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1 de abril de 2019

"Broadway brasileira" capta 202 milhões da Lei Rouanet em quatro anos!

O que o teatro musicado, a riqueza no mundo e o Brasil têm em comum? Acertou quem disse que os três se baseiam em um sistema de concentração de renda. Primo rico do gênero teatral, o musical tornou-se uma eficaz máquina captadora de recursos das artes cênicas. Nos últimos quatro anos, 30 empresas captaram 202 milhões de reais, dos quais 200 milhões se concentraram em produções em São Paulo e no Rio de Janeiro. Levantamento no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura feito por CartaCapital revela que 160 projetos tiveram autorização para captação, dentro do período de execução de 2016 a 2019. Desses, só 48 conseguiram sair do zero.
Essa desigualdade é colossal entre as campeãs. De cada 4 reais captados pela Lei Rouanet, três acabaram nos cofres de quatro empresas que arrecadaram junto à iniciativa privada 149 milhões de reais. A T4F é a número 1, captando 78 milhões. A empresa produziu os musicais Les Misérables, O Fantasma da Ópera, Mudança de Hábito, Wicked, Antes Tarde do Que Nunca e 2 Filhos de Francisco. Em seguida, três empresas disputam um distante segundo lugar: a Atelier de Cultura (captou 34 milhões de reais), que trouxe Billy Elliot, O Homem de La Mancha, Annie e A Noviça Rebelde, a IMM Live (23 milhões de reais), que produziu A Pequena Sereia, Cantando na Chuva e Sunset Boulevard, e a Musickeria (15 milhões de reais), com a série de espetáculos Bem Sertanejo.
Com exceção de 2 Filhos de Francisco e Bem Sertanejo, essas peças são produtos made in Broadway, de Nova York, ou West End, de Londres, as duas capitais mundiais do teatro musicado. O Brasil que concentra renda descobriu que copiar os passos de americanos e ingleses nos musicais é fórmula certa para gerar riqueza. Para poucos. O público, que pode pagar ingressos de até 300 reais (plateia vip de O Fantasma da Ópera, no Teatro Renault), aprecia musicais que, de fato, se tornaram produções de qualidade e vistosas. Para as empresas patrocinadoras, virou uma ação eficiente de marketing.
Billy Elliot, de Stephen Daldry e músicas de Elton John é o musical mais premiado nos EUA, com dez Tony, captou 6,8 milhões de reais. Foto de João Caldas F.
“Empresas de São Paulo e do Rio gostam muito de investir em teatro musical porque ao receberem a cota de ingressos gratuitos podem desenvolver uma política para seus colaboradores ou clientes, oferecendo a eles uma experiência gratificante”, explica o produtor Carlos Cavalcanti, responsável pela montagem de Billy Elliot no Brasil. Depois de mais de dois anos de negociação, foram licenciados o texto, a coreografia de Peter Darling e as canções de Elton John. Recordista em premiações com dez Tony Awards (entregue em Nova York) e cinco Olivier Awards (Londres), o musical conta a história de um menino que decide ser bailarino, rompendo o ciclo natural da família, composta de pai e irmão mineiros, em meio a uma greve que opõe trabalhadores e o governo de Margaret Thatcher. A história, que virou filme, ficou mais de dez anos em cartaz.
A montagem brasileira (em cartaz no Teatro Alfa, em São Paulo, até 30 de junho) conseguiu captar 6,8 milhões de reais dos 16,7 milhões solicitados. Cavalcanti afirma que a Atelier de Cultura, como outras produtoras de grandes espetáculos, costuma bater nas portas de dezenas ou centenas de empresas, mas apenas quatro ou cinco decidem investir recursos. Segundo ele, o teatro musicado pôde profissionalizar-se graças ao uso da lei de incentivo. Quando se tentou montar Les Misérables, musical baseado no épico de Victor Hugo, nos anos 2000, não havia atores preparados. “Hoje se faz uma grande produção, porque têm elenco, coreógrafos e figurinistas, técnicos que sabem montar equipamentos de som, de luz, de projeção. Enfim, criou-se uma cadeia produtiva.”
