Manifestação Zapatista em março de 2022 - EZLN Divulgação.
1. Em 1994, o mundo conheceu o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), organizado em Chiapas, no sul do México, quando as cinco principais cidades foram tomadas e os indígenas maias chiapanecos, reivindicando a memória de Emiliano Zapata, declararam guerra contra o Estado mexicano, embate que durou 12 dias. Trata-se de um dos primeiros movimentos críticos ao modelo neoliberal, o que se intensificaria na América Latina no final dos anos 90 e início dos anos 2000. O levante armado reivindicava uma história de resistência. A Primeira Declaração da Selva Lacandona dizia: Somos produto de 500 anos de lutas. Local e global, foi a primeira organização a usar a internet como plataforma da agitação política.
2. O dia primeiro de janeiro foi a data escolhida porque entrava em vigor o Tratado de Livre-Comércio entre EUA, Canadá e México. Aprovado na realidade em 1992, o documento, no seu artigo 27, abolia o chamado “ejido”, que é a propriedade da terra conquistada na primeira revolução mexicana (1910 – 1919), que impedia a venda de terras pertencentes aos camponeses, que podiam produzir nelas individual ou coletivamente. A partir disso, grupos transnacionais passaram a se apropriar de terras e reduzir a produção para o mercado interno. Em 2006, os governos dos países da América Central também assinariam o mesmo acordo com os EUA, destrutivo para os povos da região.
3. Em 2001, marcha massiva dos zapatistas na Cidade do México pressionou pela aprovação dos Acordos de San Andrés, de 1996, programa oriundo do levante e que reivindicava a chamada autonomia indígena sobre território, educação, saúde, direito indígena, língua, entre outros. Porém, os três principais partidos votaram em conjunto contra os acordos – desde os neoliberais Partido de Ação Nacional (PAN) e Partido Revolucionário Institucional (PRI), passando pelo Partido da Revolução Democrática (PRD), à época de Andrés Manuel López Obrador (AMLO). O episódio acirrou a tensão entre os zapatistas e a esquerda mexicana que historicamente apoia Andrés Manuel López Obrador.
4. Pouco depois, no ano de 2006, o México vivia uma conjuntura de ascenso das lutas sociais, um turbilhão acompanhado pela militância em todo o mundo. No mês de abril, os trabalhadores rurais de San Salvador Atenco se insurgiram após repressão do governo Fox (PAN) e projeto de construção de aeroporto. Em junho, iniciou-se uma mobilização massiva dos trabalhadores e professores de Oaxaca, quando foi conformada a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), expulsando o governador daquele estado e controlando as principais cidades com barricadas. Na Cidade do México, o chamado “Desaforo” levava milhões de pessoas às ruas contra a tentativa jurídica de impedir Obrador de disputar as eleições.
5. Os zapatistas lançaram, nesse contexto, a “Outra Campanha”, buscando aglutinar as forças populares em um país de lutas locais diversas como o México. Falava-se, no início, na proposta de nova constituinte mexicana. Porém, a comandância zapatista errou na definição do inimigo principal quando decidiu fazer franca oposição a Obrador. O candidato da esquerda, em que pese críticas possíveis contra o limite de seu programa, e seus limites como governador da capital, perdeu as eleições por apenas 0,56% de diferença para Felipe Calderón (PAN), que reforçou o modelo neoliberal no país, ampliando a informalidade, a exploração do trabalho, a expansão das transnacionais no campo, o crescimento do crime organizado e do narcotráfico.
6. A responsabilidade, de certa forma, na primeira derrota de Obrador à presidência fez com que os zapatistas se isolassem politicamente dos trabalhadores, sindicatos e, sobretudo, das massas populares. Uma lição política importante sobre como as organizações revolucionárias devem lidar com o reformismo. A direção política do EZLN, que já alcançou grande apoio nacional e internacional, perdeu influência na política mexicana ao buscar uma “terceira via” inexistente na esquerda, quando as massas na realidade estavam com Obrador, que deveria receber apoio crítico e pressão. Unidade, mas luta.
7. A experiência zapatista, em que pese seu acúmulo organizativo, incorreu em debates teóricos equivocados, abandonando declaradamente o marxismo-leninismo inicial de seus dirigentes oriundos da esquerda mexicana; aderindo a teses como a do irlandês John Holloway, de “Mudar o mundo sem tomar o poder” e de um “Poder popular” que prescindiria da conquista revolucionária do poder do Estado. O aprendizado das forças populares deve ir no sentido contrário: sem a tomada, definhamento e destruição do aparelho do Estado pelas forças populares, as forças da repressão buscam destruir as organizações da classe trabalhadora. É o que acontece em uma realidade de um estado militarizado e cercado por paramilitaríssimo, que oprime diretamente as comunidades zapatistas. O importante e enraizado exercício organizativo da autonomia e não pode, em nenhum momento, prescindir da organização para a ruptura e tomada do Estado pelas forças populares, avançando no seu definhamento e substituindo o Estado de uma classe pela organização direta dos produtores, em longo e doloroso processo.
8. Sem dúvida, a experiência chiapaneca tem aprendizados importantes, sobretudo no plano da agitação, da cultura, da organização de base, da capacidade gigantesca de síntese e comunicação do porta-voz do EZLN, subcomandante Marcos, que soube sintetizar o aprendizado com a cultura maia e a tradição organizativa da esquerda latino-americana. Em que pese ser inspiradora, é fato também que a experiência zapatista responde a todo um contexto cultural, histórico e que sua reprodução é impossível em outra realidade. As comunidades zapatistas seguem em resistência, diante do crescimento do paramilitaríssimo, reforçam a organização comunitária, uma vez que o território zapatista alcança cinco regiões e organiza diferentes etnias indígenas no estado – tzotziles, mam, choles, tojolabales e tzeltales.
9. Hoje, em Chiapas, as comunidades zapatistas vivem situação de cerco por parte do exército mexicano. Apesar da possível crítica à comandância do EZLN, nos episódios que trouxe acima, merecem toda a solidariedade e apoio internacional para romper o atual cerco.
Que os 30
anos do levante de 1994 renove as lutas!
Autor:
Pedro Carrano – Publicado no Site Brasil de Fato.
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