Bolsonaro,
Guedes e seus ‘seguidores’ empenham-se na desconstrução do arcabouço
institucional que sustentou o desenvolvimento do País.
Ao investigar as razões do
desenvolvimento asiático, os autores mais inclinados à análise histórica e
institucional concentraram a atenção nas seguintes questões: 1. A natureza e
relevância das políticas industriais (e de constituição de grandes grupos nacionais),
sempre amparadas no direcionamento do crédito e nas taxas de câmbio reais
“competitivas”. 2. A importância dos acordos implícitos e das relações de
“cooperação” e “reciprocidade” entre o Estado e grupos privados. 3. A forma da
inserção internacional.
Os estudos cuidaram de sublinhar as
relações peculiares entre os Estados Nacionais, os sistemas empresariais e a
“inserção internacional”. Procuraram chamar atenção para a especificidade da
“organização capitalista”, em que prevaleceram: 1. Nexos “cooperativos” e de
reciprocidade nas relações capital-trabalho. 2. Negociações entre os grandes
conglomerados e seus fornecedores. 3. Íntima articulação entre os bancos e a
grande empresa nacional. 4. “Administração estratégica” do comércio exterior e
do investimento estrangeiro.
Essa arquitetura institucional não só
assegurou excepcionais taxas de investimento e de acumulação de capital como
ensejou programas de “graduação” tecnológica. Esse arranjo garantiu, assim,
expressivos ganhos de produtividade e, consequentemente, consolidou a posição
competitiva dos grandes grupos nacionais (sim, os “campeões”, senhoras e
senhores) diante dos rivais e concorrentes no mercado internacional.
A partir das reformas do fim dos anos
70 do século passado, a China irrompeu no cenário asiático com uma receita um
tanto modificada. O novo protagonista apoiou-se na combinação entre uma
novidade, ou seja, a atração de investimentos diretos estrangeiros e, uma
tradição, isto é, a forte intervenção do Estado na finança e no comércio exterior,
com o propósito de sustentar uma agressiva estratégia exportadora e de
crescimento acelerado. A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em
infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a
apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a
batalha da concorrência global.
Os sistemas financeiros que ajudaram a
erguer os países asiáticos eram relativamente “primitivos” e especializados no
abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores
“escolhidos” como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso
ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade,
da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação
da dívida.
Na China, as elevadas taxas de
poupança registradas nas contas nacionais resultam, sobretudo, dos lucros
retidos pelas empresas e do crescimento da renda das famílias. As “poupanças”
brotam do circuito virtuoso: expansão do crédito comandada pelos bancos
públicos, conexão entre o investimento das empresas estatais e privadas,
aumento da produtividade e das exportações líquidas, elevação dos lucros e dos
rendimentos agregados.
Os chineses cuidaram de reforçar a
centralidade da “organização capitalista” em que prevalecem nexos, digamos,
“cooperativos” nas relações entre empresas e burocracias civis, militares e de
segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço
tecnológico. É crucial a presença dos bancos públicos no provimento de crédito
para permitir a apropriação da tecnologia, mediante a utilização das empresas
estatais para a formação de joint ventures com o capital estrangeiro,
e promover a “administração estratégica” do comércio exterior. Essa arquitetura
institucional não apenas assegurou excepcionais taxas de investimento e
acumulação de capital como também ensejou programas de “graduação” tecnológica.
A crise que hoje machuca a economia
brasileira é, sobretudo, uma crise de inteligência estratégica. Bolsonaro, Paulo
Guedes e seus “seguidores”, dentro e fora do governo, empenham-se na
desconstrução do arcabouço institucional que sustentou o desenvolvimento do
País ao longo de cinco décadas. Desde os anos 30 do século passado, a
trajetória da nossa economia confirma que a coordenação do Estado é crucial
para a obtenção de taxas de crescimento elevadas.
Os dados de Rodrigo Orair demonstram
claramente o protagonismo do investimento público no longo ciclo de expansão
entre 1950 e 1979. Não por acaso, as taxas de crescimento do período suplantam
significativamente aquelas obtidas na etapas recentes.
O Brasil ocupava, então, a liderança
no torneio mundial do crescimento amparado em um processo de industrialização
que avançou para dotar o País de uma estrutura produtiva diversificada e
moderna. Pindorama era a nação mais industrializada entre os ditos
“emergentes”.
Descontada a década perdida dos anos
1980, submetida às agruras da crise da dívida externa, o desenvolvimento
posterior foi modesto. O primeiro ciclo, o dos anos 1990, moveu-se no
território do baixo dinamismo e da regressão da estrutura industrial. Esvaiu-se
no colapso cambial de 1999. O segundo ciclo, apoiado no projeto de inclusão
social e expansão do mercado interno, foi sustentado pelos preços das commodities,
mas fragilizado pela valorização cambial. Sobreviveu bravamente à crise global
de 2008. Perdeu forças nos anos que antecederam à crise de 2015, deflagrada
pelo ajuste reclamado pela turma da bufunfa e executado pela dupla
Rousseff-Levy.
Desde então, o debate brasileiro
trilhou os caminhos das simplificações binárias. Inspirados no
filme Querida, Encolhi as Crianças, não são poucos aqueles que recomendam
“encolher o Estado”. Cortar, desmobilizar e privatizar são os verbos mais
conjugados nos gabinetes dos palácios e da finança. A secretaria que cuida das
Privatizações ostenta também a alcunha de Desinvestimentos.
Vamos olhar para a frente: a
integração às cadeias globais vai certamente exigir políticas distintas
daquelas executadas nos anos do nacional-desenvolvimentismo. A ênfase, agora,
deve ser colocada na busca da construção de vantagens dinâmicas apoiadas em
programas de inovação, sobretudo os articulados ao agronegócio, às novas fontes
de energia, à infraestrutura e às grandes demandas sociais, como educação,
saúde, mobilidade urbana e segurança.
Autor: Luiz
Gonzaga Belluzzo
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