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3 de janeiro de 2024

Pedaços quebrados!

Este texto começou a ser escrito na primavera e termina no verão. Coisas de correrias das últimas 250 horas do ano, como se, depois disso, tudo virasse pó ou matéria primordial do universo, criando-se espaço e energia novamente. Não, nada disso vai acontecer. No máximo uma nova folhinha pendurada na parede. Quebramos a sequência do tempo apenas para nos satisfazer como finitos humanos e tentar organizar o caos de nossa existência. Quebramos as nozes do poema musical, em apresentação nestes dias no Teatro Castro Mendes em Campinas. E também quebramos versos. Verso de pé quebrado é quando fica faltando ou sobrando sílaba, não atende à sonoridade ou que seja simplesmente ruim. É verso indesejável, ainda que o termo carregue hoje em dia uma conotação capacitista muito evidente. Nas reuniões de trovadores, escondemos tais versos, sabendo que eles habitam nossos cadernos de anotações, físicos ou virtuais. Digitar no celular virou o rascunho do poeta moderno. Já a pessoa de pé quebrado é mais óbvia e não creio que acepções depreciativas tenham sido desenvolvidas sem levar em conta a necessidade do cuidado. Em casa, a convalescença alheia está sendo monitorada, com cuidado.

Sei, é capacitismo usar a expressão usando a palavra muleta, mas ela foi pensada e elaborada quando a necessidade exigida por alguém era superestimada e denunciada. As palavras possuem denotação e conotação, não podendo ser usadas com valores absolutos. Ao referir-me a um grupo de corruptos como canalhas, não quer dizer que estou ofendendo os cães. Da mesma forma que dizer que um gatuno surrupiou algo, também não desprezo os amáveis felinos. Apenas são conotações. Mas parece que as palavras ficaram perigosas, ao menos para os grupos que conseguiram se impor e, assim, fazerem-se entender. Os químicos, por outro lado, minoria que são, vão amargar os dissabores da depreciação da profissão e da ciência calados. Algo com química continua sendo negativo, enquanto que a química entre as pessoas parece enaltecer apenas o aspecto atrativo, quando a existência química das substâncias se dá muito mais pelo aspecto repulsivo. Um dia, quiçá, colocarão todos os detratores da nobre ciência no ostracismo, como fazem com Monteiro Lobato. Registro aqui um neologismo, agora mesmo plasmado: a ciencioestereotipação, em oposição ao cientismo ou cientificismo.

Mas não creio que voltaremos a viver os tempos de patrulhamento ideológico, porém aproveito o lançamento de uma biografia de pessoa famosa para tecer um contraponto. Há um novo livro sobre Charles Chaplin, mostrando que há sempre uma boa história para contar, mesmo de personagens já escrutinados à exaustão. A caça às bruxas norte-americana é conhecida, em que colocou todos que minimamente defendiam algum direito social na mesma pecha de comunista, incluindo Chaplin. Nada muito diferente do que ainda hoje corre por aqui. Vamos aguardar uma boa tradução dessa obra escrita por Scott Eyman para evitar a imersão incompleta na língua de Shakespeare, já que as férias se aproximam e o ritmo das atividades é quebrado pela confraternização da firma, confraternização de poetas. Tudo aconteceu na semana e o melhor resultado são os versos, ainda que quebrados, não as guloseimas oferecidas em mesas de comunhão. Os carboidratos não perdoam os pecados do aumento de peso, do entupimento arterial e da sobrecarga ao fígado, esse ser dentro do ser que tudo sente e, supostamente, age no destrato alheio.

Autor: Professor Adilson Roberto Gonçalves – Publicado no Blog dos Três Parágrafos.

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