Pacote de Moro contra o crime vai fortalecer milícias.
Sergio
Moro sabe que:
1-
As milícias são organizações criminosas controladas por policiais
civis e militares corruptos e violentos;
2-
Esses policiais utilizam o aparato do Estado, como armas, helicópteros e
caveirões, para expulsar o tráfico e dominar as favelas;
3-
As milícias cobram por proteção e dominam atividades econômicas importantes nas
áreas que controlam: distribuição de sinais de TV e de gás de cozinha e
transporte alternativo;
4-
As milícias decidem quem faz propaganda eleitoral nas suas áreas e financiam
campanhas políticas;
5
- Milicianos e políticos ligados a milicianos foram eleitos no Brasil para
cargos legislativos e executivos em níveis municipal, estadual e federal.
Mesmo sabendo de tudo isso, o ministro
Sergio Moro declarou que as milícias representam a mesma coisa que as facções
criminosas dentro das prisões, sugerindo que esses grupos operam como o varejo
do tráfico de drogas. Ora, o leitor sabe que sempre apoiei a
operação Lava Jato e que chamei Sergio Moro de “samurai ronin”, numa alusão à
independência política que, acreditava eu, balizava a sua conduta. Pois bem,
quero reconhecer o erro que cometi.
Digo isso porque não há outra
explicação: Sergio Moro finge não saber o que é milícia porque perdeu sua
independência e hoje trabalha para a família Bolsonaro. Flávio Bolsonaro não
foi o senador mais votado em 74 das 76 seções eleitorais de Rio das Pedras por
acaso... O pacote anticrime que Sergio Moro enviou ao Congresso embora
razoável no que tange ao combate à corrupção corporativa e política— é absurdo
no que se refere à luta contra as milícias. De fato, é um pacote pró-milícia,
posto que facilita a violência policial. Se Sergio Moro tivesse estudado os
autos de resistência no Brasil teria descoberto que:
1
- Apenas no Rio de Janeiro, a cada seis horas, policiais em serviço matam
alguém;
2
- A versão apresentada por esses policiais costuma ser a única fonte de
informações nos inquéritos instaurados em delegacias para apurar os homicídios;
3
- Como policial tem fé pública, a sua versão embasa a excludente de ilicitude,
evitando a prisão em flagrante;
4 - A Polícia Civil, além de raramente escutar testemunhas ou realizar perícias no local dos assassinatos, tem mania de desfazer as cenas do crime para prestar socorro às vítimas, apesar de a maioria delas morrer instantaneamente em decorrência de disparos no tórax;
5 - Desde 1969, quando o regime militar editou a ordem de serviço 803, que impede a prisão de policiais em caso de “auto de resistência”, apenas 2% dos casos são denunciados à Justiça e poucos chegam ao Tribunal do Júri.
4 - A Polícia Civil, além de raramente escutar testemunhas ou realizar perícias no local dos assassinatos, tem mania de desfazer as cenas do crime para prestar socorro às vítimas, apesar de a maioria delas morrer instantaneamente em decorrência de disparos no tórax;
5 - Desde 1969, quando o regime militar editou a ordem de serviço 803, que impede a prisão de policiais em caso de “auto de resistência”, apenas 2% dos casos são denunciados à Justiça e poucos chegam ao Tribunal do Júri.
Aprovado o pacote anticrime de Sergio
Moro, esse número vai tender a zero. Isso porque o pacote prevê que, para
justificar legitima defesa, bastará que o policial diga que estava sob “medo,
surpresa ou violenta emoção” ou, ainda, que realizava “ação para prevenir
injusta e iminente agressão”.
O hábito que os policiais milicianos
têm de plantar armas e drogas nos corpos de suas vítimas para justificar
execuções é tão usual que deu origem a um jargão: todo bom miliciano carrega
consigo um “kit bandido”. Aprovado o pacote de Moro, nem de “kit bandido” os
milicianos precisarão mais.
Sergio Moro nunca sofreu atentados e
nunca lidou com a máfia. Mas o juiz Giovanni Falcone, em quem o ministro diz
se inspirar, foi morto aos 53 anos de idade na explosão de uma bomba colocada
pela máfia em uma estrada. Sua mulher e três seguranças morreram com ele.
O crime foi uma reação da máfia à
operação “Maxiprocesso”, que prendeu mais de 320 mafiosos na década de 1980.
Ela deu origem à operação “Mãos Limpas”, que mostrou que a máfia elegia e
controlava políticos importantes na Itália.
Ora, no contexto brasileiro, é obvio
que o pacote anticrime de Moro vai estimular a violência policial, o
crescimento das milícias e sua influência política. Sergio Moro foi de “samurai
ronin” a “antiFalcone”. Seu pacote anticorrupção é, também, um pacote
pró-máfia.
Autor:
José Padilha - Cineasta, diretor dos filmes "Tropa de Elite" (2007),
"Tropa de Elite 2" (2010) e "RoboCop" (2014).
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