Para o diretor-artístico americano Fred Hanson, que já montou musicais em Nova York como The Phantom of the Opera, Miss Saigon e Les Misérables, e agora está à frente do espetáculo Sunset Boulevard (no Teatro Santander, em São Paulo, até 7 de julho), os espetáculos que vêm de fora encantam pela música, pelos cenários grandiosos e pelas histórias que prendem a atenção. A superprodução Sunset Boulevard narra à história de Norma Desmond, uma atriz decadente do cinema mudo (interpretada pela atriz Marisa Orth, em grande forma) que vive em um mundo particular com o sonho de voltar ao estrelato. A IMM Live captou 4,7 milhões de reais. “Essas produções, embora não tenham origem no Brasil, se expandiram e levaram ao surgimento de peças nacionais, com conteúdo nacional”, afirma Hanson.
Produtora de montagens musicais sobre as biografias de artistas como Tim Maia, Cazuza, Cássia Eller, Wilson Simonal e Elis Regina, Joana Motta produziu O Frenético Dancing Days, espetáculo nacional da nova safra de montagens do teatro musicado em São Paulo. A peça, no estilo jukebox, apresenta a história da danceteria carioca que teve quatro meses de vida, lançou o grupo Frenéticas e virou tema de novela da Globo. Escrito pelo pai de Joana, o jornalista Nelson Motta, um dos sócios da casa, e por Patrícia Andrade, o musical possui uma dramaturgia desprovida de grandes pretensões além do de animar a plateia que vai ao Teatro Opus para, afinal, ouvir canções dos anos 1970. Desde que a peça estreou no Rio, a produção captou 2,8 milhões de reais de 8,3 milhões solicitados. “Não dá para entrar na estrutura dos peixes grandes sem o dinheiro dos peixes grandes”, explica a produtora.
Aparecida, escrita por Walcyr Carrasco, leva ao palco do Teatro Bradesco (até 21 de abril) 33 artistas e 12 músicos para contar a história da padroeira do Brasil. O musical é um caso singular pela temática religiosa, não muito comum ao gênero, mas se assemelha a outras produções nas quais os atores precisam revelar apurada capacidade para dançar, cantar e interpretar. São executadas 19 canções originais. Fernanda Chamma, que dirige e coreografa o espetáculo, é uma bailarina com formação na Broadway, onde aprendeu a seguir “a Bíblia”, como é chamado o roteiro técnico pormenorizado das peças. “O teatro musicado não permite o improviso. Se o ator não seguir as marcações, pode ter um cenário descendo em cima de sua cabeça”, diz.
A TV Cultura deve estrear em 7 de abril um reality show que simula uma seleção de elenco para um musical. Houve mais de 1.250 inscritos para o programa O Musical, a grande maioria jovem e talentosa. No primeiro dia de pré-seleção, só 11 candidatos foram eliminados. Muitos cantores que hoje fazem parte dos musicais vieram da ópera, que já não atrai ou emprega tantos profissionais do canto. “O teatro musicado está produzindo, as casas estão lotadas, tanto para os espetáculos de franchising quanto para os de conteúdo nacional. Qual outro gênero consegue atrair tanto público jovem?”, questiona o diretor José Roberto Walker.
Estudiosa da interseção do teatro, da história e da polícia, Kátia Paranhos, da Universidade Federal de Uberlândia, lembra que o teatro musicado existe desde o fim do século XIX e início do XX no Brasil, e que naquela época já era visto com desdém pelos críticos, mas adorado pelo público. Nos anos 1950, títulos internacionais como My Fair Laid ainda eram minoria diante das produções brasileiras. Nas décadas seguintes, autores como Augusto Boal (Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes), Gianfrancesco Guarnieri (Botequim) e Chico Buarque (Roda Viva, Calabar e A Ópera do Malandro) introduziram temas mais áridos, uma tendência que foi se dissipando até chegar aos anos 2000, quando os espetáculos da Broadway se impuseram. “De olho nas classes média e média alta, não há mais um convite à reflexão, mas à diversão. Quanto mais contente o público sai do teatro, melhor”, explica a professora.

Autor: Eduardo Nunomura – Carta Capital

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