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1 de setembro de 2022

Tempos, cores e corações do Brasil!

Em ano de bicentenário da Independência e eleições, avanços como a alta de candidatos negros contrastam com o polêmico traslado do coração de D. Pedro. As permanências da história ainda tentam ocupar o peito do Brasil.

Chegada do coração de D. Pedro 1º a Brasília, em 22 de agosto - Foto Eraldo Peres - AP Picture Alliance.

"O Brasil não é para principiantes." Usei essa frase de Antônio Carlos Jobim no artigo de estreia desta coluna. E, cada vez que me ponho em frente ao computador para escrever para a Negros Trópicos, essa frase volta, como se fosse uma espécie de mensagem subliminar, ou um subconsciente coletivo atuando.

Compreender o Brasil é tarefa árdua, por vezes indigesta, que requer paciência, muitas leituras e escutas – e descansos frequentes. E esse terreno "Brasil" está especialmente arenoso nos últimos tempos. Isso porque 2022 é um ano de rememorações e também de apostas no futuro.

Muito já se falou sobre a comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna – que ocorreu em São Paulo em abril de 1922. Debates importantes sobre quais modernidades foram gestadas naquele começo de século 20, bem como discussões sobre quem era ou não moderno.

Mais recentemente, a proximidade do 7 de setembro e o bicentenário da Independência brasileira tem ganhado relevo no cenário público, fomentando novas interpretações da nossa história e do papel que atores sociais – propositadamente esquecidos – tiveram na formação do Brasil independente e soberano. E, nessa sobreposição de tempos, a disputa por diferentes projetos políticos está gritante.

Por um lado, neste crucial ano de eleições, temos um salutar aumento do número de candidatos negros e negras, principalmente na concorrência por cargos no Poder Legislativo. Ainda que estejamos distantes de alguma proporcionalidade dessas candidaturas com o percentual de negros e negras na sociedade brasileira, temos a construção de algumas frentes – como a Coalização Negra por Direitos – que trazem o combate ao racismo no seu DNA, se propondo a disputar os sentidos de Brasil dentro do jogo político democrático. 

Coletivos e indivíduos negro/as que sabem que uma das formas mais eficazes da luta antirracista é estar no poder para, a partir desse lugar, elaborar políticas públicas que de fato promovam equidade de oportunidades e condições, diminuindo os abismos que compõem o Brasil.

Claro que dentro desse cenário existem aqueles sujeitos que tentam se apropriar indevidamente da luta antirracista, como ACM Neto e sua vice, que se declararam pardos para ganhar parte do eleitorado baiano. Todavia, apesar desses oportunismos demagógicos (que têm a cara de parte da elite branca brasileira), estamos testemunhando tempos de transformação.

Mas o tempo não é uma linha reta. Muito menos caminha numa única direção.

Esta semana começou com a chegada do coração do D. Pedro 1º ao Brasil. O coração do príncipe português, que protagonizou o ato da proclamação da Independência. Que se tornou um monarca ao mesmo tempo liberal e profundamente autoritário, fazendo da escravidão, da violência e da força militar linguagens correntes nos seus quase dez anos à frente do Estado que ele ajudou a fundar.

O mesmo monarca que sucumbiu frente às pressões e sublevações que sangravam o Brasil em construção e que abandonou essa terra para voltar à pátria mãe, para deixar de ser o "primeiro" e se tornar D. Pedro 4º, e para poder morrer entre os seus.

Pois bem, foi esse coração trasladado que a atual Presidência do Brasil escolheu para simbolizar a comemoração dos 200 anos da Independência brasileira. Uma escolha muito bem orquestrada – embora não saibamos o quanto ela custou para os cofres públicos –, e que deixa latente que não é só de mudanças que a história brasileira é feita. As permanências também estão aí, tentando ocupar o peito do Brasil.

Autora: Ynaê Lopes dos Santos – Coluna Negros Trópicos - Mestre e doutora em História Social pela USP. Professora de História das Américas na UFF.

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