Em junho de 2024, a OCDE publicou os resultados de uma pesquisa envolvendo mais de 40 mil entrevistados de 21 países, com o objetivo de medir a capacidade dos cidadãos em reconhecer notícias falsas ou enganosas na internet. Além disso, a pesquisa quis saber onde as pessoas buscam as notícias que balizam suas decisões sobre os mais diversos assuntos, desde o desempenho dos governos até o lançamento de remédios e tratamentos para a saúde.
O resultado não foi propriamente uma surpresa: a Finlândia ficou em primeiro lugar e o Brasil em último. Apesar de algo esperado, tanto em uma ponta como na outra, esse novo último lugar não deixa de ser, mais uma vez, desolador. Mas é algo lógico, para um país que investe de maneira inadequada e ineficaz na educação pública e que teve, até pouco tempo, um governo que disseminava e sustentava notícias falsas e que criou uma legião de seguidores nos executivos estaduais e municipais, além de diversas lideranças negacionistas no legislativo e mesmo no judiciário. O fato é que pouco mais da metade dos entrevistados brasileiros reconheceram a diferença entre notícias falsas e verdadeiras, enquanto na Finlândia o acerto foi de quase 70%. Mais curioso ainda é que, enquanto no Brasil a pesquisa não gerou nenhum comentário oficial nem suscitou qualquer debate no Parlamento, na Finlândia o índice é visto com preocupação e provocou várias discussões sobre as razões e as possíveis soluções para reduzir esse índice de desinformação de mais de 30%.
Um fator já pode ser destacado: enquanto na América Latina, mais de 85% das pessoas sempre ou quase sempre tomam conhecimento das notícias por meio das redes sociais, em países como Alemanha, Japão e Reino Unido esse índice cai para menos de 60%, e nos países nórdicos esse índice é ainda menor. Isto é: buscar notícias nos órgãos profissionais de notícias parece ser um caminho importante para reverter a epidemia de desinformação e negacionismo que afeta a saúde pública de países como o Brasil. Como diz o relatório da OCDE, os cidadãos da América Latina precisam de uma alfabetização em mídias sociais, e a primeira lição é: o que se afirma no seu grupo de whatsapp só é relevante e digno de compartilhamento se for aferido nas redes nacionais e internacionais de notícias. Ainda está gravado na memória dos brasileiros a patuscada do povo nas ruas gritando “vivas e améns” diante da “notícia” da prisão do ministro Alexandre de Morais. O fato de algo que cai na sua rede social ser do seu agrado não implica que é verdadeira.
Mais uma vez a Finlândia, que por sete anos seguidos é considerado o país mais feliz do mundo, mostra que essa tranquilidade toda é também fruto de uma atividade de cuidado com as informações que circulam para saber quais que merecem crédito e quais que não contribuem para o bem comum. A Educação para a cidadania somado à transparência dos agentes públicos funcionam como um círculo virtuoso de confiança e reciprocidade, criando um ambiente de cooperação que torna a vida mais propositiva e satisfatória nesses países. Por aqui, a equação é a mesma, mas com o sinal invertido. Desconfiança somada com má fé e com baixa capacidade de análise crítica, fazem com que o exercício da governança no Brasil seja um desafio não só em relação aos problemas reais como, principalmente, de enfrentamento das crises provocadas nas redes sociais. E haja energia e resiliência para superar tudo isso.
Porém, a
melhor forma de resolver um problema é ir em direção a ele. E no nosso caso
isso significa, em primeiro lugar, regular o uso adequado das redes sociais,
criminalizando os que se valem dela para deturpar ou simplesmente inventar
fatos que visam manipular a opinião dos cidadãos. O caso das urnas eletrônicas
é um exemplo importante para balizar a ação do judiciário e proteger nossa
democracia, já tão deficitária, mas ainda capaz de manter seus fundamentos em
“on”. Pelo menos por enquanto. Que o trabalho dos pesquisadores e o impacto de
mais esse desconcertante último lugar desperte as lideranças políticas e
jurídicas para uma obviedade que precisa ser modificada urgentemente: se nós
brasileiros estamos em último lugar é porque todos os demais países têm
soluções melhores do que as nossas nesse momento. Aprender com eles e
implementar essas soluções é fundamental para garantir que não haja o próximo
golpe ou que, pelo menos, ele fracasse novamente.
Autor:
Daniel Medeiros é professor e consultor na área de humanidades, advogado e
historiador, Mestre e Doutor em Educação Histórica pela UFPR. Publicado no Site
Neomondo.
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