Falhas do governo não
justificam irresponsabilidade do Congresso.
A ameaça do coronavírus bate à porta. O
que se vê, no entanto, não é apenas um país despreparado para a crise, mas
também sem rumo. O presidente negligencia o problema, enquanto o País espera
informações e um plano de ação do governo.
Fernando Reinach faz o alerta. Um quadro
epidêmico no Brasil não pode ser descartado. Será necessário implementar nas
próximas semanas um conjunto de ações sanitárias para minimizar o risco de
colapso do sistema de saúde, como as conduzidas na Inglaterra, França e
Alemanha. Para início de conversa, é preciso disponibilizar testes para
coronavírus em larga escala e com rápida resposta.
Tudo muito distante de nossa realidade.
Alguns economistas sugerem expansão
fiscal e aumento das concessões de crédito do BNDES para proteger a economia.
Uma recomendação equivocada.
A prioridade no momento é proteger as
pessoas e o sistema de saúde, para que se possa reduzir o risco de um quadro
grave no País. A defesa da economia dependerá do tamanho e da natureza do
impacto do coronavírus, o que ainda não está claro. Por exemplo, se o mercado
de crédito for afetado de forma aguda, como em 2008/09, medidas administrativas
do Banco Central serão necessárias para evitar uma crise de liquidez e, no
limite, linhas emergenciais de bancos públicos poderão ser acionadas.
Não é o caso de aumentar os empréstimos
do BNDES. A demanda de investimento será afetada pelas muitas incertezas.
Além disso, ainda que muitas empresas
enfrentem dificuldades para ter acesso ao crédito, não é por falta de recursos
que o investimento não deslancha. É por falta de bons projetos em um país
difícil, com regras do jogo complexas, mal definidas e que podem mudar sem
critério.
Não faltam pesquisas apontando o
fracasso da política de campeões nacionais do BNDES em elevar o investimento
das empresas contempladas, como aponta Sergio Lazzarini. A proposta de aumentar o investimento
público chega a ser irresponsável. Não se trata apenas de ameaça à regra do
teto de gastos – a principal âncora dos juros baixos – e de prejudicar a confiança
de investidores. Trata-se da baixa capacidade do Estado brasileiro de fazer
projetos de qualidade.
De acordo com a auditoria do Tribunal de
Contas da União, 37,5% das obras financiadas com recursos federais estão
paralisadas ou inacabadas. A razão principal não é a falta de recursos, mas sim
problemas técnicos ou com órgãos de controle. Apenas 10% decorrem de
dificuldade financeira.
Convém também lembrar de obras que foram
finalizadas, mas que têm retorno social discutível, como estádios de futebol e
estaleiros. Além disso, apesar de os gastos com investimento serem considerados
um uso mais nobre dos recursos públicos (até com exageros, como se gastos com
saúde e educação não fossem essenciais), eles não são a melhor forma de reagir
a choques transitórios que demandam medidas emergenciais.
O tempo necessário para execução é
longo, ainda mais no Brasil, onde nem sequer há na prateleira bons projetos
para serem rapidamente implementados. Além disso, muitos investimentos implicam
gastos de custeio no futuro – como a construção de hospitais e escolas, que
precisam de recursos para funcionar –, nem sempre viáveis do ponto de vista
orçamentário.
Ações emergenciais devem ser,
tipicamente, gastos com custeio de curto prazo. E, no quadro atual, teriam de
ser focalizados na área sanitária e de saúde. A dissintonia com o momento do
País não para por aí. O Congresso avança em decisões que aumentam o rombo
fiscal – com voto de parlamentares da base governista –, como a de derrubar o
veto do presidente da República ao aumento do limite de renda familiar para se
ter acesso ao Benefício de Prestação Continuada. O impacto fiscal será na casa
de R$ 20 bilhões ao ano. Caberá manifestação do TCU, posto que não há fonte de
recursos definida. Há risco de outras pautas-bomba. As falhas do governo não
justificam a irresponsabilidade do Congresso. Se seguirmos nessa trajetória, aí sim a
crise será muito grave.
Autora: Zeina Latif, O Estado de S.
Paulo – Consultora e Doutora em Economia pela USP.
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