Em 2018 a Eletrobrás apresentou um lucro
líquido de R$ 13,3 bilhões, mas o seu presidente anuncia que a empresa será
privatizada em 2021, argumentando que se trata de uma das medidas para combater
o coronavírus. Ele não teme o ridículo.
O ministro Paulo Guedes, por sua vez,
pressiona o Congresso para adiantar essa privatização já para 2020, não se sabe
por quê.
O programa de privatizações do sistema
elétrico em larga escala começou no governo FHC e, hoje, o sistema é
majoritariamente privado.
Só no segmento de geração de energia,
cerca de 60% dos ativos estão privatizados. Parte das linhas de transmissão e
as principais distribuidoras também foram privatizadas.
Argumentando a favor daquele programa,
dizia-se que o governo carecia de recursos para investir no sistema elétrico,
assim, era a iniciativa privada que deveria fazê-lo.
Dizia-se também que no ambiente
competitivo do mercado, as tarifas ficariam mais baratas.
Ocorre que os novos controladores das
antigas estatais pouco investiram, optando por elevar tarifas para maximizar
lucros. Foi a Eletrobrás que continuou investindo na expansão do sistema.
Entre 1996 e 2017 as tarifas de
eletricidade para o setor residencial subiram mais de 68% e as do setor
industrial subiram cerca de 130%, acima da inflação, levando à falência
inúmeras indústrias eletrointensivas e desempregando dezenas engenheiros e
centenas de operários qualificados.
Enfim, aquela quase completa
privatização do sistema elétrico resultou num grande fiasco. E, se a Eletrobrás
também tivesse sido privatizada, o sistema não se teria expandido, nem mesmo
para cobrir a atual demanda.
Acresce que, devido à inadequação do
modelo criado com o objetivo (inatingível) de converter em commodity
(mercadoria) um monopólio natural como a energia elétrica, a Eletrobrás sofreu
grandes prejuízos – prejuízos esses que corresponderam a lucros astronômicos
para as comercializadoras e outros intermediários não produtivos.
E o governo enfraqueceu o controle que
tinha sobre um instrumento estratégico para incentivar o desenvolvimento da
Indústria.
Vê-se então que tarifas de eletricidade
não devem ser usadas apenas para gerar lucros, mas para incentivar a indústria
e beneficiar a sociedade.
Não é demais repetir que a energia
elétrica constitui um monopólio natural, do qual dependem a indústria, o
comércio, as comunicações, a conservação dos alimentos, etc.
A principal fonte primária do sistema
elétrico brasileiro está nos rios e a geração de energia é apenas uma das
utilidades dos reservatórios, ao lado de outras, como o abastecimento de água,
a navegação, a irrigação etc.
Tudo isto implica importantes despesas
permanentes em preservação ambiental – e a experiência mostra que investidores
privados não fazem tais despesas. Por isto, até nos Estados Unidos, onde o
sistema elétrico é privado, as grandes hidrelétricas são públicas, pertencentes
à Tennessee Valley Authority, à North Western Energy Company e ao U.S. Army
Corps of Engineers. O intercâmbio entre as hidrelétricas pertencentes a essas
empresas com a estatal canadense British Columbia Hydro é operado pela
Bonneville Power Administration, que também é estatal.
Cumpre lembrar, aliás, que o Canadá, a
Noruega, a Suécia, o Brasil e a Venezuela são os únicos países em que a energia
hidráulica é a principal fonte primária para a geração de energia elétrica. Em
todos, as hidrelétricas são estatais. Exceto a Venezuela, nenhum é socialista.
Na China e nos EUA as principais fontes
primárias são o carvão e o gás natural, mas em ambos as hidrelétricas também
são estatais. Se a Eletrobras for privatizada, o Brasil será o único país a
vender suas hidrelétricas.
Os problemas do grupo Eletrobrás
(Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) podem ser resolvidos isolando-o
de influências políticas e submetendo-o a uma diretoria executiva
comprovadamente idônea e tecnicamente capaz, subordinada a um conselho com
poder de veto sobre decisões relativas a concorrências, contratações de
pessoal, publicidade etc.
As hidrelétricas do grupo Eletrobrás têm
idades em torno de 30 anos, portanto o capital investido já foi amortizado.
Assim, o custo da energia nelas gerada compõem-se apenas de custos
administrativos e operacionais; preservação ambiental, impostos, seguros etc.,
totalizando cerca de R$ 39/MWh.
Eliminando-se os intermediários não
produtivos, esta energia poderia ser vendida diretamente às distribuidoras por
uma tarifa de R$ 180/MWh. O grupo Eletrobrás responde por uma oferta de
170 milhões de MWh por ano, portanto, considerando o custo de R$ 39/MWh, o seu
lucro pode chegar a 24 bilhões de reais por ano.
Em vez de abrir mão dessa fonte de
recursos, o governo deveria reinvestir uma parte na própria expansão e
modernização do sistema elétrico. Outra parte iria para o Tesouro Nacional,
contribuído para cobrir o déficit público.
Se a Eletrobrás for privatizada, vai-se
repetir o fiasco de forma agravada: altamente oligopolizada, a energia
ficará mais cara, tarifas subirão ainda mais e, em vez de serem parcialmente
reinvestidos na expansão e modernização do sistema elétrico, os lucros da
Eletrobrás servirão para pagar juros abusivos aos bancos.
Autor: Joaquim
Francisco de Carvalho, mestre em engenharia nuclear e doutor em ciências da
energia pela USP, foi engenheiro da Cesp e diretor industrial da Nuclen (atual
Eletronuclear).
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