O presidente Bolsonaro mandou
"comemorar" os 55 anos da ditadura militar. Depois disse que o
objetivo não era "comemorar", mas "rememorar" o evento. O
ministro do STF Marco Aurélio Mello, aconselhou que se fizessem eventos "em
memória" da redentora. Na sexta-feira, entra em cena uma juíza federal de
Brasília e proíbe que a ordem de Bolsonaro seja cumprida, sob-risco de afronta
à memória e à verdade. Para o capitão da reserva, não houve ditadura, a
despeito do país ter vivido 21 anos sem eleição direta para presidente.
Atravessamos o período com perseguições políticas, cassações, tortura praticada
pelo Estado e censura à imprensa, à música, ao teatro.
Nenhum dos presidentes militares negou
ser ditador. Entrou para a história o diálogo gravado entre o ministro do
Trabalho, Jarbas Passarinho, e o presidente Artur da Costa e Silva, no dia da
edição do AI-5. O Congresso foi colocado em recesso, aboliram o habeas-corpus e
foram extintos os partidos políticos. "Sei que a Vossa Excelência repugna,
como a mim, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples" - disse
Passarinho, para, em seguida, mandar "Às favas, senhor presidente, todos
os escrúpulos da consciência".
Debatemos, agora, se houve ditadura no
Brasil. Se vacinas são mesmo saudáveis. Se a goiabada cascão existe. Até se a
terra é realmente elipsoide. Meu pai morreu achando que o homem na Lua era
truque dos americanos. Prova cabal: eles desceram na Lua, e nela, conforme
sabemos, não se desce, sobe-se. Ela está no céu, acima de nós.
Entramos na era da pós-verdade, aquela
em que os fatos objetivos têm menos influência que os apelos às emoções e às
crenças pessoais. Algo que aparenta ser verdade é mais importante que a própria
verdade. O mundo digital ampliou por mil a Esfera Pública, que é onde se dá o
debate a respeito das coisas de interesse comum.
Melhor seria, hoje, comemorar a
mentira, já que estamos na véspera do 1º de abril. Dizendo melhor: a arte de
mentir de verdade. Esta, não causa celeuma. O poeta gaúcho Mário Quintana
minimizava a mentira, por ser, "uma verdade que esqueceu de
acontecer". Certa vez, perguntaram ao escritor satírico anglo-irlandês
Jonathan Swift (1733), se a verdade não seria a melhor maneira de combater a
mentira? Resposta: "A maneira mais apropriada e eficaz de destruir uma
mentira é contar outra".
Escrevendo para os jornais, em 1898,
Olavo Bilac cravava: "Para ser político, é preciso ante de tudo ter força
de saber mentir e transigir. Diante do eleitorado, que poderia eu dizer? A
verdade? Mas o eleitorado, aceso em justa cólera, me correria às
pedradas". O eleitor gosta mesmo de ouvir mentiras, embora os jornais,
segundo Bilac, prefiram contar verdades. Afinal, para ele, a imprensa era um
bem comum, cuja prática tinha de ser transparente.
Mudaram os tempos, ampliaram-se os
meios de comunicação, mas as mentiras e os políticos não ganharam rugas. O
político passou de notável a notório. E essa notoriedade conduziu ao contato
com o povo, ao corpo a corpo e à promessa - ou mentira - jamais cumprida.
Bastam poucas palavras num tuite, fora de contexto. A mentira diária dos
políticos bombardeia os potenciais eleitores. E estes, ao contrário de
"corrê-los a pedradas", fingem que acreditam.
A mentira, durante oito séculos objeto
de anátemas bíblicos e de severos ataques de todos os lados, é hoje considerada
um "mal necessário" e como tal apreciada e até cultivada como
estratégia para sobreviver numa sociedade na qual, de acordo com os versos de
Ariosto: "não se vive sempre entre amigos". Contrasta com a linha de
origem Iluminista da "transparência", tão presente na nossa
Constituição.
O problema está em que, na sociedade
moderna, somos invadidos por uma superabundância de notícias. A informação
contínua nas redes é fragmentada. Serve para difundir uma verdade superficial
que esconde a essência das coisas. Poucos se dispõem a ler os
"textões". Deste modo, por trás do direito de informar, pode se
esconder uma estratégia de controle da informação.
O escritor russo Anton Tchékov,
admitia que seja possível mentir no amor, na política, na medicina; é possível
enganar as pessoas e até mesmo Deus. O único refúgio da verdade está na arte.
Nela, o artista busca a verdade pessoal. Para Tchékov, a literatura é uma ronda
em torno da verdade. Essa busca pode estar fadada ao fracasso, mas sempre sobra
um resto de verdade. Muito a propósito, ele dizia escrever para si mesmo.
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