazes de
convencê-lo a se retirar para o bem da nação.
Depois da ditadura, os militares
brasileiros deram provas de ter abraçado os valores da democracia e aceitado a
Constituição. E assim foi entendido pela opinião pública, que, segundo as
pesquisas, considera o Exército uma das instituições mais confiáveis do
país.
São horas difíceis e perigosas para um
país da importância do Brasil no xadrez mundial e, embora possa parecer um
paradoxo em um país sul-americano, hoje a resolução da crise de Governo por que
o país está passando, e que flerta com os tempos sombrios do autoritarismo,
recai nas mãos dos militares.
Seria trágico se hoje a opinião pública
brasileira também perdesse sua confiança nessa instituição se ela se mostrasse
incapaz de deter os arroubos messiânicos e autoritários do presidente capitão
aposentado, que muito jovem foi expulso do Exército. E que hoje ameaça até os
generais de seu Governo, lembrando-lhe que agora o presidente é ele e somente
ele.
O Brasil vive um daqueles momentos
históricos em que um erro de cálculo pode arrastar o país para uma aventura da
qual um dia terá de se arrepender.
Autor: Juan Arias – El País
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