Ao conhecer Paris, percebi que estava, decididamente, em outra ideia de urbanismo e de
civilização. Um pouco disso pode ter desabado com o teto da Notre Dame!
Nada identificava Paris como a Torre
Eiffel, os Champs Elysées e a Notre Dame. E as pessoas vinham de Paris com
histórias inacreditáveis. Em Paris as mulheres fumavam na rua. Em Paris viam-se
casais se beijando (na boca!) nos bancos de praça. Também se comentava que os
parisienses não gostavam muito de banho, e que viajar apertado com eles num
metrô era um teste de tolerância com os cheiros dos outros. Mas isso talvez se
devesse à escassez de água quente nos prédios antigos, onde elevador também era
uma raridade.
Quem vinha de Paris falava muito nas
“caves”, porões em que se conversava, se bebia vinho, às vezes se ouvia jazz e,
acima de tudo, se fumava, se fumava muito. Falava das “concierges” dos velhos
prédios, uma raça conhecida pela sua misantropia, que só perdia em rabugice
para motoristas de táxi, mas que era quem fazia a cidade funcionar. Parisienses
eram irritadiços e impacientes com estrangeiros. Em compensação, você podia
sentar numa mesa do Café de Flore ou do Les Deux Magots, no Boulevard Saint-Germain,
pedir um cafezinho e passar a tarde, esperando que o Sartre e a Simone de
Beauvoir começassem uma briga na mesa ao lado.
Algumas coisas não têm mais. Não se
sabe que fim levou as velhas “concierges”, todas substituídas por portuguesas
ou portugueses. Especula-se que estejam todas num retiro onde passam o tempo se
intrigando mutuamente. Os motoristas de táxi, pelo menos na nossa experiência,
civilizaram-se. Há água quente para quem quiser. Um problema persistente é o
despreparo da cidade para enfrentar o calor: só agora o ar refrigerado se
banaliza, certamente por exigência dos turistas. O Café de Flore e o Deux
Magots continuam lá, mas são poucas as probabilidades de o turista ver alguém
conhecido. A não ser algum turista da sua própria cidade, claro.
Quando conheci Paris, os ônibus ainda
eram aqueles com uma sacada atrás. Se você perdesse o ônibus podia persegui-lo
e tentar pular na sacada – coisa que, mesmo com 60 anos menos, eu nunca fiz.
Lembro da primeira vez em que saí do buraco do metrô e dei com o Champs Elysées
e, de repente, tudo que eu tinha ouvido contar da cidade e seu cosmopolitismo
se materializou ali na minha frente, na grande avenida. Eu estava,
decididamente, em outra ideia de urbanismo, em outra ideia de civilização. Um
pouco disso pode ter desabado com o teto da Notre Dame, mas sua reconstrução
estará em breve em alguma outra lista de memórias.
Autor:
Luis Fernando Verissimo - O Estado de S. Paulo!
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